Aos 30 anos, Eduardo Bontempo alcançou uma posição que poucos brasileiros podem colocar no currículo. Recentemente, foi eleito um dos “10 Inovadores com menos de 35 anos”, lista promovida pela MIT Tecnology Review, publicação tradicional do Massachusetts Institute of Technology e que teve no Brasil sua primeira edição em 2014. Ao lado de Bontempo, outros nove jovens compõem o que a instituição chama de a primeira geração de inovadores do prêmio, que já selecionou nomes como Mark Zuckerberg, do Facebook e Sergey Brin, do Google.
Além de integrar a seleta lista, o paulistano recebeu uma menção honrosa: a de inovador do ano. E tal título reserva uma coincidência. Há aproximadamente quatro anos, Bontempo deixou de concluir um MBA no MIT para dar início ao projeto que o elevou como um brasileiro inovador. Ao lado do amigo e ex-colega de banco de investimentos, Claudio Sassaki, 40 anos, fundou a Geekie, uma plataforma de ensino adaptativo que tem sido vista como potencial transformadora de um campo ainda conservador.
Para Pedro Moneo, diretor da edição em português e espanhol da MIT Tecnology Review, o inovador do ano é um perfil que se destaca em cada edição por ser uma pessoa que está fazendo descobertas e avanços na fronteira da ciência e consegue converter este conhecimento em novas ferramentas e estratégias. “O ensino é um tema chave na sociedade. Neste sentido, Bontempo contribui com um projeto diferente que tem um potencial de impacto global muito alto”, argumenta Moneo.
Partindo do princípio que duas pessoas não aprendem da mesma forma, a Geekie utiliza algoritmos baseados em inteligência artificial, modelos matemáticos, como a Teoria da Resposta ao Item (TRI) e Modelos Gráficos Probabilísticos (MGP) e em fenômenos como o efeito de rede para detectar lacunas no aprendizado de estudantes desde o ensino fundamental, passando pelo médio, universidades e até empresas. Depois do diagnóstico, feito pela plataforma Geekie Teste, é possível oferecer planos de estudo personalizados a cada aluno por meio de outro produto, o Geekie Lab. São duas plataformas complementares que impactaram um número significativo desde seu lançamento, em 2012. Ao todo, foram 14 mil escolas atendidas, sendo 13 mil delas do ensino público, que corresponde a um total de 2.370.000 de alunos. Segundo estudo promovido pelo Geek Lab, os alunos que apresentavam maior dificuldade tiveram uma melhoria na nota três vezes maior que a média.
Conteúdo inovador
Outro indicador de que a startup está no caminho certo foi a certificação que recebeu do Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa (Inep) para desenvolver o projeto Geekie Games em uma missão especial, a de ajudar milhões de brasileiros a conseguir boas notas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em 2014. A plataforma, já utilizada no ano passado, agora oficialmente recebe a parceria do Ministério da Educação para oferecer diagnóstico e conteúdos especialmente voltados para a prova, além de um simulado.
A forma como o conteúdo é sugerido pela inteligência artificial da Geekie é também inovadora. Sua tecnologia consegue identificar em toda a Internet, textos, vídeos e Power points, adaptados às necessidades de cada aluno. Entre as principais parcerias de conteúdo que a Geek mais utiliza estão a Khan Academy, o Canal Futura e até professores que disponibilizam aulas no YouTube. “A gente não cobra pelo conteúdo, então qualquer aluno do Brasil pode acessá-lo de forma gratuita”, explica Bontempo. O que é cobrado é a tecnologia por trás do Geekie Teste e Geekie Lab, cuja venda é destinada às escolas e secretarias de educação. Outro fator importante que a ferramenta prevê é a evolução do desempenho do aluno. “O aprendizado é algo sequencial, então o plano de estudo vai se moldando à medida que o aluno evolui na plataforma”, completa. Bontempo também lembra que o professor desempenha um papel importante neste contexto. “Ele consegue acompanhar tudo que é feito, o que o seu aluno aprendeu ou não e a partir daí também recomendar conteúdos. O professor tem um processo muito ativo”, defende.
Educação: plano A
Aos 17 anos, quando entrou na Fundação Getúlio Vargas para estudar Administração de Empresas, Eduardo dava início a uma carreira que chegou a destacá-lo no mercado financeiro. Porém, decidiu mudar os rumos sem muita hesitação. “Eu não me via trabalhando 20, 30 anos neste mercado. Eu queria fazer algo que também me trouxesse satisfação pessoal”. Em 2010, Bontempo deixou o Brasil para se dedicar a um MBA, no Massachusetts Institute of Technology, em Boston, Estados Unidos. O sócio Claudio Sassaki, inclusive, foi quem o auxiliou no preparatório para se aplicar na universidade. “Eu fui para lá com um direcionamento. Eu não queria arrumar um emprego ou aprender mais sobre finanças. Eu queria pesquisar tecnologias que se aplicassem à educação. E neste processo, eu sempre dividia as novas descobertas com o Claudio. Sempre tivemos esta vontade de criar um projeto em conjunto”, lembra. Ao sair de férias do MBA para voltar ao Brasil, Bontempo não teve dúvidas. “Nós dois queríamos montar uma estrutura para validar toda a pesquisa que tínhamos feito. Queríamos ver se fazia sentido”.
A ideia fez tanto sentido que, durante um ano, todo o investimento que a Geekie recebeu foi de capital próprio. “A Geekie sempre foi o plano A e não existia nenhum outro caminho. Não foi algo simples, mas foi feito com muita convicção”, argumenta. Após o primeiro ano, a ferramenta conseguiu seus primeiros investidores. Hoje, o escritório da Geekie conta com cerca de 70 funcionários e 13 sócios.
Com o sucesso da plataforma, também veio o interesse de grandes empresas em adquirir a startup. Bontempo nega que passará o projeto para frente, pois a motivação de desenvolvê-la integra um sonho de muitas pessoas. “Não construímos a Geek para fins financeiros. É um negócio no qual acreditamos. Se fosse somente para ganhar dinheiro, provavelmente a vida no banco seria mais fácil. Já recebemos propostas de grandes empresas, mas é um sonho nosso, o de uma equipe inteira”, defende Bontempo que prevê a evolução da tecnologia para também exportar para outros países.
Revolucionar a educação encontra grandes desafios, entre eles o tecnológico e até mesmo o humano. Da tecnologia, os obstáculos em desenvolver algoritmos ainda inexistentes. Do humano, aprofundar e capilarizar a pesquisa que se dedica a entender o comportamento de como as pessoas aprendem. “Temos um longo caminho para percorrer”, prevê Bontempo. Soma-se a isso à mudança em um padrão de ensino, que o ex-aluno do MIT vê como esgotado nos dias de hoje. “Já existe muita pesquisa sobre qual seria o caminho da educação. Muita gente defende a teoria da sala invertida, onde o aluno estuda através de uma plataforma online à distância. Quando ele chega à sala de aula, ele não chega para aprender, mas sim discutir aquele conteúdo que viu anteriormente. O professor se tornar então um mediador, um tutor”, explica. Para Bontempo, um dos objetivos da Geekie é se inserir neste contexto: “É um desafio muito grande conseguir mudar este modelo tradicional, mas ele precisa evoluir. E parte do nosso trabalho é conseguir dar ferramentas e suporte para o professor se preparar para esta evolução”.
Deixe um comentário