É só uma questão de se acostumar com a singularidade dos filmes para se apaixonar perdidamente pela obra do cineasta japonês Yasujiro Ozu (1903-1963), um dos gênios da sétima arte em todo o mundo. Pense, por exemplo, em uma história que apenas conta o dia a dia na relação fraterna entre um pai e uma filha, que se respeitam mutuamente e colocam a relação familiar acima de qualquer coisa, entre outros valores, como respeito aos mais velhos, tão fora de moda hoje. Nesta, como na maioria de suas histórias, não há clímax ou elementos como violência, traição. Por outro lado, tudo é movido por puro lirismo, amizade e compaixão, a partir de tramas bem amarradas, fotografia irretocável, grandes interpretações e direção de mestre. Ao lado de Akira Kurosawa (1910-1998) e Kenji Mizoguchi (1898-1956), Ozu forma a santíssima trindade do cinema japonês.
Daí a importância do resgate que a distribuidora Versátil Homevideo está fazendo de sua obra para os cinéfilos brasileiros. No ano passado, saiu a caixa “Cinema de Ozu Volume 1”, com seis filmes. Agora, sai “Cinema de Ozu Volume 2”. A terceira e última está prevista para o segundo semestre do ano que vem – no momento, a distribuidora negocia os direitos com os detentores dos direitos no Japão. Da caixa 1 faz parte a obra-prima “Era uma vez em Tóquio” (Tokyo Monogatari, 1953), que tinha sido lançada antes em qualidade inferior de som e imagem pela distribuidora Continental. A cópia que sai agora é a versão recentemente restaurada que permanecia inédita no Brasil e foi exibida em edições recentes de festivais de cinema importante pelo mundo. “Também Fomos Felizes” (Bakushu, 1951), “Era Uma Vez um Pai” (Chihi Ariki, 1942), “Crepúsculo em Tóquio” (Tokyo Boshoku, 1957) e “Filho Único” (Hitori Musuko, 1936) são totalmente inéditos no Brasil em DVD.
O volume 2 traz seis longas, quatro deles nunca lançados em homevideo no país: “Começo de Primavera” (Soshun, 1956), “Fim de Verão” (Kohayagawa-ke no aki, 1961), “Flor do Equinócio” (Higanbana, 1958) e “Uma Galinha no Vento” (Kaze no naka no mendori, 1948). “Pai e Filha” (Banshun, 1949) saiu há alguns anos pela Lume, só que em cópia antiga e não restaurada, com som original prejudicado. Agora, o mesmo filme é relançado com a versão recentemente restaurada. “Ervas Flutuantes” (Ukigusa, 1959), um de seus filmes mais celebrados, tinha saído em cópia de baixa qualidade pela Continental e agora chega pela primeira vez no Brasil a versão recentemente restaurada no Japão.
Todos esses filmes trazem a marca de um diretor que não prega exatamente a preservação das tradições de seu país, mas valores éticos e morais que são plantados no seio da família há milhares de anos e são a base da cultura militar japonesa. Esse olhar sensível para olhar à sua volta transformou Ozu em um gênio singular na arte de fazer filmes que não chegam a ser educativos e trazem um tanto de drama psicológico e existencialista. Tudo feito, ao que parece, de modo intuitivo, a partir da percepção do dia a dia. Enquanto seus contemporâneos exploravam os filmes de ação – Akira Kurosawa faria o caminho inverso na última fase de sua carreira –, seu interesse estava em retratar pessoas simples, o que levava a grande identificação entre o público e seus personagens.
Ozu começou sua carreira durante a era do cinema mudo, na década de 1920. Fez 53 filmes, 26 deles dirigidos em seus primeiros cinco anos como diretor. No primeiro momento, criou comédias curtas, antes de voltar a temas mais sérios, a partir da década de 1930. Aos poucos, estabeleceu sua marca registrada: tratar do casamento e família, especialmente as relações entre as gerações. Para os especialistas em seu cinema, era um mestre em usar em demasia as reticências, onde muitos eventos não são representados visualmente, e também usou um estilo de cinema em que a câmera raramente se move e é geralmente posicionada abaixo do nível dos olhos dos atores. Sua reputação não parou de crescer desde a sua morte, e ele é hoje amplamente considerado como um dos diretores mais influentes do mundo.
Confira a sinopse, trailer ou trechos de cada filme da Caixa 2:
1- Pai e Filha (Banshun, 1949)
Noriko é uma jovem que cuida do pai, o viúvo Somiya, e não pensa em se casar. Porém, pressionada pela família, aceita conhecer um pretendente. Magistral drama de Ozu.
2- Começo de Primavera (Soshun, 1956)
Shoji, um jovem assalariado, começa um romance com uma colega de trabalho, o que acaba provocando sua separação.
3- Ervas Flutuantes (Ukigusa, 1959)
Uma companhia teatral chega a uma pequena cidade japonesa. O mestre Komajuro, o fundador da companhia, esconde um segredo do passado que lhe causará transtornos.
4- Fim de Verão (Kohayagawa-ke no aki, 1961)
Os dramas dos membros da família Kohayagawa, proprietária de uma pequena fábrica de saquê, durante o difícil período do pós-guerra no Japão.
5- Flor do Equinócio (Higanbana, 1958)
O choque entre a tradição do casamento arranjado e o moderno casamento por amor, preferido pela nova geração, é o tema deste melodrama sobre duas famílias.
6- Uma Galinha no Vento (Kaze no naka no mendori, 1948)
Passando por dificuldades e com o filho doente, Tokiko se prostitui por uma noite para poder pagar as despesas enquanto Shuichi, seu marido, está lutando no front.
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