Um encontro de gente grande

A cantora Mônica Salmaso/ Foto: Filipe Redondo
A cantora Mônica Salmaso/ Foto: Filipe Redondo

Ela tem 43 anos de idade e 25 de carreira. É dona de uma voz singular, de técnica apurada, que canta o Brasil com sensibilidade e matizes sutis, na defesa de repertórios que constroem um rico mosaico cultural. Mônica Salmaso lança seu oitavo álbum de carreira, Corpo de Baile, que reúne composições exclusivas, nascidas da parceria entre o compositor Guinga, exímio violonista, e o poeta Paulo César Pinheiro, um dos grandes letristas do País. Um encontro de gente grande. Em seu trabalho anterior, Alma Lírica Brasileira (2012), Mônica interpretou Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Adoniran Barbosa, Villa-Lobos, entre outros. Paulistana, ela é casada com o músico Teco Cardoso e mãe de Théo, 7. A seguir, ela fala sobre do novo CD.

Brasileiros – Quais são suas motivações para o novo disco?
Mônica Salmaso – Este disco é muito importante para mim. É um projeto que quero fazer há uns dez anos. Tenho muita afinidade com um tipo de composição, de canção, que encontrei na parceria do Guinga com o Paulo César Pinheiro. E eu me apaixonei… Para mim, é um banquete de notas, de harmonia, de palavras, tudo. É um trabalho que tem muita delicadeza, são músicas difíceis de cantar, sobretudo nesse momento complexo do mundo. As pessoas estão dispersas em outras coisas, não é? Para mim, é um presente e acredito que seja também para quem gosta de música como eu.

Guinga já disse que você é uma das pessoas que mais compreendem a obra dele. Procede?
Tenho muita identidade com Guinga, que é um cara com um conhecimento da história da música brasileira muito impressionante. E acho que tenho a mesma adoração que ele pela canção. Quando essas identidades se encontram, é um negócio sério. Eu me sinto pronta para registrar esse encontro. Acho que Tom e Vinicius tiveram um encontro assim, João Bosco e o Aldir Blanc também. Essa parceria do Guinga com Paulo César Pinheiro é um casamento musical afinado.

Seu primeiro trabalho profissional como cantora foi na peça O Concílio do Amor, dirigida por Gabriel Villela, em 1989. Esse trabalho a influencia até hoje, no sentido de escolher músicas que contam histórias de vida?
Foi uma experiência bonita começar a trabalhar com música sem ser o centro, ter um papel no meio de um todo. O negócio das histórias é que sou apaixonada mesmo, e a canção brasileira tem muito disso, de contar história. Em qualquer cidade menor do que São Paulo, onde vivo e é doida, as pessoas se encontram e contam histórias, dão risada… A canção brasileira é um reflexo do jeito brasileiro profundo de ser, e isso me interessa. Acabo naturalmente escolhendo músicas que falam de gente, contam histórias ou têm uma coisa introspectiva, mas é sempre gente, um trabalho que é também meio de crônica.

É verdade que, antes de descobrir a música, você pensou em ser jornalista?
Eu tinha 18 anos e nessa hora é aquela coisa horrorosa ter de decidir o que fazer para o resto da vida. A escolha por jornalismo era um jeito interessante de me comunicar com as pessoas. Mas comecei a descobrir que dava para ser cantora sem estar na TV, que cantar é um trabalho, um ofício.

E como é ser cantora sem estar sempre na TV?
Nesses anos todos, plantei minhas sementinhas e elas floresceram. Tenho um público que foi se formando e é sólido. Meu trabalho acontece por causa desse público e das relações de trabalho com os produtores locais, com os teatros… Isso criou uma situação que me mantém e continuo fazendo o meu trabalho. Outro dia, o João Bosco… Foi a coisa mais linda… A gente foi fazer um show juntos, eu sou muito fã dele. Aí, ele falou: “Puxa, você, o Teco (Cardoso) e o Nelson (Aires) seguram uma situação que poucos seguram”. Então, acredito que a gente vai fazendo escolhas e as próprias escolhas criam outras. Não me vejo vivendo um momento de celebridade, não combino. Vivo do que faço, então tudo bem.

Como você vê o nosso País hoje?
A gente se desvaloriza a olhos vistos, e isso é muito chato. A gente fez uma turnê pelos CEUs de São Paulo, que têm unidade de cultura em lugares com uma situação muito precária. E eu tinha uma certeza: cantar Villa-Lobos para aquelas pessoas. E tive experiências lindas, de cantar coisas que estavam muito distantes do que as pessoas ouviam e realmente elas foram tocadas pela música. Fiquei impressionada em alguns lugares ao saber que as pessoas não conhecem mais samba, elas tocam um negócio de batidão, funk não sei o quê, mas samba, células rítmicas de samba… Acho isso um absurdo, apavorante. Você vai a qualquer lugar do mundo, Europa, EUA, Japão, começa a tocar música brasileira e imediatamente leva para as pessoas um quentinho, uma coisa que é nossa, do caipira do interior, do cara do Nordeste, do malandro do Rio, do cara do Sul, é do Brasil e isso é uma potência de cultura. E se essa cultura é destratada acaba matando a identidade das pessoas, o que elas têm de mais rico. Isso, para mim, é um crime. 


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