Sempre achei intrigante a dicotomia entre o “Primeiro Mundo” e o “Terceiro Mundo”. Pergunto ao leitor, o “Terceiro Mundo” pode ser definido geograficamente ou é um estado de espírito? Considere este exemplo: Quando voltei aos EUA do Brasil (1968), após três anos no dito “Terceiro Mundo”, um americano formado em uma faculdade e executivo de uma companhia então “internacional”, me perguntou:

“O Brasil tem televisão?” Não resisti. Respondi que televisão tinha, mas não tinha eletricidade portanto todo mundo assistia TV à luz de vela. Quem é “Terceiro Mundo” ali, hein? Cansei de ir para coquetéis e festas no Brasil e ver americanos aparecerem com a sua própria água ou gelo para não ter de tomar a água local – mesmo filtrada! Saliento que tomei água em todo lugar no Brasil sem sequer passar uma só dor de barriga no País. Será que é porque sou de New Jersey?

CASO 1– Um usuário (parente meu) de telefone celular recebeu um telefonema da seguinte forma:

Representante da companhia (R): “Senhor ‘x’, estou telefonando para lembrar que a conta do senhor já venceu. Tenho de avisar que se não for paga a conta, o seu serviço será interrompido.”

Cliente (C):“Eu sei. Não paguei e não pretendo pagar.”

R: “O senhor há de concordar que todos nós devemos pagar as nossas contas. Se o senhor não pagar teremos de descontinuar o serviço.”

C: “Moça, não pretendo pagar porque tenho um saldo credor com a companhia. Veja na minha conta.”

R: “Senhor, se a conta não for paga, teremos de suspender o serviço.”

C: “Moça, repito, tenho um saldo credor! Vocês me devem – eu não tenho de pagar nada!”

R: “Senhor, a conta tem de ser paga todo mês. Se não for paga, teremos de descontinuar o serviço.”

C: “Você entende o que é um saldo credor, minha filha? São vocês que devem para mim, não eu para vocês!”

R: “Senhor, devo insistir que se não for paga a conta, o serviço será interrompido.”

C: “Ok, já entendi, como te pago? Cheque negativo? Mando uma fatura? A senhora entendeu? Tenho um saldo credor – sabes o que é um saldo credor?”

R: “É claro que sei, mas isto não isenta o senhor de pagar a sua conta!”

C: “Moça, pelo amor de Deus, posso falar com o seu supervisor?”

R: “Eu não tenho supervisor, senhor!”

C:”Meu Deus!! Deixam você trabalhar sem um adulto por perto??!!” (desligou)

Desfecho: A única maneira que o cliente encontrou para resolver a questão foi enviar um e-mail para o presidente da companhia. Depois de resolver a questão, adivinha qual foi a resposta da empresa: removeram do site da internet todos os endereços de e-mails dos executivos da companhia!!
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Basta? Considere o seguinte diálogo, também a mais pura verdade:

CASO 2 – Uma senhora morreu com um saldo zero no seu cartão de crédito. Em seguida, chegou uma conta da anuidade do cartão. No mês seguinte, mais uma outra conta com juros de mora mais a anuidade. Um parente, consciente, decidiu telefonar para o banco para avisar do óbito.
Seguiu-se o seguinte diálogo:

Parente (P):“Estou telefonando para avisar que a sra. ‘X’ morreu dois meses atrás com saldo zero no cartão.”

Representante do Banco (RB):“A conta não foi fechada e está em atraso. Teremos de cobrar os juros, a multa e a anuidade.”

P: “Mas se ela não pagar, o que acontece?”

RB:“Teremos de enviar a conta ou para o setor de fraude ou cobrança, ou até para os dois, e o nome dela para o Credit Bureau (SPC americano).”

P: “Mas, você entendeu que ela morreu?”

RB:“A multa e os juros terão de ser pagos. Pois a conta está em atraso e nunca foi fechada.”

P: “Ela morreu!! Você me entendeu?”

RB:“Momento, passarei para o meu supervisor.” (Supervisor (S) entra na linha)

P: “Expliquei para a moça que a sra. ‘X’ faleceu dois meses atrás.”

S:“Ocorre que a conta não foi fechada e a multa e juros de mora incidem.”

P: “Quer cobrar do espólio dela?”

S:“O sr. é advogado dela?”

P: “Não, sou parente. Você quer o atestado de óbito dela?”

S:“É, talvez ajude. Pode mandar por fax?” (O parente envia o fax.)

S:“O nosso sistema não está configurado para óbitos. Não sei o que mais posso fazer.”

P: “Bem, pode continuar mandando a conta. Ela não vai se importar. Você quer o novo endereço?”

S:“Acho que ajudaria, sim.”

P: “Wilkshire Memorial Gardens, Setor 8, Lote 68, Estrada 109”

S:“Senhor!!! Aquilo é um cemitério!!!”

P: “Ué, e o que fazem com os mortos no seu planeta??”

Esses dois casos são reais. O primeiro caso foi de uma companhia de renome de telefonia celular nos EUA. O segundo foi de um banco muito grande nos EUA (há alguma dúvida por que os bancos americanos estão com problemas?). Pode-se inferir que no Primeiro Mundo a confiança nas instituições e no “sistema” é tão grande que nem a realidade pode interferir no andamento da carruagem. As regras têm de ser seguidas – mesmo depois de morto! No “Terceiro Mundo” sabe-se que as coisas e os sistemas são falhos. Portanto, a fé das pessoas é depositada mais numa realidade que possa conflitar com o ideal do que com o “ideal” propriamente dito.

Agora, vamos projetar essa constatação para a crise atual. É surpresa que os países “emergentes” estejam em melhores condições que os países “desenvolvidos”? O Brasil, por exemplo, como país “emergente” (antigo “Terceiro Mundo”) fez tudo “errado”. Controlou os bancos supostamente em demasia. Manteve bancos “estatais” quando “deveria” tê-los privatizado. Não desregulamentou o setor financeiro como os desenvolvidos. No momento atual, os “vícios” do “Terceiro Mundo” tornaram-se virtudes. E as virtudes do Primeiro Mundo viraram vulnerabilidades.

Nos anos 1960 os “emergentes” de hoje eram tachados de “subdesenvolvidos”. “Sub” qualquer coisa tem uma conotação ruim. Contudo, nos anos 1970 e 1980 os “subdesenvolvidos” passaram para o “Terceiro Mundo”. Não eram mais “subs”, mas o termo ainda continha um certo desprezo. As características do “Terceiro Mundo” eram semelhantes às dos subdesenvolvidos: distribuição de renda distorcida a favor dos ricos; sistema educacional falho e pobre em termos de dinheiro e conteúdo; subemprego; legislaturas insensíveis às necessidades do país; funcionários mal treinados; e outras coisas mais. Bastava achar um país que satisfazia esses requerimentos e era um antigo “sub” que graduou para o “Terceiro Mundo” e hoje seria “emergente”.

O líder do mundo “desenvolvido”, isto é, o chamado Primeiro Mundo, certamente não exibe essas características – ou exibe? Falo, é claro, dos EUA. Sugiro que o caro leitor dê uma olhada nas características acima citadas quando aplicadas aos dados dos EUA. Não entrarei em detalhes – os dados falam por si e o comportamento do Congresso americano nesta crise oferece ampla evidência de insensatez aos problemas do país. E esta é a legislatura que Mark Twain uma vez disse que é o melhor que se pode comprar! Os “bônus” milionários pagos para os executivos que fizeram o banzé financeiro atestam a questão de distribuição de renda e a fragilidade das instituições tanto públicas quanto privadas. E os casos no começo deste artigo oferecem exemplos de como os funcionários são bem treinados e despachados.

Suspeito, caro leitor, que o termo “emergente”, produto da globalização e dos anos 1990, foi criado para poder abranger todos que reduziram a sua condição de “primeiro”. Afinal, quem quer ser chamado de “sub” ou “terceiro”?

Já que os EUA e outros do Primeiro Mundo entraram para o rol dos países pobres, o termo “emergente” dói um pouco menos para aqueles que tiveram de reduzir o seu status. Tamos todos “emergindo”! Uau!


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