“The Good, the Bad and the Ugly”. O Bom. O Mau. O Feio. Três personagens não tão diferentes em temperamento e caráter que o diretor italiano Sergio Leone criou para embaralhar a cabeça do público. E para compor uma de suas obras-primas, que em português virou “Três Homens em Conflito”, de 1966 – terceiro filme da trilogia de westerns-spaghetti do cultuado cineasta, depois de “Por um Punhado de Dólares” e “Por uns Dólares a mais”. Nascido no bairro do Brooklyn, Nova York, em 1915, e filho único de imigrantes judeus polacos, Ely Wallach fez o “feio” do filme. Curiosamente tinha cara de mexicano. Ou era tão brilhante que convenceu a todos de tal semelhança? Seu papel no filme era de pouco confiável, traiçoeiro, um meio termo entre os dois extremos do bom e do mau. Talvez ele não tenha se dado conta que fez um dos personagens mais interessantes e cativantes do cinema, em um claro esforço de Leone para romper com os estereótipos do mocinho e do bandido no cinema.
O bonitão Clint Eastwood não era tão mocinho assim. E o mau Lee Van Cliff meio abobalhado. Eles se cruzam em diferentes momentos e, conduzidos por preceitos mínimos de ética, fazem sua própria lei no velho oeste americano. Só por este papel, Wallach merecia entrar na galeria dos grandes filmes de bangue-bangue. Mas fez bem mais. Era tão bom ator que seria lembrado quase sempre como grande vilão. Dois deles em filmes dentre os mais icônicos da década de 1960: “Sete Homens e Um Destino” (1960), de John Sturges; e “Três Homens em Conflito”. “Parece que tenho uma vida dupla”, disse Wallach, certa vez. “No teatro, sou o homenzinho, ou o homem irritado, ou o homem incompreendido. No cinema, passo a vida sendo escolhido para os papéis de mau”, disse ele, que morreu na terça-feira, aos 98 anos de idade.
Wallach era considerado um dos últimos grandes nomes ainda vivos da “primeira turma” da lendária escola de representação nova-iorquina do Actors Studio, fundada em 1947 e gerida a partir de 1951 por Lee Strasberg. A instituição revolucionou o cinema e o teatro americanos no período do pós 2ª Guerra Mundial e gerou nomes como Marlon Brando, Paul Newman, Montgomery Clift e Sidney Lumet. Wallach Trabalhou até os 90 anos, quando fez “O Escritor Fantasma”, de Roman Polanski e “Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme”, de Oliver Stone, em 2010. Do teatro, onde, de fato, construiu sua carreira, retirou-se de vez em 1997. Trabalhou incontáveis vezes com sua mulher, a atriz Anne Jackson, que conheceu nos palcos em 1946 – eles se casaram dois anos depois. Entre os muitos autores que representou, destacaram-se Tennessee Williams (venceu o Tony por “A Rosa Tatuada”, em 1951), Jean Anouilh, Eugène Ionesco e Tom Stoppard.
No cinema, uma das primeiras aparições mais marcantes foi o momento em que dança com Marilyn em “Os Desajustados” (1961), de John Huston. O longa foi escrito pelo dramaturgo Arthur Miller e tinha no elenco Clark Gable, Marilyn Monroe e Montgomery Clift. Estreou na tela grande em “Baby Doll” (1956), adaptação de Tennessee Williams, com direção de Elia Kazan. Wallach participou também de inúmeras séries televisivas – como “Cidade Nua”, “Batman” (interpretou o vilão Mr. Freeze) e, mais recentemente, “Nurse Jackie”.
Mesmo com o reconhecimento que teve, Eli Wallach nunca foi indicado ao Oscar. Mas a Academia das Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood reconheceu a sua carreira em 2010, com o Oscar honorário pela “desenvoltura inata com que interpretou uma variedade de personagens, ao mesmo tempo que deixou uma marca inimitável em cada papel”. Chamou-lhe de “um camaleão por excelência”, principalmente por causa da extensa experiência teatral. Wallach disse em uma entrevista de 1973 para o “The New York Times” que, para um ator de composição como ele, “o cinema era apenas um meio para chegar a um fim”. Observou ainda: “Vou montar a cavalo para a Espanha (onde filmou “Os Desajustados”) durante dez semanas e regresso com uma almofada financeira suficiente para poder montar uma peça.”
Para muitos críticos, faltou ao ator “aquele” papel que o projetasse para uma carreira de primeira grandeza nas telas do cinema. As pessoas mais próximas, no entanto, diriam que se ele de fato quisesse isso teria conquistado. E até chegou perto disso, algumas vezes. Conta-se que ele foi a primeira escolha do diretor Fred Zinnemann para um papel em “A um Passo da Eternidade” (1953), mas preferiu aceitar o convite para uma nova peça de Tennessee Williams encenada por Elia Kazan, “Camino Real”. Em seu lugar entrou Frank Sinatra, que ganhou o Oscar de melhor ator coadjuvante. Continuou a aparecer de modo marcante, em pequenos papéis, como no “O Poderoso Chefão III” (1990), de Francis Ford Copolla.
A passagem de Wallach pelo cinema foi mesmo emblemática. Em todo filme, alguém precisa fazer a parte mais difícil. E ele cumpria sempre com tanta competência seus vilões que se tornou mais inesquecível que os heróis bonzinhos e muitas vezes tão chatos. Algo normal para quem é grande ator.
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