O que ninguém esperava, aconteceu. O melhor documentário da Mostra Competitiva Brasileira do Festival É Tudo Verdade deste ano foi Dois Tempos, de Arthur Fontes e Dorrit Harazim. O diretor não estava presente na noite de encerramento do Festival, realizada no Cine Livraria Cultura no sábado (9). Quem recebeu o prêmio foi a codiretora e jornalista Dorrit Harazim, que ficou bastante emocionada e surpresa.

O documentário é derivado de um filme anterior que a dupla fez, o curta-metragem A Família Braz, de 2000. O curta mostra como vivia e o que esperava do futuro a família da Brasilândia, zona leste de São Paulo, na época de classe baixa. Em 2010, eles decidiram voltar à casa da família, composta por marido, esposa e quatro filhos (duas mulheres e dois homens), todos já adultos, e saber o que tinha acontecido na vida delas na década que se passou. O documentário usa imagens do curta, em preto e branco, de 2000, e as imagens que os diretores captaram em 2010. Muito da força do filme vem dessas imagens em preto e branco e da família radiografada por eles. A mãe, dona Maria, é o esteio da família, enquanto o pai, seu Toninho, que faleceu meses depois dos términos da filmagem da nova produção, é o lado despreocupado e tranquilo dessa família. Os quatro filhos progrediram na década que separa as filmagens do curta e do longa, seguindo os ensinamentos dos pais.

Um prêmio para refletir
Antes de anunciar o nome do vencedor da Mostra Competitiva de Longa ou Média-Metragem, o documentário Dois Tempos, o júri da Mostra Competitiva Brasileira, formado pelos cineastas brasileiros Ana Maria Magalhães e Ugo Giorgetti e o brasileiro radicado em Portugal, Sérgio Tréfaut, anunciou que o prêmio seria dado ao filme que conseguiu revelar, pelo extrato de uma família, o crescimento econômico de uma significativa parcela da sociedade brasileira. Mas, ao mostrar a ascensão dessa nova classe média, o filme também revela, de forma preocupante, segundo as palavras dos jurados, o padrão consumista do extrato social que emerge no País.
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O filme começa mostrando um plano aberto dos membros da família em frente à casa na Brasilândia, adornada por quatro carros, e intercala com outra imagem, em preto e branco, com a família na mesma posição, só que em 2000, quando havia um único carro na casa. O longa, segundo a codiretora nos disse, não quis apenas mostrar a nova mudança no padrão de consumo da família, mas revelar como vive uma grande parcela da população brasileira nas periferias das grandes cidades brasileiras. “Essas famílias são bem mais comuns do que acreditamos. Mesmo sendo discriminadas, pela sociedade e pela mídia, essas famílias vão tocando suas vidas com muito trabalho e esperança”, analisa. Resta uma pergunta: É pelo consumo em demasia dessas famílias que vamos resolver as injustiças sociais e os preconceitos existentes no País?

Os injustiçados
Além do prêmio de melhor documentário para Dois Tempos, o júri revolveu dar uma menção honrosa para Aterro do Flamengo, da artista plástica Alessandra Bergamaschi, que flagra, com uma câmera estática, um corpo morto em um espaço público e como as pessoas próximas ao acontecimento reagem ao fato. Vale como exercício de reflexão, mas havia outros filmes dentro da Mostra Competitiva que mereciam ganhar não apenas um prêmio de menção honrosa, mas também de melhor documentário.

O júri deixou de premiar o melhor filme da competição, Vocacional, Uma Aventura Humana, de Toni Venturi, que em duas sessões lotadas (e com gente fora, que não conseguiu entrar), emocionou a todos os presentes. O longa recupera a história da bela tentativa de uma educação pública exemplar que foi executada entre 1962 e 1969, em cinco ginásios públicos no Estado de São Paulo, os Ginásios Vocacionais, e abortada pelo governo militar. A atriz e esposa do diretor Toni Venturi, Débora Duboc, nos contou no final da premiação que o filme foi exibido no Rio de Janeiro no dia da tragédia em uma escola pública do Realengo e causou muita comoção.

Outro filme que poderia ter recebido pelo menos uma menção honrosa é Carne, Osso, de Caio Cavechini e Carlos Juliano Barros, que revela a rotina desumana nos frigoríficos brasileiros. Com uma edição muito ágil e sobre um assunto quase desconhecido, o documentário dos jovens diretores foi a grande surpresa da mostra competitiva deste ano do É Tudo Verdade.

Outros premiados

– Melhor filme da competição de internacional de longas e médias metragens
Você não Gosta da Verdade – 4 Dias em Guantámano, de Luc Côté e Patricio Henriquez

– Menção honrosa
Cinema Komunisto, de Mila Turajlic

– Melhor filme da competição internacional de curtas-metragens
Fora do Alcance, de Jakub Stozek

– Menção honrosa
Viagem a Cabo Verde, de José Miguel Ribeiro

– Melhor filme da competição brasileira de curtas-metragens
A Poeira e o vento, de Marcos Pimentel

– Menção honrosa
Meia Hora com Darcy, de Roberto Berliner

O Prêmio de Aquisição Canal Brasil foi para o curta-metragem São Silvestre, da cineasta Lina Chamie, que ficou bastante surpresa, pois é a sua primeira incursão no mundo do documentário. Segundo ela, o projeto inicial era de um longa de ficção, mas não havia dinheiro suficiente para fazer. “Estou muito feliz com esse prêmio e acho que agora posso fazer o filme ficcional dessas histórias”, disse Lina.

O prêmio da ABD (Associação Brasileiras dos Documentaristas) foi para o curta Hoje tem Alegria, de Fabio Meira.

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