Um dos desafios enfrentados pelos museus, atualmente, é como criar diálogos entre seus programas educativos e os próprios conteúdos das instituições, para que as pessoas envolvidas nesses programas sejam incluídas de forma ativa e não apenas como meros objetos a serem “instruídos”.
Recentemente, na mostra Histórias das Infâncias, no Masp, desenhos produzidos por crianças no programa educativo do museu foram emoldurados e expostos junto ao acervo, um gesto um tanto excessivo de institucionalização de uma
produção que não foi feita para ser exibida dessa forma.
Já em O Nome do Medo, mostra criada por Rivane Neuenschwander em parceria com Guto Carvalhoneto, em cartaz no Museu de Arte do Rio (MAR), há uma estratégia muito mais perspicaz para abordar essa equação. A mostra é um desenvolvimento de um projeto já realizado por Neuenschwander, em 2015, para um programa de educação da Whitechapel Gallery, de Londres. No Rio, O Nome do Medo, com curadoria de Lisette Lagnado, foi realizado em parceria com a Escola de Artes Visuais do Parque Lage.
Tanto no MAR como no Parque Lage foram realizados encontros com 196 estudantes de 6 a 13 anos das redes pública e privada de ensino, unidades de inserção social ou grupos espontâneos formados por diferentes famílias. Nesses encontros, as crianças abordaram seus medos, em um processo que culminava com a elaboração de uma capa protetora – construída a partir de diversos materiais disponíveis e selecionados pela artista.
Essas capas eram levadas pelas crianças, tornando o encontro uma espécie de fabricação de parangolés infantis, feitos a partir de histórias pessoais e da possibilidade de seu enfrentamento. A referência a Hélio Oiticica se torna obrigatória. Afinal, ele foi o mentor, nos anos 1960, dos parangolés, que começaram como capas para se desenvolverem em um projeto de apropriação das coisas do mundo de forma tão abrangente que seu próprio criador passou a denominá-los de “antiarte”.
Já na exposição O Nome do Medo, o que se vê são capas recriadas pelo desenhista de moda Guto Carvalhoneto, algumas expostas apenas para serem vistas, outras para serem utilizadas por crianças. A mostra, assim, é o resultado de um processo em que vários agentes se tornam colaboradores da artista – das crianças aos envolvidos no encontro, e finalmente o estilista –, mas o resultado final não se torna um objeto comercial, já que as capas passam a fazer parte do programa educativo do MAR.
Com isso, há um duplo engajamento dos públicos do museu: nos encontros para a criação da mostra e na possibilidade de uso das capas durante sua exibição, tudo com a mediação de Neuenschwander, que personifica o artista propositor preconizado por Oiticica.
Nessa trama complexa, ela detona vários gatilhos: o debate sobre os medos, a criação infantil, a moda e a própria arte, já que nas capas finais veem-se referências a Louise Bourgeois e Leonilson, entre outros artistas que trabalharam com costura. Assim, nos atuais tempos sombrios, Neuenschwander demonstra que os museus podem ser espaços de enfrentamento aos medos, a partir de um processo colaborativo.
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