Movimentos sociais preveem disputa para regulamentar PEC do Trabalho Escravo

Nem a demora de 15 anos diminuiu o entusiasmo com que militantes reagiram à aprovação, ontem (27), da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Trabalho Escravo no Senado. Aprovado por unanimidade, o texto altera o artigo 243 da Constituição Federal – que já previa a expropriação de terras usadas para o plantio de plantas psicotrópicas -, autorizando o Estado a desapropriar também os imóveis urbanos e rurais onde for constatada a exploração de trabalho análogo à escravidão.

Para representantes de entidades ouvidas pelaAgência Brasil, a disputa agora se dará em torno da regulamentação da proposta, em que, entre outras coisas, será explicitado o que é trabalho escravo. “A proposta de emenda foi aprovada por unanimidade porque a bancada ruralista tem certeza de que, na sequência, conseguirá aprovar uma regulamentação que vai tornar a PEC inócua. O jogo é esse”, disse àAgência Brasil o coordenador da campanha contra o trabalho escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Frei Xavier Plassat.

Ontem, após a aprovação da PEC, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) afirmou que a regulamentação poderá ir à votação já na próxima semana. O senador é o relator do Projeto de Lei do Senado 432/13, que disciplina o processo de expropriação de terras, diferenciando o descumprimento da legislação trabalhista do que se entende por trabalho semelhante à escravidão. O projeto de regulamentação também prevê que a expropriação só seja autorizada depois que o proprietário da área tenha esgotado todos os recursos legais contra a sentença penal condenatória.

Presidente da organização não governamental Repórter Brasil, referência até mesmo para o Ministério do Trabalho quando se trata da coleta de informações sobre o trabalho escravo no país, o jornalista Leonardo Sakamoto classificou a aprovação da PEC do Trabalho Escravo como uma conquista histórica dos trabalhadores brasileiros. Sakamoto lembrou que, apesar da PEC 57 ter sido apresentada em 1999, uma primeira proposta semelhante já havia sido protocolada no Congresso em 1995.

“Essa é uma discussão antiga. Com a PEC, a questão [do trabalho escravo] vai ser disciplinada. A PEC servirá como um elemento de dissuasão, fazendo com que alguns empregadores pensem um pouco mais”, disse Sakamoto, que também espera uma nova disputa, dessa vez em torno da regulamentação da proposta.

“A regulamentação é necessária, pois é preciso deixar claro quando e como a terra onde for flagrada o trabalho escravo e tudo o que houver nela será confiscado e o que será feito desses bens. Mas haverá uma grande disputa”, disse Sakamoto, garantindo que não há consenso em torno do projeto relatado por Jucá. Para o jornalista, não restam dúvidas quanto ao conceito de trabalho escravo contemporâneo – que vai além dos casos em que o trabalhador sofre violência física direta.

“O projeto ignora alguns aspectos já previstos no Código Penal, que já deixa muito claro o que é trabalho escravo. Não há, portanto, qualquer dúvida quanto ao que seja trabalho escravo. Isso é uma discussão bizantina que acaba por perpetuar a insegurança jurídica. O certo é que ainda não há consenso, de forma que acho uma leviandade cravar um prazo para que a regulamentação seja aprovada”, acrescentou o jornalista, afirmando que representantes do governo já discutem uma proposta regulamentadora alternativa que tem o apoio das organizações da sociedade civil.

Coordenador do projeto de combate ao trabalho escravo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Luiz Antonio Machado disse que a aprovação da PEC reforça o compromisso do Brasil com a erradicação do trabalho escravo. “É mais um passo para chegarmos ao que queremos. Sobre a regulamentação, o que esperamos é que não haja retrocessos que afetem tudo o que já foi conquistado nos últimos 20 anos e que levou o país a se tornar uma referência no combate a esse mal”, disse Machado, destacando que a escravidão, hoje, não está associada apenas à restrição da liberdade de ir e vir, mas também a outros desrespeitos aos direitos básicos dos trabalhadores.

Em nota, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) informou que “em nenhuma hipótese aceitará que o conceito de ‘trabalho escravo’ seja alterado para beneficiar quem adota essa prática criminosa.”

Entre 1995 e o final de 2013, a Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho, resgatou 46.478 pessoas submetidas a condições semelhantes à escravidão. No mesmo período foram inspecionados 3.741 estabelecimentos em todo o Brasil, o que resultou em mais de 44 mil atos de infração lavrados no período.


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