“Acho que posso falar em nome de todos os artistas quando digo que este é um alvo extremamente importante. Especialmente agora, quando aqui e por toda a América todos os aspectos da esfera pública estão sob ataque, quando o setor público está sendo enxugado, os serviços públicos privatizados, os espaços públicos fechados, os discursos públicos controlados e os bens públicos de todos os tipos trocados pela moeda dos interesses privados, sejam eles prestígio, privilégio, poder ou lucro. (…) Mas, no nosso zelo por sucesso global, devemos também estar dispostos a descobrir e apreciar a singularidade de cada mercado. É aí que temos sido capazes de reproduzir a diversidade da nossa força de trabalho, pessoas que entendem outras culturas e que falam outras línguas.”
Este discurso não é atual. Foi realizado pela artista Andrea Fraser, há 20 anos, por ocasião da exposição InSite. A ironia e o sarcasmo dessa performance marcaram ademais uma linha ética envolvente nesse evento, que regularmente tem lugar na fronteira entre o México e os Estados Unidos e que, na edição de 1997, enfatizou o espaço público e o trabalho com a comunidade local.
Os curadores da InSite’ 97 foram Jessica Bradley, Olivier Debroise, Ivo Mesquita e Sally Yard. Em várias sedes próximas à fronteira, espalhadas entre Tijuana e San Diego, os artistas convocados realizaram trabalhos site specific, cuja carga simbólica e política permitiram iniciar uma reflexão acerca do muro, da imigração – ligado ao incremento da população de Tijuana como consequência do crescimento industrial – e do pós-colonialismo. Quase todos os artistas residiram na região durante meses e propuseram oficinas pensadas para interagir com a comunidade local. Em alguns casos, em localidades periféricas e marginais e propondo oficinas criativas, como a de teatro de rua, a Oficina de Arte Fronteiriça, as ações do grupo Revolucionarte ou a documentação de movimentos políticos em comunidades de imigrantes.
Se fosse preciso ressaltar uma obra emblemática, seria Toy an Horse, de Marcos Ramírez Erre, um enorme cavalo de Troia de madeira situado no ponto fronteiriço de maior tráfego na região. Um jogo bicéfalo que satirizava a ideia da invasão oculta, do ataque ao império, de forma metafórica e dual. Ramírez quis provocar uma leitura política a partir de uma motivação pessoal: ele, que tem dupla nacionalidade, queria homenagear seu pai, que lhe contava as histórias da Ilíada, de Homero.
Trinta e oito artistas da América do Norte e da América Latina mostraram seus trabalhos em diversas sedes, algumas em lugares tão estranhos como o porão de um museu infantil ou de uma casa particular. Houve tempo e espaço para propostas radicais, como a de Fernando Arias, que transformou 16 metros de cercado fronteiriço em uma guilhotina que pendia sobre uma linha de pó branco: uma armadilha para narcotraficantes? Acompanhou tal intervenção com uma performance na qual, por meio de um endoscópio, o artista mostrava seus intestinos: arte introspectiva?
O artista Iran do Espírito Santo propôs Drops: dados de concreto espalhados em espaços públicos. A fronteira como tabuleiro, o estado legal do indivíduo como produto da sorte. Francis Alÿs mostrou The Loup, performance na qual o artista cruzava a fronteira pelas bordas. Transitou por estradas perpendiculares e recolheu vestígios encontrados, que logo mostrou como marcas da divisão.
InSite’ 97, cujo acertado subtítulo foi Espaço Público/Espaço Privado, cumpriu seu objetivo, que se referia àquela comprometida edição, mas também o do evento, que nasceu em 1992 com a missão de paliar a ausência de instituições culturais em San Diego. Uma das curadoras da mostra, Jessica Bradley, resumiu recentemente os marcos alcançados, dando um enquadre atual: “Com a proliferação de bienais e feiras de arte em todo o mundo, InSite marcou um momento intenso de experimentação do formato expositivo e de compromisso social com o trabalho site specific. Compromisso social, experimentação de formato e lugar específico. Nem para um lado nem para o outro: dentro do muro.
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