A insegurança mundial após queda do avião da Malaysia Airlines

Presidente Vladimir Putin faz um minuto de silêncio após acidente na Ucrânia. Rússia ainda não respondeu acusações do governo ucraniano e dos EUA. Foto: Russian Presidential Press and Information Office
Presidente Vladimir Putin faz um minuto de silêncio após acidente na Ucrânia. Rússia ainda não respondeu acusações do governo ucraniano e dos EUA. Foto: Russian Presidential Press and Information Office

Não foi apenas pelas 298 vítimas da queda de um avião civil – o Boeing 777 da Malaysia Airlines, nesta quinta-feira (17), no leste da Ucrânia – que o mundo ficou chocado nestes últimos dias. A crise entre separatistas ucranianos com o governo local e a consequente tensão com a Rússia e até os Estados Unidos alertaram a comunidade internacional para um conflito que existe desde o início do ano e, ao contrário do que chegou a se supor, continua se agravando. Na sexta (18), o presidente estadunidense, Barack Obama, criticou a ausência dos russos na mediação dos rebeldes e acusou, inclusive, de apoiá-los. O governo da Ucrânia também aponta julgamentos para a Rússia, que ainda não respondeu as acusações de financiar os grupos que jogaram o míssil na aeronave. “É um cenário de insegurança na comunidade internacional e isso mostra como temos fracassado nas tentativas de alcançar a paz neste princípio de Século XXI”, afirma o professor de política internacional, Leandro Consentino, do Insper e da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP). Leia abaixo a entrevista:

Brasileiros – Qual é a real influência da Rússia entre os rebeldes ucranianos?
Leandro: Até agora o que a gente viu são acusações de uma fonte só, os Estados Unidos, de que a Rússia tem total influência sobre os rebeldes ucranianos. Mas não temos a resposta do outro lado, porque o Vladimir Putin ainda não se pronunciou. Então, só estamos ouvindo os Estados Unidos por enquanto. No entanto, com o desenrolar dos recentes acontecimentos, a gente vê que a Rússia apostou em uma ascendência sobre os rebeldes na Ucrânia justamente para garantir um determinado domínio sobre a região. É possível ver isto no fato de a Rússia estar buscando apoiadores nestes habitantes do leste ucraniano. Eles querem evitar que os olhos da Ucrânia se voltem para a Europa, porque pretendem permanecer dominantes na região. Agora, afirmar com convicção que foi a Rússia quem forneceu as armas e controla as forças separatistas que derrubaram o avião é prematuro.

Brasileiros – De que forma este acidente com o avião altera o ambiente da tensão entre Ucrânia e Rússia?
Leandro: Piora significativamente. Se olharmos nos últimos meses, a temperatura ficou mais alta quando da anexação da Crimeia e dos acontecimentos em cidades como Donetsk, e aquilo vinha aumentando bastante até a reunião em que EUA e Rússia se sentaram, em Genebra, na Suíça, e mesmo com as sanções econômicas, caminharam para um controle de forças sobre o conflito. A queda desse avião coloca novamente a temperatura em alta da mesma forma de quando os russos anexaram a Crimeia. A reação forte dos EUA colocando a queda da aeronave na conta da Rússia, por exemplo, aumenta de novo a tensão para um nível preocupante. Temos que aguardar a resposta da Rússia e ver como o Putin vai absorver isso.

Brasileiros – E o Putin tem sido duro em suas reações ultimamente.
Leandro: É, partindo do pressuposto de que a Rússia tem influência sobre os rebeldes, é difícil afirmar como eles vão reagir. Eu acho que vão responder duramente, porque a Rússia não pode dar a entender que financia grupos rebeldes. Por outro lado, é possível que peçam desculpas pela queda do avião. Enfim, esperamos algo dúbio: um rechaço forte de que apoia separatistas ucranianos, mas também pedidos formais de desculpas, até mesmo para o governo da Malásia, caso se comprove o envolvimento russo.

Brasileiros – E como fica a Rússia agora, já que hoje (sexta-feira) o país foi acusado pelos EUA e pela própria Ucrânia de não mediar a situação?
Leandro: A imagem da Rússia sofre um grande abalo diante do que ela já vinha sofrendo. Se a gente olhar para o que está acontecendo desde o início do ano, com os russos rompendo com o direito internacional e anexando a Crimeia, por exemplo, fato que gerou bastante desconfiança na comunidade internacional, a Rússia fica com a imagem abalada. Se colocar um ingrediente mais aí, de que ali é uma área de influência do Ocidente, também percebe-se essa imagem, além de que está trazendo de novo para o mundo o vocábulo “terrorismo”, que sabemos que já rendeu bastantes complicações. Esse caldo de ingredientes é muito danoso perante o cenário internacional, pois ela mostra que a Rússia não está seguindo o direito internacional. Apesar de que alguns analistas vão apontar que os Estados Unidos não são o melhor exemplo de respeito na conduta dos direitos internacionais, vide o Iraque, mas um erro não justifica o outro.

Brasileiros – A relação entre Estados Unidos e Rússia fica abalada também?
Leandro: Sim, fica mais abalada, mas sem possibilidade de uma escalada de força. Sabemos que desde a Guerra Fria esta relação é conflituosa, mas não parte para o conflito armado, até porque os dois têm armas nucleares, por exemplo, e um conflito desse porte poderia acabar com o mundo. Ainda que essa relação piore, passando por sanções econômicas, políticas, é bem difícil chegar ao uso da força. 

Brasileiros – Então falar de outra Guerra fria ainda é loucura?
Leandro: Eu acho que sim, porque na Guerra Fria existiam outros ingredientes mais pesados para que acontecesse um conflito silencioso: ameaças de dominações políticas, econômicas, ideológicas, e hoje a Rússia joga o jogo do capitalismo ocidental, ainda que tenha suas nuances. 

Brasileiros – Em geral, até que ponto é possível dizer que o mundo começa a ficar ameaçado por algum conflito maior?
Leandro: Certamente temos que olhar com cuidado, porque na verdade são duas ameaças bastante danosas para a paz mundial: o risco de um conflito tradicional, ou seja, guerra, e a ascendência do terrorismo novamente, com as questão sobre até onde isso vai, quem são as fontes de financiamento, quem são as potências ameaçadas. E aí entra uma questão ainda mais grave: esses grupos terroristas não estão identificados com territórios, ou seja, você até pode dizer que a Rússia financia e apoia, mas não que foi a Rússia que derrubou o avião. Chegou num ponto em que pouco se sabe sobre os terroristas, inclusive o objetivo. No caso da aeronave da Malaysia Airlines, eles abateram supostamente pensando que eram um avião do exército da Ucrânia. Então chegou num ponto em que colocamos o mundo em alerta, sem saber quem vai atacar, porque vai atacar e quando eles podem atacar, sem definir o alvo a priori. É um cenário de insegurança na comunidade internacional e isso mostra como temos fracassado nas tentativas de alcançar a paz neste princípio de Século XXI. 


Comentários

3 respostas para “A insegurança mundial após queda do avião da Malaysia Airlines”

  1. Avatar de NINGUÉM MENCIONA A OTAN (NATO) ,GIR COVARDEMENTE, COMO FEZ NA IUGOSLÁVIA. QUAL O PAÍS QUE SE RESPONSABILIZA QUANDO A OTAN BOMBARDEIA
    NINGUÉM MENCIONA A OTAN (NATO) ,GIR COVARDEMENTE, COMO FEZ NA IUGOSLÁVIA. QUAL O PAÍS QUE SE RESPONSABILIZA QUANDO A OTAN BOMBARDEIA

    NINGUÉM MENCIONA OTAN (NATO), QUE HAJE COVARDEMENTE BOMBARDEANDO PAÍSES, COMO NA IUGOSLÁVIA EM 1999 ETC. E NENHUM PAÍS SE RESPONSABILIZA
    E HOJE ESTÁ DENTRO DE KIEV..

  2. Nenhuma palavra sobre o golpe de estado fascista na Ucrânia, com nazistas no comando. E falar em separatistas pró-russos é bastante pejorativo, na medida em que são militantes contra o golpe de Estado. A Rússia não “anexou” a Criméia, o povo de lá é que escolheu que lado ficar, e não quis ficar com os nazistas golpistas. Comunidade internacional? Qual? Rebeldes? Contra o quê? Terroristas? Esses são os golpistas da Ucrânia, e não o contrário. Que linguagem parcial e tergiversante.

  3. Avatar de Helga Hoffmann
    Helga Hoffmann

    Muito sensata e informada a entrevista de Leandro Consentino.

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