Quem conta a história é o crítico e biógrafo carioca Sérgio Cabral pai. Como queria estar sempre perto do maestro e compositor Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha (1897-1973), e não era muito chegado a bebidas, o locutor e cantor Henrique Foréis Domingues (1908-1980), o Almirante, considerado o maior nome do rádio brasileiro de seu tempo, inventou um jeito criativo para manifestar o seu amor ao colega: fez dele a atração principal do programa radiofônico semanal O Pessoal da Velha Guarda, apresentado entre 1947 e 1952, na Rádio Tupi, do Rio de Janeiro.
Em um dos programas, para ressaltar essa admiração, o apresentador introduz assim a execução da polca Vou Andando: “Pixinguinha, ouvintes, o mais brasileiro dos músicos brasileiros, um dos raríssimos instrumentadores que conservam pureza e brasilidade em seus trabalhos, é autor de números em que não sabemos o que mais admirar, se a força da inspiração melódica, se a graça da trama instrumental. Os ouvintes da Velha Guardanãoficam indiferentes a essas qualidades, tanto que nos pedem sempre músicas do velho Pixinga”.
“Velha Guarda” foi o termo que Almirante cunhou para homenagear os grandes compositores brasileiros da primeira metade do século 20, que alimentaram a indústria do disco e o rádio a partir da década de 1920. A atração poderia permanecer nos labirintos da história da MPB ou apenas nas biografias do radialista e do maestro, não fosse o lançamento de Pixinguinha Outras Pautas, uma luxuosa caixa do Instituto Moreira Salles, guardião do acervo Pixinguinha, em parceria com as Edições SESC-SP e a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. A obra é forte candidata a um dos projetos editoriais mais interessantes, ousados e louváveis de 2014. Soma-se a isso seu incomensurável valor histórico. Ao abri-la, depara-se com 44 livretos que apresentam, individualmente, os arranjos concebidos por Pixinguinha para a atração de Almirante.
Se não bastasse, a caixa vem acompanhada de outra menor, O Carnaval de Pixinguinha, que reúne 25 arranjos feitos por ele na década de 1950 e reunidos parcialmente nos discos Carnaval da Velha Guarda (1955) e Assim é que é… (1957). Ao todo, as 69 composições foram reconstituídas e cuidadosamente revisadas pelos pesquisadores Bia Paes Leme, Marcílio Lopes, Paulo Aragão e Pedro Aragão. Segundo eles, os arranjos revelam preciosidades musicais e confirmam a importância inegável de Pixinguinha na música popular brasileira, enfatizando o seu pleno domínio da escrita orquestral popular.
Com esses dois volumes, o IMS dá continuidade à série iniciada em 2010 com Pixinguinha na Pauta, que compilou 36 arranjos também para o programa O Pessoal da Velha Guarda. Bia Paes Leme explica que não se sabe como essas gravações sobreviveram por mais de seis décadas, até os dias de hoje. Do lote, 32 gravações do programa foram encontradas no acervo particular de Jacob do Bandolim (1918-1969), formado por mais de 200 fitas de rolo que ele deixou gravadas e a família doou ao Museu da Imagem e do Som (MIS), do Rio de Janeiro.
A opção por publicar os arranjos, acrescenta Bia Paes Leme, pode representar um valioso complemento às partituras, de modo a lançar luz sobre questões que elas, sozinhas, não esclarecem. “Sabemos que essa é apenas mais uma etapa cumprida, pois o acervo Pixinguinha nos reserva ainda outras surpresas”, ressalta. Na caixa principal, um dos destaques é, sem dúvida, o arranjo de Carinhoso. Bia conta que a inclusão se deu não só pela relevância dessa música para a obra de Pixinguinha, mas, também, por apresentar características únicas, sendo definido pelo próprio autor, na folha de guarda dos manuscritos, como “arranjo sinfônico”.
No site do IMS (www.ims.com.br) podem ser ouvidas todas as gravações disponíveis da Orquestra do Pessoal da Velha Guarda: as dos 36 arranjos lançados há quatro anos e as 32 inéditas do acervo de Jacob do Bandolim, incluídos nesse volume Pixinguinha – Outras Pautas. I
Pixinguinha – Outras Pautas
Em 2 Volumes, com 69 livretos. Editoras SESC-SP, IMS e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
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