Um caipira nas ruas

No início da década de 1950, época em que havia poucas estradas asfaltadas no Brasil, um piloto destacou-se no cenário automobilístico brasileiro ao dominar, como ninguém, “pistas” de terras vermelhas. Além de levantar muita poeira, Mario César de Camargo Filho também foi um dos craques brasileiros em vias pavimentadas nas ruas de cidades grandes e pequenas, de estradas sinuosas, como a Serra Velha de Santos, e das curvas do autódromo de Interlagos. O Caipira, como ficou conhecido no meio automobilístico por ter nascido em Ribeirão Claro (PR), obteve 19 vitórias na classificação geral em toda a sua carreira, sendo que 12 delas foram conquistadas em circuitos de rua. Até hoje, seu nome está fortemente ligado à marca DKW – das 70 corridas de que participou, 64 foram pilotando carros da marca.

Mas a aventura de Marinho pelo automobilismo começou em 1955 com um Studebaker emprestado de um de seus irmãos, que era proprietário de uma revenda de tratores e caminhões. Com ele, o Caipira iniciou sua participação nos rachas em Interlagos. A intimidade com o ronco dos motores cresceu e ele, então, comprou um Volkswagen 1200 e achou que estava preparado para enfrentar os rachas de rua. A partir daí, fez muitas amizades importantes, entre elas Jorge Lettry, então sócio de uma oficina especializada na marca alemã. As competições nas ruas deram a Marinho experiência para disputar provas oficiais mais seguras e, em 1957, estreou na I Subida da Serra Velha de Santos, terminando em 3o lugar na categoria turismo até 1,3 litro. Na mesma época nascia a indústria automobilística brasileira, e Marinho, com o incentivo do amigo Jorge Lettry, trocou o VW de tração traseira por um DKW de tração dianteira. Uma mudança importante, pois os dois possuíam características de estabilidade bem diferentes. Foi com seu DKW modelo F91 sedan que ele fez a sua primeira corrida nas pistas no Rio de Janeiro – na inauguração do circuito da Barra da Tijuca. Marinho acabou desclassificado pela falta do banco do passageiro – no modelo alemão havia dois bancos individuais dianteiros, mas no modelo nacional do piloto, havia apenas um inteiriço.
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Quando trocou o F91 pelo modelo F93, mais atualizado, Marinho decidiu instalar um motor preparado pelo seu amigo Sergio “Cabeleira” Gomes. Com ele, correu nas ruas de Poços de Caldas (MG) e participou na categoria Força Livre, contra possantes carreteiras que usavam motores Chevrolet e Ford de mais de 4,0 litros. Com sua vitória na classificação geral da prova, ele logo foi batizado de o “Rei da Rua”.

Na semana seguinte, o piloto enfrentou uma prova na Subida de Montanha na Serra Velha de Santos. Logo na primeira curva, o DKW do Marinho perdeu a correia do ventilador e mesmo com a temperatura subindo ele ficou apenas dois segundos atrás de um Porsche Spyder RSK de 1,5 litro e de uma Ferrari esporte de 2,0 litros, surpreendendo com o 3o lugar geral – e o 1o entre os carros de turismo.

O sucesso da parceria de Marinho com o DKW fez com que o fabricante preparasse três DKWs modelo F94 para as Mil Milhas Brasileiras em Interlagos. A estreia da equipe oficial aconteceu em 1959 e foi cercada de muita expectativa. Marinho fez dupla com Eduardo Scurrachio no principal carro da equipe. “Não acreditei quando assumi a dianteira com o pequeno e ruidoso DKW com motor de dois tempos logo na primeira volta”, emociona-se o piloto.

Em 1960, com seu DKW particular, todo nacional, Marinho venceu na categoria turismo 1,3 litro na Barra da Tijuca e proporcionou um belo duelo na inauguração de Brasília com outro DKW da Serva Ribeiro, completando a dobradinha na vitória de Eugenio Martins. No início de 1961, Marinho terminou em 2o lugar na categoria turismo em prova sul-americana no circuito de Interlagos e logo depois, pelo segundo ano consecutivo, venceu a corrida nas ruas de Piracicaba (SP), quando estreou os primeiros pneus radiais brasileiros. Nas 24 Horas, com o mesmo DKW, fez dupla com Luiz Antônio Greco e enfrentou alguns problemas que os impediram de vencer a prova. A decepção foi depois compensada pela vitória no Aterro da Glória, no Rio de Janeiro, onde, em um circuito improvisado com Luiz Greco, completou a dobradinha DKW.

Nas Mil Milhas Brasileiras, no final de 1961, Marinho e Bird Clemente lideraram a corrida por mais de cinco horas, mas, com problemas de distribuidor e bomba de gasolina, terminaram em 6o lugar. “Foi a melhor Mil Milhas que disputei”, lembra Marinho. De Interlagos, a equipe DKW foi para as ruas de Salvador, em uma corrida de curta duração, na qual Marinho não teve adversários. Foi uma vitória brilhante. Em 1962 a fábrica resolveu montar um departamento exclusivo de competições, antes vinculadas ao departamento de testes. Foi o ano de afirmação do DKW, pois o piloto conquistou mais três vitórias em corridas curtas em Interlagos e nas ruas de Petrópolis (RJ) e Araraquara (SP). Com o sucesso nas corridas, Marinho largou a área têxtil e montou, em sociedade com Milton Masteguim, a revenda MM (iniciais de Marinho e Milton) especializada em DKW.

Em 1963, a equipe DKW colocou dois carros para as 12 Horas de Interlagos com apenas três pilotos se revezando. O regulamento liberava – não impunha descanso obrigatório – e Marinho completou o trio com Bird Clemente e Flavio Del Mese. “Foi um sufoco, a gente saía de um carro e entrava em outro, mas foi fantástico. Vínhamos sempre entre os cinco primeiros colocados com nossos dois DKWs. O número 10 disputava a liderança quando na última volta perdi uma roda e me arrastei em três rodas até a chegada, enquanto que com o número 11 terminamos no pódio em 3o lugar”, lembra Marinho.

Apesar do sucesso, a equipe DKW Vemag estava com os dias contados com a venda da fábrica para a Volkswagen. A última corrida pela equipe oficial foi em Interlagos, com oito Malzones reunidos. A prova foi vencida por Marinho, que deixou para trás o Alpine da Willys. A última empreitada da equipe DKW foi o Carcará, um carro criado especificamente para tentar bater o recorde de velocidade em linha reta. A dupla Rino Malzone e Anísio Campos desenhou a máquina, confeccionada na fazenda do Rino, em Matão. Marinho fez todos os testes até o dia do recorde na BR 101 entre a Barra da Tijuca e o Recreio dos Bandeirantes. A polêmica estabilidade não satisfez e Marinho retornou para São Paulo.

Com o fim da equipe oficial, a Lumimari também foi desmembrada e Marinho passou a gerenciar sua nova oficina na Rua Tabapuã, no bairro do Itaim. A Vemag, que estava prestes a fechar, emprestou um Malzone para que Marinho e Eduardo Scurrachio disputassem as Mil Milhas – eles chegaram em 2o lugar. Atualmente, carros e corridas estão apenas nas lembranças de Marinho. Mas, ele deu um jeito de não abandonar o ramo que o consagrou. Aos 72 anos, ele gerencia um posto de gasolina em Ourinhos, cidade do interior paulista.


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