Como todo bom funk, o som do Charlie & Os Marretas é contagiante. Isso sempre esteve claro nos shows do grupo paulistano, que completa cinco anos de estrada, mas fica ainda mais notável no resultado do disco de estreia, que tem lançamento nesta sexta no Auditório Ibirapuera. Com produção da própria banda e de Gui Jesus Toledo, o álbum de nove faixas se inspira no funk mais tradicional, tanto brasileiro quanto gringo, mas não se prende apenas a ele. Formado por músicos jovens de gostos ecléticos, o “Marretas” traz influências de outros estilos – do hip hop às levadas latinas e brasileiras – e apresenta um trabalho bastante maduro e consistente já na estreia.
A Brasileiros entrevistou o cantor e guitarrista André Vac, 25, para falar sobre o disco (download gratuito aqui), o show, o coletivo RISCO (espécie de selo criado por algumas bandas paulistanas) e o clipe recém-lançado pelos Marretas (assista abaixo). Além de Vac, a banda é formada por Gabriel Basile (percussão e voz), Guilherme Giraldi (baixo), Tomás de Souza (teclados e voz) e, ele que dá nome ao grupo, Charles Tixier (bateria, MPC e voz). Nos shows, contam também com Filipe Nader (sax alto e barítono) e Natan Oliveira (trompete e trombone). Leia abaixo a entrevista:
Brasileiros – Para começar, como e quando surgiu a banda?
André Vac – Em 2009, quando eu e o Guilherme “Vovô” Giraldi, estudávamos juntos na UNICAMP. O Vovô, além de tocar baixo, era DJ e tinha uma grande pesquisa neste universo de funk e grooves dançantes e eu também já tinha grande interesse em montar um grupo pra tocar esse som. Trocando ideias e discos resolvemos ir a fundo e montar um grupo de funk. E para completar o time chamamos o Charles Tixier e o Tomás de Souza, amigos de velha data com os quais já tínhamos tocado antes. A banda passou por várias formações depois disto. Se juntaram ao grupo os grandes parceiros Vinicius Chagas e Rafael Molina nos sopros (que além de gravar o disco com a gente participaram intensamente do processo de arranjo e composição das musicas) e o Gabriel Basile, que entrou pra fechar bonito o som com suas percussões e animação de palco. Atualmente quem assume os sopros na banda são nossos outros grandes parceiros, o Natan Oliveira no trompete/trombone e o Filipe Nader no sax alto/barítono.
E de onde vem o nome, Charlie e os Marretas?
O nome vêm do jeito como a gente costumava chamar entre nós uma música que achávamos que era muito da pesada, muito pedrada, ou seja, uma “marreta” sonora. E o Charlie a gente colocou porque afinal ele é o baterista, o coração da banda!
A inspiração de vocês parece ser principalmente de um funk mais de raiz, digamos assim, mas ao mesmo tempo o trabalho não soa datado, purista. Existe uma preocupação nessa linha, em trazer elementos mais “contemporâneos”, ou é um resultado natural do processo de criação da banda?
Acho que tudo aconteceu de uma forma bem natural. No começo da banda aprendemos muito tocando e escutando o som dos grandes mestres do funk/soul como James Brown, Parliament, Stevie Wonder etc., e neste processo construímos a base do nosso som. Mas gostamos de música acima de tudo, sem distinção de estilos, e cada integrante da banda trouxe sua própria bagagem sonora e compartilhou com o resto do grupo. Assim foram aparecendo outras influências externas ao funk – o hip hop, a musica latina, o rock, o jazz –, tudo de uma forma bem natural mesmo, sem que a gente tenha se preocupado conscientemente em sermos “contemporâneos” ou tentado encaixar nosso som em determinado rótulo.
Falando nessas influências externas… Alguns membros da banda fazem parte de outros grupos, como Memórias de Um Caramujo (música brasileira), Grand Bazaar (música dos Bálcãs), entre outros. Isso mostra que, se o funk une os Marretas, todos têm gostos ecléticos e “ouvidos abertos”. De que modo isso se reflete no som da banda?
Sim, isto se reflete bastante no nosso trabalho. Não queremos ser uma banda purista, “salvadores” ou “mensageiros” do funk, e estamos de ouvidos abertos para todo e qualquer tipo de música. Quando gravamos o disco, ficou claro que queríamos poder explorar diversas sonoridades. E por fim isto acabou ajudando a criar o conceito geral do trabalho. Quisemos evidenciar isto na própria ordem das músicas, separando elas em lado A e lado B. No lado A do disco, estão as músicas com uma pegada mais fiel ao funk anos 70, quase que pequenas homenagens aos grandes mestres do groove. Já o lado B, começa com uma pegada hip hop, passa pelo pop até chegar em sons mais experimentais nas duas últimas faixas. De certo modo estamos querendo contar uma história com este disco, mostrar essa linha continua do tempo que une todos estes estilos numa mesma tradição, que tem origem no funk. Aliás, penso que nos possíveis trabalhos futuros, esta nossa abertura a diversos estilos só tende a aumentar, e sabe-se lá o que a banda irá se tornar! A base funk vai sempre estar lá, pois é a pedra fundamental do nosso som, mas quem sabe não viramos uma banda de forró-funk universitário ou de tecnobrega com pitadas de hip hop romeno?
Recentemente vocês fizeram uma série de shows como banda de apoio do Di Melo, um grande nome do soul brasileiro. Como foi a experiência? Ela afetou (no sentido positivo) o processo de criação e gravação do disco?
A experiência com o Di Melo foi muito legal. Aprendemos muito com ele, tanto tentando se virar pra tocar os arranjos do discão clássico dele de 1975 (aqueles músicos eram absurdos, acho que vai ser difícil alguém fazer algo parecido!), como tentando dar uma cara nossa para as músicas dele que ainda não tinham sido gravadas. Fora isso só o fato de termos encontrado o cara já foi muito incrível e curioso, pois quando fizemos a música “Baile da Pesada” que diz, “Kilario o dia, mas eu nunca me canso/ De noite um Di Melo é puro balanço”, nunca iríamos imaginar que dali a um tempo estaríamos balançando e dividindo o palco com ele! Enfim, o cara tem um carisma e talento natural para compor canções em diversos estilos e é realmente incrível que não tenha tido uma carreira com o reconhecimento que mereceria. Em relação ao nosso processo de gravação do disco, acho que a experiência com ele não necessariamente afetou diretamente o som da banda, mas só o fato de termos nos aprofundado em todos estes estilos que o universo “Dimelístico” abarca – música brasileira, latina, tango, samba, rock etc. – já nos deu recursos para arriscarmos arranjos um pouco mais distantes do que costumávamos tocar, como por exemplo, na música “Marretón”, com sua pegada mais abrasileirada.
Falando em Di Melo, que músicos brasileiros ou estrangeiros vocês citariam como principais influências da banda?
Dos estrangeiros, pelo som, postura e a maneira como conduziam seus shows, os mestres James Brown, Parliament, The Meters, Stevie Wonder e Bill Withers. Da galera mais do hip-hop/jazz tem o Roy Hargrove, J Dilla e Madlib. E dos brasileiros, os clássicos, Tim Maia, Di Melo, Gerson King Combo, Tony Tornado, Toni Bizarro…
“Quando a festa começa, eu só quero dançar”, diz uma música de vocês, que inclusive ganhou um belo clipe (assista acima). Me parece que há um clima festivo, e até bem humorado, que permeia boa parte do disco. Você concorda?
De fato uma boa parte do disco tem este clima mais despretensioso, bem humorado, que é algo que eu acho que vem bastante do funk mesmo. Apesar de algumas vertentes do funk serem mais políticas e engajadas, na grande maioria as músicas só querem dizer pra você ficar numa boa, curtir a vida e dançar, ficar sem crise. Este tipo de música, no nosso caso, costuma surgir de brincadeiras que temos dentro da banda. “Bote um Funk”, por exemplo, surgiu de uma frase que o nosso saxofonista Vinicius Chagas costumava dizer, “O Vô te Ensina” é uma brincadeira com o nosso baixista, o Guilherme Vovô. Enfim, isso tudo vem também da convivência do dia a dia da banda que acaba se tornando uma espécie de família.
Mudando um pouco de assunto. Recentemente, uma série de bandas e artistas se reuniram para criar o coletivo RISCO. Como surgiu e qual é a proposta do grupo?
O RISCO surgiu a partir de um grupo de bandas e amigos que já há muito tempo tocavam juntos em diversos projetos e sempre quiseram se unir numa “mesma casa”. Esta “casa” surgiu quando o Guilherme Toledo, nosso grande parceiro, abriu o Estúdio Canoa, onde boa parte dessas bandas – O Terno, Marretas, Memórias de um Caramujo, Os Mojo Workers, Grand Bazaar, Noite Torta, Luiza Lian, Caio Falcão – gravaram ou irão gravar seus discos. O que faltava para este grupo era este espaço de encontro, uma espécie de quartel general, e uma vez que ele foi criado resolvermos nos unir pra valer neste mesmo selo/coletivo. Primeiramente a proposta do RISCO é simples, lançar o disco de toda esta galera em LP, reunindo todos num mesmo selo. Posteriormente a ideia é utilizarmos cada vez mais o espaço do Estúdio Canoa, fazendo discos coletivos das bandas, jams, agregar outros parceiros e quem sabe no futuro fazer uma festa mensal ou quem sabe um festival grande que abarque toda esta galera.
Falando no clipe, como foi o processo todo, de escolha da equipe, da música? Parece uma grande produção…
O clipe foi de fato uma grande produção, porém num esquema caseiro e independente, feita na sua maioria por grandes amigos e pessoas próximas da banda que deram o sangue para que ele pudesse rolar. Agradecemos toda essa galera imensamente! Quem coordenou toda a produção foram os irmãos Guerra, o Caio e a Helena (diretora do clipe). Tem muita gente legal que participou, como as irmâs Fridmann que fizeram a arte do clipe, a Barbara Malavoglia que é a pessoa por trás das coreografias malemolentes, o Tim Bernardes do Terno, que tá lá dançando com uma cabra. Enfim, a lista de gente boa que ajudou vai bem longe, todo mundo mandou muito! O clipe ficou muito legal e o pessoal está curtindo bastante!
Bom, pensando de novo na frase da música, “eu só quero dançar”… Nessa sexta acontece o show de lançamento no Auditório Ibirapuera. Dá pra ficar sentado no show do Marretas?
Olha, sabemos que o auditório tem aquele ar “sério”. Tocar lá já traz todo um outro peso e o pessoal costuma querer só assistir sentadinho confortável na sua cadeira… Mas estamos trabalhando bastante para que isto não aconteça, já separamos nossos melhores grooves e não temos medo de usá-los!
Por fim, está mais do que claro que “o funk não morreu, é só saber procurar”. É essa a grande mensagem do Charlie e Os Marretas nesse primeiro trabalho?
Acho que se este nosso primeiro disco tem alguma “mensagem”, é a de que o funk – assim como diversos outros tipos de música – está vivo, em plena atividade, se transformando e recebendo novas influências, criando novas tradições. E que no mundo de hoje basta mantermos as antenas ligadas pra sacar que tem muita coisa legal rolando, muita música boa e gente propondo novos caminhos. É só saber procurar!
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Serviço show de lançament0
Auditório Ibirapuera (Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº)
Sexta, dia 23, às 21h
R$ 20; livre
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