O centenário de Nelson Cavaquinho, poeta, músico e boêmio da Mangueira, aconteceu dia 29 de outubro. As comemorações em São Paulo, no entanto, começam em novembro, no Centro Cultural São Paulo e, no final do mês, no SESC Pompeia. Nelson, que de Cavaquinho só tinha o apelido, já que seu instrumento era o violão, foi, ao lado de Cartola, um dos principais sambistas do Brasil. Luz Negra, Folhas Secas e Juízo Final são algumas das suas principais composições. São todos sambas carregados de melancolia e tristeza, feitos por um homem que não sabia ler partituras, mas que nasceu sabendo música.
Confira abaixo uma entrevista de Sérgio Cabral com Nelson Cavaquinho, publicada no aniversário de um ano do principal disco da carreira do músico, produzido pela Odeon, em 1973. Veja também o documentário – recuperado pela Cinemateca de São Paulo – filmado por Leon Hirszman, expoente do Cinema Novo, em 1969. E, é claro, não se esqueça de conferir a programação do CCSP e do SESC Pompeia.
CCSP
Uma Flor para Nelson Cavaquinho
4 de outubro
Angela Roro e Cida Moreira, às 19h
5 de outubro
Zezé Motta e Filipe Catto, às 19h
6 de outubro
Tereza Cristina, Graça Braga e Verônica Ferriani, às 18h
SERVIÇO
Entrada Franca
Rua Vergueiro, 1000
3397-4002
SESC Pompeia
Feliz Daquele Que Sabe Sofrer
De 25 a 27 de novembro, com Ná Ozzetti, Arrigo Barnabé e Renato Braz. Sexta e sábado às 21h, domingo às 19h.
SERVIÇO
De 5 a 20 reais
Rua Clélia, 93
3871-7700
Entrevista publicada no disco de 1973
Sérgio Cabral – Nelson, você tem certos parceiros que são “quentes” e outros não. Com quem você gosta de fazer música?
Nelson Cavaquinho – Eu comecei fazendo música sozinho. Naquele tempo, havia os cobras, a turma do Café Nice, o Wilson Batista, aquele pessoal. Um dos meus primeiros parceiros foi Evaldo Rui, que fez comigo Aquele Bilhetinho.
Sérgio – Mas o nome dele não aparece no samba. Aparecem outros.
Nelson Cavaquinho – Mas ele fez a letra. Tivemos um encontro na casa da Eliseth Cardoso e ficamos amigos. Ele fez depois uma outra letra pra melodia minha. Foi um dos melhores letristas que conheci. Agora, meu parceiro mesmo é o Guilherme de Brito, meu grande amigo, e está neste disco cantando comigo pela primeira vez.
Sérgio – Como foi que vocês dois se conheceram?
Nelson Cavaquinho – Eu estava sempre em Ramos. Naquele tempo, eu não estava bem. Eu tinha me casado e o casamento ia mal. Bem que meus pais me avisaram: “Nelson, ainda é muito cedo pra você se casar”. Minha casa não tinha nada. Nem sabonete pra tomar banho. Puxa, estou mudando de assunto. Naquele tempo, eu estava tocando violão num botequim perto do Parasitas de Ramos. Começamos a fazer música e continuamos até hoje. Ficamos amigos também. Às vezes, eu chegava de ressaca na casa do Guilherme e a família dele botava uma esteira para eu dormir.
Sérgio – Nesse disco, você grava pela primeira vez tocando cavaquinho. Há quanto tempo você não tocava esse instrumento que, afinal, lhe deu um outro sobrenome?
Nelson Cavaquinho – Comecei tocando cavaquinho na Gávea. Os meus primeiros cachês de cinco mil réis foram ganhos com cavaquinho, em uns shows arranjados pelo Ricardo, que já morreu – Deus o tenha no Reino da Glória. Havia uma turma que fazia choro pra derrubar, mas eu fiz um que derrubei todo mundo. Aí, eles passaram a acreditar mais em mim. Há pouco tempo, chegou um camarada no Teatro Opinião e falou assim: “Ô Nelson, eu não vim aqui para ver você tocar violão, eu quero é ver você tocar cavaquinho”. O cara estava de pileque, estava cheio de alpiste, de maneira que queria porque queria me ver tocando cavaquinho. E eu falava: “Rapaz, eu não toco mais isso”. Quase acabaram botando o cara para fora do teatro.
Sérgio – Mas você acabou gravando com cavaquinho.
Nelson Cavaquinho – Pois é, o cara perguntava: “Você não é o Nelson Cavaquinho? Tem que tocar cavaquinho”. Por causa disso, acabei tocando neste disco um choro meu chamado Caminhando.
Sérgio – E como é que você se sentiu tocando cavaquinho?
Nelson Cavaquinho – Eu me senti bem. O Dino do violão falou assim para mim: “Nelson, sola o choro para eu aprender”. Eu toquei e o Dino entrou direitinho com o violão. E fui em frente. Porque pobre não vai só em frente quando a polícia corre atrás, não. Fui em frente mesmo.
Sérgio – Você compôs este choro com cavaquinho ou com violão?
Nelson Cavaquinho – Olha, Sérgio, eu nunca fiz uma música pegando instrumento, sabe? As minhas melhores músicas, como Notícia, foram feitas no botequim. Às vezes, eu sonho que estou fazendo uma música bonita, mas quando acordo não me lembro mais de nada. Agora, alguns amigos vão me dar um gravador de presente no dia do meu aniversário, 28 de outubro. Vai ficar mais fácil. Gravo a melodia, depois ponho a letra.
Sérgio – Você vai fazer 62 anos, não é?
Nelson Cavaquinho – Não, 63.
Sérgio – Que isso, Nelson? 62 anos.
Nelson Cavaquinho – É 63 mesmo.
Sérgio – Em que ano você nasceu?
Nelson Cavaquinho – Em 1911.
Sérgio – Então, 62 anos.
Nelson Cavaquinho – Que bom, rapaz, ganhei mais um ano de vida. Meu velho morreu com 72 anos. Não sei se chegarei lá ou não. Eu espero chegar lá, se Deus quiser.
Sérgio – Mas como é que você faz para se lembrar da melodia, quando você compõe no bar, por exemplo, já meio de pileque?
Nelson Cavaquinho – Quando eu gosto mesmo, não me esqueço. Às vezes, faço um acorde no violão e penso assim: “Por este acorde vou me lembrar amanhã da melodia”.
Sérgio – Esse disco está muito bom, inclusive por que você aparece tocando violão em quase todas as músicas.
Nelson Cavaquinho – É, o Pelão fez questão que eu tocasse violão também. A minha voz você sabe, é rouca mesmo. Mas o… como é mesmo o nome daquele homem lá da América do Norte? Ah, o Armstrong ele também era rouco. Há pessoas que gostam mais da minha voz do que a de muitos cantores por aí. Não sei porque, acho que é porque eu sinto. Há cantores que mataram a minha música. Eu tenho sentimento quando eu canto.
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