Obama vai pagar os pecados dos EUA?

Aqui, foi o próprio presidente Barack Obama quem levantou o assunto da ditadura militar, mas nenhum jornalista brasileiro ousou lembrar da ativa e decisiva participação do governo dos Estados Unidos da época no golpe contra João Goulart, um atentado contra a democracia brasileira que perdurou por mais de duas décadas.

Ao contrário, na imprensa brasileira Obama foi criticado exatamente por isto pelo colunista Merval Pereira, candidato à Academia Brasileira de Letras, em sua coluna desta terça-feira em O Globo:

“A insistência com que ele se referiu à superação da ditadura militar no Brasil pela ação de pessoas que, como a presidente Dilma Rousseff, resistiram em defesa da democracia, comparando a situação brasileira de 25 anos atrás com a atualidade dos países árabes que estão em crise política em luta por mais direitos, soou anacrônica e fora de próposito”.

Anacrônica e fora de propósito? Obama nem lembrou de dizer que, no Brasil, a longa ditadura militar foi apoiada alegremente por toda a nossa grande imprensa.

Pois, no Chile, apenas 24 horas depois do seu discurso no Teatro Municipal do Rio, que desagradou a Pereira, foi um jornalista quem questionou Obama sobre a responsabilidade dos Estados Unidos no golpe contra Salvador Allende, querendo saber se o seu governo estaria disposto a apoiar investigações judiciais sobre crimes praticados pela ditadura de Augusto Pinochet.

Na conferência de imprensa ao lado do presidente chileno Sebastián Piñera, em que os repórteres só podiam fazer três perguntas a cada um, o mesmo jornalista quis saber de Obama se estaria disposto a pedir desculpas pela participação dos EUA no golpe de 1973.

Obama respondeu que não é o caso de pedir desculpas, mas que estaria disposto a colaborar “com qualquer pedido feito pelo Chile”, segundo relato da correspondente Janaína Figueiredo, na mesma edição de O Globo. “É importante aprender nossa História, compreendê-la, mas não ficar presos na História”.

Por falar nisso, algum jornalista brasileiro poderia perguntar a Obama, antes do final da sua viagem, se estaria disposto a colaborar também com o nosso país na apuração dos crimes da ditadura militar, caso isso lhe seja solicitado, agora que estamos prestes a instalar a “Comissão da Verdade”.

Se tiver que pagar pelos pecados cometidos por sucessivos governos dos EUA, ao se tornar cúmplice de crimes praticados por dezenas de ditadores contra a democracia e a população civil de seus respectivos países, como aconteceu no Brasil dos militares e no Chile de Pinochet, aconteceu no Egito de Mubarak e está acontecendo hoje na Líbia de Kadafi, Barack Obama não fará outra coisa até o final do seu mandato.

Há ditaduras e ditaduras, claro, e por isso mesmo, em seu “Discurso às Américas”, proferido no Chile nesta segunda-feira, Obama se referiu à Cuba de Fidel Castro: “Continuaremos buscando maneiras de aumentar a independência do povo cubano”, dizendo esperar das suas autoridades “uma decisão importante para defender os direitos básicos do povo”.

Muito justo. Se precisamos aprender com a História, porém, como ele mesmo falou em Santiago, não custava nada Obama lembrar que o atual regime cubano foi implantado no bojo de uma revolução popular que derrubou Fulgêncio Batista, o ditador apoiado pelos Estados Unidos, país que mantém até hoje o embargo econômico à ilha.


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