O meu telefone tocou quando eu estava dirigindo na Rua Aspicuelta, “É a Lygia Fagundes Telles”, disse a voz. “Eu queria te cumprimentar pela matéria sobre o Rudá”, disse ela, “está muito bem escrita”. Fingi que estava acostumado a receber cumprimentos. Ao contrário, sempre que telefonaram era para reclamar. E logo ela acha um tempo no meio do caos, que é mudar da Rocco, sua antiga editora, para a nova, Companhia das Letras, para telefonar. “Mudar de editora é mais complicado que mudar de marido”, diz ela, explicando a razão de, naqueles dias, não poder atender meu pedido de entrevista. Promete mandar um livro e manda Pomba Enamorada. O conto-título é uma das jóias da sua fina ourivesaria.

Passam-se alguns dias, a Companhia das Letras anuncia o lançamento de 11 títulos da Lygia, com capas da artista Beatriz Milhazes.
Vejo-me no portão do prédio onde mora. Palmeiras Imperiais. Quem me recebe é sua neta, Lúcia. A porta entreaberta mostra Lygia sentada em frente ao fotógrafo. Cristiano Mascaro acabara de tomar as fotos. Mas o equipamento permanecia montado.

Lygia me recebe com aquele sorriso de menina que acabou ou planeja fazer mais uma das suas.

Oferece-me um vinho do Porto. Não vai me acompanhar?, pergunto.

“Não”, pondera ela, “ontem eu passei da conta…”

Lygia Fagundes Telles – Já está gravando né?

Brasileiros – Sim, já está gravando.
L. F. T. –
Isso aqui é um perigo. Isso é uma coisa perigosa. Desde que foi inventado isso aqui nunca mais houve mistério no ser humano. Mistério é quando a gente escreve.

Brasileiros – Mas quem desvenda mistérios do ser humano é você. Você quando escreve, parece que tem um raio X que desvenda o que há dentro da pessoa, muito mais até do que o gravador. Gravador só pega o que você fala, mas o que fala dentro de você, só escritor. Também não é qualquer escritor.
L. F. T. –
É difícil.

Brasileiros – É uma coisa que não se aprende. Acho que ninguém te ensinou a escrever assim.
L. F. T. –
Eu fiz o seguinte, inclusive os meus primeiros livros…, eu não sei, a minha biografia você conhece, eu passei a infância em cidades do interior do Estado de São Paulo onde meu pai era promotor ou delegado, de duas outras irmãs, eu sou a caçula, estávamos internadas aqui em colégios e meu pai, um homem instável, fumava charuto, gostava de beber e gostava de jogar, gostava de bar, então uma pessoa muito instável, muito inteligente, mas muito instável, mas a minha infância foi muito luminosa. Outro dia um repórter perguntou como foi minha infância. Minha infância foi muito luminosa, foi ótima, foi clara. As tempestades vieram depois.

Brasileiros – Como é a história de que você ia aos cassinos com teu pai?
L. F. T. –
Meu pai era um jogador. Ele achava que eu dava sorte, então me levava aos cassinos, eu ficava tomando sorvete e ele ficava na roleta, Santos, Parque Balneário.

Brasileiros – Você podia entrar no cassino com quantos, sete anos, oito anos?
L. F. T. –
Pois é, isso que me espanta, mas eu entrava e me davam um sorvete enorme, eu ficava sentadinha na poltrona…

Brasileiros – Você gosta de verde, deve ser palmeirense como eu…
L. F. T. –
Eu estou gostando do Corinthians por causa do Ronaldo. Estou torcendo por ele. Quase estou traindo meu clube que é o São Paulo Futebol Clube, quase estou traindo porque eu fico torcendo pra ele, ele gordo, mas fazendo os gols. Mas lá no cassino me davam um enorme sorvete com creme chantilly que eu adorava, eu ficava tomando sorvete e meu pai jogando. Eu gostava quando ele terminava, ele fumava charutos e tal, era um homem bonito, alto, então quando ele terminava, às vezes ele dizia: ‘Hoje nós perdemos, mas amanhã a gente ganha’. E voltava pra São Paulo. Então essa esperança que é a esperança do ser humano nesse planeta tão difícil, essa esperança justamente, essa frase dele me seguiu sempre. Um livro não deu certo? Mas o próximo vai dar. É um jogo. Toda minha infância luminosa foi em pequenas cidades do interior do Estado de São Paulo. Sertãozinho, Assis, Ituverava, Descalvado eram cidades onde meu pai ou era promotor público ou era então delegado.

Brasileiros – E o que acontecia de casos naquela época assim em termos policiais?
L. F. T. –
Era muito bom. Meu pai, com aquele charutão dele, resolvia tudo e tal…

Brasileiros – E o que que tinha, assassinato, briga…?
L. F. T. –
A natureza humana, meu bem, é a mesma sempre, mais ou menos contida nesse aspecto do desespero, da cólera. Nesse aspecto do crime propriamente dito, era mais contido, as cidades eram mais contidas. Claro, eu morava então em cidades onde eu tinha sempre uma pajem, a pajem era aquela mocinha que mamãe recolhia em casa, meninas que na época se chamava de meninas perdidas que mamãe recolhia, ficava tratando delas, ensinava a ler e tal, elas me davam banho, faziam papelotes em tempo de procissão. Eu era anjo de procissão. Eu tinha minha bata branca e ia na frente com as asas brancas. Eu me lembro que o meu primeiro sentimento de soberba foi esse. O primeiro sentimento de soberba é que eu descobri que minhas asas eram feitas de penas mesmo, penas verdadeiras e dos outros anjos eram de papel crepom. Meu primeiro sentimento de soberba é que minhas asas eram verdadeiras. Primeiro sentimento soberbo. Então, em cidades do interior, tão bom, meu pai era importante, ganhava peru no Natal, ganhava leitoa, então era muito bom. Eu ia com mamãe na igreja, frequentava a escolinha das freiras que me ensinaram a cantar e a rezar. Uma infância luminosa. Repito, as tempestades, os relâmpagos, os raios vieram depois, na juventude. Minha juventude foi uma juventude de uma jovem pobre, pobre, meu pai perdeu tudo, separou da minha mãe, essa separação doeu muito.

Foi uma juventude que não foi alegre, foi triste. Então quando eu entrei para a faculdade de direito no Largo São Francisco, eu tive que trabalhar como funcionária pública pra poder pagar as minhas roupas e as taxas na faculdade.

Brasileiros – E era um serviço chato?
L. F. T. –
Muito chato. Eu colava retratos na Secretaria da Agricultura, saía com a mão dura de cola, colava retratos, coisa modestíssima, uma mocinha trabalhando, modestíssima no emprego, mas eu precisava.

Brasileiros – E isso o que, 18 anos?
L. F. T. –
Por aí. A minha juventude foi muito pobre. Tive uma juventude pobre, difícil e…

Brasileiros – Teu pai perdeu no jogo ou perdeu na separação?
L. F. T. –
Olha, eu repito uma frase, que aliás o Chico Buarque de Hollanda no livro dele, ele diz essa frase de modo diferente, mas a frase é a mesma, eu quero dizer, o sentido da frase, o significado é o mesmo: avô rico, filho doutor, neto mendigo. Neto sou eu. Meu avô era rico.

Brasileiros – Seu avô era quem?
L. F. T. –
Meu avô, coronel Henrique Benevenuto de Azevedo Fagundes. Era coronel da guarda nacional do imperador. Coronel Henrique Benevenuto de Azevedo Fagundes. A Rua Fagundes do bairro da Liberdade é em homenagem ao meu avô.

Brasileiros – O que significava essa posição dele como coronel naquela época, equivale a que, a um ministro, a um…, o que era?
L. F. T. –
Pois é, o que equivale eu não sei bem, mas era um cargo muito importante. Era um homem rico, avô rico, rico, bairro da Liberdade, a Rua Fagundes, os filhos todos também eram…, todos estudando na faculdade, meu pai, avô rico, filho doutor, meu pai se formou também na faculdade de direito do Largo São Francisco, a mesma onde me formei, aí quando chegou a minha vez, eu já estava mendiga. Então era essa a história. Eu comecei então trabalhando muito cedo, fiz a faculdade de direito e também fiz a escola superior de educação física. Eu estudava pra poder ter emprego bom quando me formasse.

Brasileiros – E você não escrevia ainda?
L. F. T. –
Escrevia os primeiros livros meus, mas os primeiros livros meus eu os deixei mergulhar no mar morto da literatura. São livros muito prematuros os primeiros livros. Eu escrevi quando eu estava na faculdade de direito, escrevi livros até no ginásio, no curso fundamental eu escrevi também, mas tudo muito fraco, muito ruim porque, jovialidade…

Brasileiros – Mas você achava que…?
L. F. T. –
Eu achava que era ótimo, mas depois comecei a verificar lendo e tudo isso, que eram livros muito fracos, prematuros, a pouca idade não justifica um mau livro. Eram livros ruins. Nesse ponto eu concordo com o professor Antonio Candido e aliás minha admiração maior por ele é porque ele diz que no meu caso o romance Ciranda de Pedra escrito em 1954 teria sido o marco da minha maturidade literária, o marco…, daí, atrás, esquece. Atrás, por favor, esqueça tudo. Seria esse o marco e daí por diante começa a contagem. É isto.

Brasileiros – E como é que foi se casar com um professor, naquela época?
L. F. T. –
Meu primeiro marido eu me separei dele…

Brasileiros – Mas então, quando você entrou na faculdade de direito, você conheceu uma turma grande, né?
L. F. T. –
Uma turma grande. Pois é, e até brinco muito, idade da pedra lascada. Era uma turma de quase 200 rapazes e seis ou sete mocinhas meio apavoradas porque eu pertenço à geração da Segunda Guerra Mundial. O que é a Segunda Guerra Mundial? É uma geração que devagarzinho a mulher começou a tomar o seu lugar no mundo. Eu quero dizer o seguinte: os homens foram pro front, foram pra guerra, ficaram as mulheres, e aí elas começaram a ocupar os lugares nas fábricas, nos escritórios, nas universidades. A mulher começou a ocupar o seu lugar. Então isso foi muito importante nessa geração porque foi uma geração que sofreu muito também, eu repito sempre, segundo Trotsky, os que vão na frente são os que levam as rajadas no peito. Nós fomos na frente. Sofremos muito, mas era preciso começar. E foi esse o começo. O preconceito era tamanho em relação à mulher, era tamanho o preconceito, minha mãe era uma grande pianista, Maria do Rosário, casada certamente com meu pai. Uma grande pianista, tocava no piano que meu avô mandou buscar da Alemanha pra ela, um Beckstein, tocava Chopin, tocava tudo, tudo, principalmente Chopin, grande pianista, no entanto ela não pôde seguir a carreira porque não havia carreira pra mulher, para artista, a mulher era rainha do lar que eu chamo de mulher goiabada, elas faziam goiabada na perfeição e mamãe também. Se mamãe tivesse nascido hoje, ela seria completamente diferente. Ela teria seguido a vocação, a vocação que é a paixão, que é a profissão, a paixão, ela teria seguido, ela não seria a rainha do lar como era considerado antigamente, ela seguiria a vocação dela que era a paixão dela, como eu pude, a filha dela, seguir a minha vocação. Foi duro, foi duro viu. A mamãe ficava muito preocupada e dizia: ‘Menina você não vai se casar. Você já escreve que nem homem, fala coisas fortes nos seus livros, você entrou para uma faculdade de homens’ e depois, além do mais, Segunda Guerra Mundial, o Brasil evidentemente, o Brasil evidentemente contra o nazismo, né. Então nós éramos justamente o país que ficou com os aliados é claro, e então a faculdade de filosofia…, inclusive a mulher do Antonio Candido, a Gilda, ela entrou pra isso, Legião Universitária Feminina. O que era Legião Universitária Feminina? Era um grupo de jovens estudantes da faculdade de filosofia e faculdade de direito, legionárias que estudaram então enfermagem, fizeram curso de enfermagem, eu fiz o curso de enfermagem, primeiros socorros e tal, então ficou sendo chamado as legionárias, na hipótese, na hipótese remota, os nossos rapazes, inclusive colegas meus já tinham partido pra Itália, Monte Castelo, colegas meus, na hipótese do Brasil também chegar a esta guerra, quer dizer, de uma maneira verdadeira, prática e tal, nós iríamos trabalhar nos hospitais de feridos, enfim, era uma organização pensando num futuro do Brasil entrar efetivamente nesta guerra que não entrou, é claro, acabou antes. Mas nós então fizemos esse…, formamos esse…, e eu no batalhão, eu fazia parte do batalhão. Eu tenho retrato, eu fardada, direitinho a farda, bonita a farda. Segunda região militar. Nós éramos justamente subordinadas à segunda região militar. Você sabe de uma coisa, o nosso comandante era o tenente Henrique Cardoso que eu acho que deve ser aparentado com esse Fernando Henrique. Henrique Cardoso era o nosso chefe. A gente chegava fardada, a farda era feita pela alfaiataria militar, era um dólmã cinza, botões pretos, camisa branca, gravata preta, saia-calça até os joelhos, as meias brancas até os joelhos, cobrindo os joelhos, sapatos de amarrar, éramos soldados. Um dia nós fomos treinar…, (risos) é até engraçado isso, nós fomos treinar no Anhangabaú, eu fiz o curso de educação física e eu marchava muito bem, então eu era muitas vezes a porta-estandarte, porta-bandeira, estou falando porta-estandarte, mas é de carnaval (risos). Eu era a porta-bandeira porque eu era alta, era não, ainda sou, quer dizer, mais baixa hoje porque na velhice a gente fica mais baixo, a velhice encolhe.

Brasileiros – Mas tudo isso você solteira ainda?
L. F. T. –
Menina, mocinha, faculdade de direito. Eu tenho o retrato.

Brasileiros – Aí você se apaixonou pelo professor na faculdade de direito?
L. F. T. –
É. Esse trecho você sabe, querido, como eu diria, hein? Eu me apaixonei pelo professor de direito, casei-me com ele, tive um filho lindo, Goffredo da Silva Telles Neto que foi embora há três ou quatro anos, nem sei mais, me deixou duas netas lindas, a Lúcia e a Margarida. Era um homem, meu filho, lindo, filho do meu casamento com o Goffredo. Separei do Goffredo, divorciamos, na época era desquite, não tinha divórcio, nos casamos por volta do ano 1950, separamos cordialmente e aí eu me casei mais tarde com o Paulo Emílio Salles Gomes, que foi um casamento muito feliz e ele faleceu em 1977. Aí fiquei sozinha. Mas voltando à Legião Universitária Feminina, nós estudávamos o curso de enfermagem porque achávamos que a guerra viria até aqui e aí voltando a minha mãe, mamãe dizia: ‘Meu Deus’, quando me viu chegar fardada, quepe, cabelo preso…, eu me lembro o que o comandante Henrique Cardoso dizia: ‘Meninas, cabelo presíssimo na nuca e nada de maquiagem, nenhum batom’. Então era cara lavada, nada de brinco, imagina…, eu usava cabelo até o ombro, as meninas usavam assim, então prendia tudo atrás, quepe e íamos marchar na Avenida São João. E aí me lembro que na Avenida São João diziam assim: ‘O que é isso, vocês vão pra guerra?’ Brincavam com a gente. ‘Oi garotas…, nós estamos fritos então’, e nós sérias, tão graves, eu portando a bandeira brasileira, pá, pá, pá, marchando na Avenida São João, Legião Universitária Feminina. A guerra não veio até aqui, mas nos preparamos pra ela.

Brasileiros – O Brasil estava com os aliados, mas ao mesmo tempo estava na ditadura de Vargas, como era isso?
L. F. T. –
Aí é que está. Na faculdade de direito tinha um grupo que era contra o Getúlio Vargas, nós fazíamos passeatas contra Getúlio Vargas, ainda me lembro uma vez, isso foi engraçado, tinha o secretário aqui de polícia que proibiu que falássemos, que os estudantes do Largo São Francisco falassem nas suas passeatas. Podíamos fazer a passeata, mas em silêncio. Então o que nós fizemos? Os rapazes mandaram…, poucas mocinhas né, mas eu de um certo modo também estava liderando as coisas lá das meninas e tal como outras meninas também, mandaram que eu e a Aparecida Albano fôssemos comprar na Rua Direita que tinha casas de tecelagens na Rua Direita, comprássemos bastante pano preto, mas transparente, poroso, pra fazermos os lenços que iríamos fazer uma passeata, passeata do silêncio com os lenços amarrados protestando contra Getúlio Vargas. Evidentemente que nós detestávamos Getúlio Vargas, eu tinha pavor dele.

Brasileiros – Como era a vida com Getúlio Vargas?
L. F. T. –
Então, nós fomos na Rua Direita…, isso é engraçado, e eu pedi: “Faz favor, eu sou estudante de direito e eu queria aqui alguns metros de um tecido preto, mas que seja poroso, esses que cobrem, eu disse, caixão de defunto, aqueles véus porosos”, o rapaz falou: “que cobre…?” “É, que cobre caixão de defunto, como se fosse…, pois é, um pano fúnebre”, eu achei que o negócio do caixão, sempre eu via os mortos cobertos com…

Brasileiros – Um tule né, assim.
L. F. T. –
É, um tule, você falou a palavra. Aí ele trouxe a peça preta, aí eu conversei com a Maria Aparecida e o vendedor disse: ‘Quantos metros?’ Eu disse: ‘Uns quatro, cinco metros’. Aí ele disse: ‘O defunto é grande assim?’ (risos). Aí levamos os metros de tule, cheguei na academia, cortei os lenços, amarramos os lenços porosos, pra poder respirar né, na boca e lá fomos na passeata contra Getúlio Vargas, passeata do silêncio.

Brasileiros – E você andaram por onde?
L. F. T. –
Saímos do Largo São Francisco e aí íamos então…, pegamos o viaduto, do viaduto já entrava na Rua Barão de Itapetininga e eu me lembro que a cavalaria foi atrás.

Brasileiros – E não fez nada?
L. F. T. –
A cavalaria? Dando tiros.

Brasileiros – Foi dando tiros?
L. F. T. –
Dando tiros. Um estudante, nosso colega, cujo nome agora eu não me lembro, caiu perto de mim borbulhando sangue, eu nunca tinha visto… é uma coisa horrorosa. Nós só não fomos pisoteados porque corremos, mas levava tiro nas costas, a cavalaria veio. Nós com pano preto e eu soube que mais de um tinha sido ferido também, estava no hospital. Lá fomos nós as estudantes, tiramos o pano e tal e fomos correndo pra levarmos o estandarte do 11 de Agosto para a faculdade e fomos para o hospital. Quando eu cheguei no hospital foi aquele susto que eu levei, porque este rapaz tinha o sobrenome Silva Telles e eu tinha um colega Silva Telles que era e é, está vivo, o Goffredo está vivo e este colega está vivo, Jaime Silva Telles. Eu pensei que fosse o Jaime que tivesse morrido, Silva Telles só podia ser ele. Era primo dele, cujo primeiro nome eu não sei, mas de qualquer maneira eu cheguei no hospital e disse: ‘Aonde estão os feridos da faculdade de direito?’ Morreu o Silva Telles. Eu disse: ‘É o Jaime.’ Não era, era o primo que estava na passeata e tem dois feridos graves, um está sendo…, enquanto isto a minha mãe, Maria do Rosário, apelido Zazita, ouviu no rádio, não tinha televisão é claro, no rádio que a faculdade de direito tinha sido atacada pela polícia, que tinha vários feridos e estavam no hospital. Aí mamãe desmaiou, minha filha está no meio. (risos) (Pra neta:) Sua avó, sua bisavó. Mamãe desmaiou. Aí cheguei em casa desesperada com as outras colegas e eu…: “E mamãe?” Mamãe estava sendo atendida pelos vizinhos do edifício da Rua Sete de Abril.

Brasileiros – Você morava na Sete de Abril?
L. F. T. –
Sete de Abril. Quase esquina com a Praça da República. Na frente, entrando na Sete de Abril e dando de cara com a nossa janela aqui, dava uma vista para a Praça da República, era o primeiro andar, mínimo apartamento, uma sala grande que dividíamos, sala-quarto porque aí eu já disse que nós éramos pobres, sala-quarto, banheiro, cozinha, uma quitinete. Cheguei lá, aonde é que está mamãe? Os vizinhos estão cuidando dela. Mamãe estava desmaiada, levando injeção e tal, chamaram médico porque ela achava que eu tinha sido baleada. Faculdade de direito. Foi bonito isso, foi terrível, mas…

Brasileiros – O tempo de Getúlio também foi um tempo de prisões como na época de 1960 né.
L. F. T. –
Terrível, terrível, terrível.

Brasileiros – A Pagu por exemplo ficou presa muito tempo né.
L. F. T. –
Pois é, isso muito antes, muito antes…

Brasileiros – Quando você conheceu a Pagu?
L. F. T. –
Conheci quando ela já estava quase no fim da vida, eu já estava casada. Eu conheci a Pagu quando eu morava no Rio de Janeiro casada com o professor Goffredo, aí eu conheci a Pagu. Vi rapidamente e depois não vi mais, Patrícia Galvão.

Brasileiros – E você teve alguns diálogos com ela?
L. F. T. –
Um dia ela conversou comigo e foi muito boa a conversa que ela teve. Ela me achava bonitinha e tinha medo que eu ficasse uma pessoa frívola, uma jovem frívola. Ela disse: ‘Cuidado com os vidrilhos e as lantejoulas. Cuidado’. Eu nunca fui vidrilho e nem lantejoula, mas ela tinha medo que eu enveredasse por esse caminho. Cuidado com os vidrilhos e lantejoulas. Ela gostava de mim e de um certo modo quis me proteger, quis me…, como me encaminhar, mas não foi preciso, eu sozinha fui tomando as minhas rédeas e separando o joio do trigo.

Brasileiros – Você conheceu o Paulo Emílio ainda na faculdade…
L. F. T. –
É, eu conheci o Paulo Emílio quando eu ainda estava na faculdade de direito porque depois ele foi morar em Paris, desapareceu, mas ele tinha um olho meio entortado, fazendo discursos, discursos subversivos, então eu cheguei em casa e disse: ‘Mamãe, eu conheci um rapaz hoje chamado Paulo Emilio com o olho meio entortado, mas ótimo, fazendo um discurso tão extraordinário, tão verdadeiro…’, ela disse: ‘Cuidado hein’. Mamãe tinha muito medo que eu entrasse… (risos) Cuidado, mamãe disse. Cuidado com ele. Aí eu disse: ‘Não precisa ter cuidado não porque ele está indo pra Europa’. Aí depois lá ele se casou, também se divorciou, veio pro Brasil tantos anos depois, nos reencontramos e aí nos casamos, e foi um casamento muito bom porque ele era muito meu parceiro, meu parceiro e eu acredito que também fui uma boa presença na vida dele. Escrevemos juntos um roteiro de cinema baseado no romance Dom Casmurro de Machado de Assis, foi um tempo muito bom, foi um tempo muito gostoso, discutíamos muito, aí não tínhamos cachorros, tínhamos gatos. A minha infância toda foi no meio de cachorro, cachorro, cachorro, cachorro, aí foi a geração dos gatos. Aí eu aprendi que o gato é muito diferente do cachorro. O gato participa assim, da sua tristeza, do seu desespero, mas guardando distância. O cachorro vem, o cachorro sobe no teu colo, te beija, lambe as lágrimas, você abraça ele, você chora com ele, ele chora junto, o gato ele participa, mas distante, o gato não entra na intimidade humana, o cachorro entra, o cachorro entra.

Brasileiros – Sabe que eu tenho um gato que entra, é impressionante.
L. F. T. –
Esse entra. Os meus gatos estão ali, está ali o retrato do Paulo…
Lúcia (a neta) – Mas os seus gatos não gostavam muito de pegar…
L. F. T. – Não, não gostavam de agrado, nada. Por exemplo, o Borges (Jorge Luis Borges), eu tenho aí um bonito retrato com o Borges que eu conheci bem, o Borges que era uma maravilha. Como é que ele dizia? Não há outros paraísos senão os paraísos perdidos. Eu tenho um retrato bom aí com ele, se você quiser…

Brasileiros – Quero sim.
L. F. T. –
Então quando ele esteve no Brasil, ele foi receber um prêmio, um prêmio muito importante, Prêmio das Américas criado pelo Ciccillo Matarazzo, então eu fiquei muito perto dele porque eu era da comissão julgadora desse prêmio.

Brasileiros – E isso foi no IV Centenário de São Paulo?
L. F. T. –
Depois eu digo pra você o ano, depois eu digo.

Brasileiros – Quarto centenário, cinquenta e quatro, depois…
L. F. T. –
Ciccillo Matarazzo e tal, foi ele que inventou o prêmio, Prêmio das Américas, então eu queria dar esse prêmio e eu mal conhecia Carlos Drummond de Andrade, mas tinha uma enorme admiração por ele. Eu já conhecia, mas conhecia pouco, longinquamente, e eu queria então que o prêmio fosse de Carlos Drummond de Andrade. Aí o Ciccillo disse (imita a voz de Ciccillo): ‘Oh Lygia, ano que vem, porque esse ano será o Borges. Por favor, comissão julgadora, votem em Borges’. A comissão julgadora era Mario Chamie, José Geraldo Nogueira Moutinho e eu, mas acho que tinha mais alguém, ‘e…, no ano que vem Lygia nós votamos no Carlos Drummond, mas nesse ano fica ruim o Brasil’, disse o Ciccillo, ‘fica ruim o Brasil instituir um prêmio e dar ao próprio brasileiro, vamos dar para um argentino’. Aí demos para um argentino. Borges veio receber o prêmio, me aproximei dele, conversamos muito, aí recebeu o prêmio e tal e foi a última vez que ele veio para o Brasil.

Brasileiros – Ele enxergava ainda?
L. F. T. –
Muito mal. Ele me conhecia pela voz. Ele dizia (imita a voz de Borges): ‘Lirria, Lirria’, eu vinha e o Borges dizia, ‘senta, conversa’, então conversávamos. Nos encontramos umas três ou quatro vezes e conversávamos muito. Ele gostava de conversar comigo.

Brasileiros – E ele queria saber do quê?
L. F. T. –
Queria saber tudo sobre o Brasil, a gente conversava sobre minha literatura, meus contos, ele sempre repetia: ‘Não há outros paraísos senão os paraísos perdidos’. Paixão por gatos. Então um dia ele foi em uma festa oficial, eu estava na festa e eu tive a impressão que eu não ia vê-lo mais, que ele ia embora no dia seguinte, e aí aquela gente toda ao redor dele, de repente eu me aproximei dele e ele olhava assim: ‘Lirria?’ Eu falei: ‘Borges’. Aí eu sentei perto dele e disse: ‘Borges, me diga uma coisa que…’, eu sabia que não ia vê-lo mais porque ele ia embora no dia seguinte cedo, eu disse: ‘Diga alguma coisa que seja importante’. Aí ele disse: ‘Então eu vou dar pra você uma entrevista, eu vou dar pra você essa entrevista’, e saiu publicada essa entrevista com ele. Na Argentina. Ele então disse coisas tão importantes, eu peguei na mão dele, beijei-o e ele disse: ‘Dê um beijo nos gatos’ e disse: ‘Ah, os gatos, os gatos’. Paixão por gatos, os gatos se aproximavam dele. O Pum-gati, o gato mais velho nosso, ele fez uma convivência profunda com o Paulo Emílio, comigo menos, mas ainda assim eu chamava e ele vinha, sentava no meu colo, mas não queria agrado, queria colo, mas quieto.
Lúcia – Eu me lembro dele bravo.
L. F. T. – É, bravo com as visitas, ele tinha ciúmes das visitas.
Lúcia – Ele não gostava de crianças. De mim ele nunca gostou. É, ele não gostava de crianças e não gostava das visitas. Era um gato soberbo.

Brasileiros – Eu, quando chego em casa, eu abro a porta e lá estão os dois gatos me esperando, sempre. Isso independente da hora que eu chegar, sete da noite, duas da manhã, eu abro a porta…, como é que eles sabem que eu estou chegando?
L. F. T. –
Os nossos gatos eram mais amigos do Paulo Emílio do que de mim, não sei por quê. O gato, o macho, o Pum-gati, às vezes subia no meu colo e se eu acariciava, ele saltava. Então eu sabia que ele queria ficar no meu colo, mas sem mãos, quieto. Aí ele dormia. Mas ele preferia ainda o colo do Paulo Emílio, adorava música, eu achava que ele gostava mais de Bach e o Paulo achava que ele gostava mais de Chopin. Ouviam música e depois dormiam os gatos. Eu vou mostrar, não esqueça então esse retrato do Borges, eu devo ter essa entrevista com o Jorge Luis Borges que saiu publicada num jornal na Argentina, eu vou passar pra você essa entrevista. É uma entrevista importante que nunca foi publicada, não me lembro de ter sido publicada no Brasil. Eu mandei para o jornal em Buenos Aires, saiu lá um retrato nosso e eu tinha razão, depois dessa viagem o Borges morreu, dois ou três anos depois. E o próximo ano que era pra dar o prêmio pro Carlos Drummond de Andrade, acabou o prêmio (risos). Ciccillo (imita a voz de Ciccillo)…, ‘Lirria’, ele falava italianado, ‘Lirria, dinheiro acabou, acabou, não pensa mais nisso’.

Brasileiros – O Jânio é que brigava com o Ciccillo né?
L. F. T. –
Brigava, brigava.

Brasileiros – O Ciccillo era separado, desquitado, e o Jânio vinha dar lição de moral, como é que um homem desquitado vai ser o chefe das comemorações do IV Centenário?!
L. F. T. – O Jânio era engraçado. Ele fez o curso na faculdade de direito do Largo São Francisco e às vezes ia lá, não sei se ele já era governador e tal, mas um dia ele apareceu lá e eu estava saindo da faculdade, eu estava no quinto ano e ele disse: ‘Lygia, você quer uma condução?’ Eu disse: ‘Quero’. Aí entrei no carro dele, o carro tinha espiga de milho, tinha um saco com farinha, o carro do Jânio. Onde é que você mora? Jânio Quadros. Quando eu me formei, fui procurá-lo, estava precisando de emprego e o Quintanilha Ribeiro era o secretário dele. Eu disse: ‘Quintanilha, eu preciso de emprego’. Aí o Quintanilha me levou até o Jânio e disse: ‘Ô Lygia, o que você quer?’ Eu disse: ‘Eu quero um emprego’. ‘Dá aqui um papel’, e aí ele escreveu, ‘doutora Lygia e tal, Instituto de Previdência do Estado de São Paulo’, aí eu peguei o papelzinho que ele pegou assim na mesa, levei pro presidente do Instituto da Previdência, cujo nome eu não sei mais, entreguei e ele disse: ‘Mas doutora, todos os procuradores aqui são concursados, a senhora não fez o concurso’. Eu disse: ‘Não, mas o doutor Jânio Quadros me nomeou e está aqui o papel’. Ele disse: ‘Está bem, o que eu posso fazer?’ (risos) ‘A senhora não é concursada, mas está aqui o papel’.

Brasileiros – Você conheceu Oswald de Andrade?
L. F. T. –
Oswald. Eu tinha medo do Oswald.

Brasileiros – Por quê?
L. F. T. –
Não é Oswald… Ele bateu um dia na minha cabeça assim com a mão, deu dois coquis, dizendo ‘não sou Óswald, sou Oswaldo de Andrade’. Eu tinha medo dele. Eu estudante de direito, eu respeitava, admirava e tal, mas tinha medo dele, eu gostava era do Mario de Andrade. Mario de Andrade eu me sentia à vontade com o Mario, Oswald de Andrade eu tinha medo.

Brasileiros – Mas por quê?
L. F. T. –
Era o tempo das virgens e dos dinossauros. Eu achava o Oswald muito… eu tinha medo. O Mario de Andrade eu ficava à vontade com ele.

Brasileiros – Ah, ele atacava as virgens o Oswald, é isso? Mas o Jânio também né, costumava…, não sei se nesse tempo, mas o Jânio era um galanteador…
L. F. T. –
É mesmo?

Brasileiros – Ôooooo….
L. F. T. –
Mas aí é que está, com o Jânio não houve uma aproximação maior, o Oswald de Andrade ele entrou na faculdade de direito, ele foi colega do meu pai. Meu pai se formou na faculdade de direito se eu não me engano em 1909 ou 1910. Ele foi colega, o Oswald de Andrade foi colega do meu pai. Meu pai dizia: ‘Ele é muito loucão, mas é inteligente’. Mario de Andrade não, Mario ficou meu amigo, era muito bom porque ele… Ele era uma pessoa admirável, ele lia meus contos, me aconselhava, um dia eu fui na casa dele, na Rua Lopes Chaves e ele tocou piano. Tocava maravilhosamente, ele tocou piano e eu fiquei comovida até às lagrimas ouvindo o Mario tocar piano. Eu gostava muito do Mario de Andrade.

Brasileiros – E escuta, esse mistério permanece, o Mario de Andrade era gay ou não era gay?
L. F. T. –
Não posso dizer, não sei.

Brasileiros – Não dá pra saber?
L. F. T. –
Não dá. Ele era tão meu amigo…, não sei.

Brasileiros – O que se falava do Mario na época, do Mario de Andrade, se comentava alguma coisa ou…?
L. F. T. –
Comentavam, comentavam sim, mas eu me lembro que eu gostava tanto dele que eu ficava quieta. Eu tomava chá com ele na Confeitaria Vienense…

Brasileiros – Na Barão?
L. F. T. –
É, Barão de Itapetininga. Então…, eu não sei, o ser humano é misterioso, eu respeito o mistério de cada um como espero que respeitem o meu mistério. Eu não admitia. Na faculdade de direito era a mesma coisa, eu tinha colegas que supostamente eram gays e tal, eu sentia o preconceito e eles sofriam com o preconceito, mas no meu caso falavam, eu fingia que não ouvia, não respondia não. É porque a natureza humana é tão difícil, é tão dura a nossa passagem nesta vida, é tão complicada, então eu queria, se possível, ser feliz e fui muito feliz com o Paulo Emílio Salles Gomes, ser muito feliz e morrer em paz. Acho que eram essas minhas metas, a reta final, minha reta final.

Brasileiros – Como que era essa questão nessa época, era muito escondido né?
L. F. T. –
Ah, não era como hoje que beijam na boca, também não precisa ficar beijando na boca e tal, beijo na boca nos lugares públicos e tal. Era uma coisa terrível, terrível, terrível. Eu me lembro que eu fiquei contente quando meu filho começou a namorar e eu dizia: Opa, ótimo. Começou muito cedo. Ele era muito bonito, começou a namorar e eu disse, está ótimo. Todo mundo tinha medo.
Lúcia – Tua preocupação era pra ele não sofrer com os preconceitos.
L. F. T. – Isso, pra não sofrer com preconceitos, o homem e a mulher. A mulher também sofre, a lésbica. Eu acho que eu sou louca porque eu nunca tive preconceito nenhum com relação a nada, nem a mulher, nem a homem.

Brasileiros – E como era naquela época o comportamento da sociedade, como que era a sociedade, como era a classe média?
L. F. T. –
As mulheres eram mais recatadas, eu me lembro que o Dener, que era muito…, que tinha um bom gosto extraordinário, eu hoje vejo as mulheres, os costureiros, figurinistas, muito exagerados, coisas ridículas, o Dener tinha um sentimento da elegância, da beleza, profundo, os modelos dele…, eu tinha um vestido que ele…, eu estava casada quando ele fez um vestido pra mim lindíssimo, eu devo ter um retrato com esse vestido, lindo, era discreto, ele olhava, não queria ver a mulher com uma couve-flor na cabeça, ele era contra o exagero, ver a mulher como um ser mais digno sem precisar usar um balde…, aquelas coisas que hoje os figurinistas fazem pra chamar a atenção. Não, ele era um costureiro perfeito. Eu me lembro que meu filho, vou te dar hoje o documentário que ele fez comigo, o Goffredo, que justamente dizia sempre: ‘Ah mãe, eu queria fazer um documentário com o Dener’. Ele tinha a maior admiração pelo Dener porque o Dener vestia as mulheres, as mulheres ficavam tão dignas, tão sérias…

Brasileiros – E você acha que é por ser gay, por ser homossexual que ele tinha esse toque? Você como escritora, o que você pensa dessa questão gay, ou você acha que não tem nada a ver isso?
L. F. T. –
Acho que não entra não porque está cheio de gays também que fazem as mulheres horrorosas…, não, não, esse elemento não entra. Isso é uma questão de…, lá nas cavernas ele tinha uma grande admiração pela mulher e não admitia a mulher empetecada, a palavra é esta, a mulher fazendo plástica, operação plástica com o olho na testa aqui enviesado, essas plásticas aí.

Brasileiros – Já se fazia plásticas na época?
L. F. T. –
Já, já. Poucas, mas se fazia. Dener dizia: ‘A mulher tem que envelhecer bem, tem que aceitar a velhice’. Eu também sempre achei isto. É proibido envelhecer. Não é proibido, não.

Brasileiros – Claro que não, ou envelhece ou morre, não tem outra opção.
L. F. T. –
Ou você morre jovem antes de envelhecer… Agora, eu no meu caso, quis cumprir a minha trajetória, meu caminho até o fim que é hoje, então tem que aceitar a velhice porque se eu não aceitar a velhice, tem que morrer jovem.
Lúcia: E você está linda, forte.

Brasileiros – É, e cada vez mais as pessoas vivem mais…, meu pai está com 92…
L. F. T. –
Agora o Dener, a maior admiração pelo Dener, eu cheguei a falar nele por um motivo simples, meu filho queria muito fazer um documentário, como fez um documentário comigo, um documentário com o Dener. Ele sabia que eu conhecia o Dener e ele dizia: ‘Fala com ele mamãe então’, mas as coisas se precipitaram e o Dener foi embora antes e o meu filho não pôde fazer. Eu preciso achar um retrato que eu tenho com um vestido que ele me fez lindíssimo.
Lúcia – E ele fez o vestido do Baile Verde.
L. F. T. – É. Você me perguntou sobre o negócio do gay, é engraçado que agora eu me lembrei, Arthur Rimbaud, claro, século XIX, era gay e gostava muito da mulher, então ele dizia “Eu, Arthur Rimbaud, já atingi o máximo que a escrita pode atingir, daqui pra frente eu não posso fazer nada tão bom como eu já fiz. Agora só as mulheres, quando as mulheres souberem escrever’. Ele tinha a maior fé na mulher, na mulher como pitonisa, como vidente, ele dizia: ‘É preciso ser vidente’. Ele achava que a mulher era vidente. Como ele também, aí que entra o lado gay dele, ele era vidente. Ele gostava da mulher porque ele achava que ele tinha como a mulher esse lado gay, a mesma vidência, a mulher que vê, vê o futuro, atravessa o tempo, nesse jogo vai além. As grandes pitonisas, as grande videntes eram todas mulheres, como as bruxas. As bruxas eram videntes na Idade Média. Por que as bruxas eram queimadas vivas? Porque elas viam o futuro, e segundo os pensadores da época, pensadores entre aspas, é porque ela tinha relação com o diabo, é porque ela copulava com o diabo. Eram queimadas vivas as bruxas e eram mulheres extraordinárias que eram queimadas vivas. Foi queimada viva Joana D’Arc. Joana D’Arc cavaleira. Não aceitavam a mulher como uma mulher que pudesse avançar no tempo, rasgar os véus e ver. Não aceitavam a mulher.

Brasileiros – Agora, Lygia quando eu te leio, eu me sinto pequenininho perto de você, entendeu? Como é que você consegue captar a alma das pessoas?
L. F. T. –
Aí é que está, eu tenho uma coisa viu meu querido, eu antes de escrever, eu escrevo na cabeça, a coisa vem daqui. Não sei, agora estão analisando tamanhamente o cérebro humano, que estão fazendo um cérebro sem mistério nenhum e de repente, estão examinado demais, estão futucando demais o cérebro, mas não sei onde fica a zona da inspiração, não sei, aqui, aqui, não sei. Primeiro eu escrevo na cabeça, aí vêm as personagens, eu trabalho com elas na cabeça, demora pra eu passar pro papel. Quando eu passo pro papel, as personagens já estão prontas, sentadas no meu colo, aí já vai embora.

Brasileiros – Mas já com aquelas palavras todas ou as palavras aparecem quando…?
L. F. T. –
Aí é devagar, aí é devagar, mas as personagens já trazem as palavras dentro delas. Elas já vêm, elas já se manifestam. É muito misterioso, mas é verdade isso, as personagens nascem dentro de mim e se instalam e depois elas mesmas ditam as regras e eu copio.

Brasileiros – É mediúnico assim?
L. F. T. –
É. Eu acho que é difícil, é o que você falou, é algo mediúnico, algo que a ciência talvez não possa exprimir, não possa expressar. É uma coisa mediúnica, exatamente. É uma coisa qualquer mediúnica que a ciência não pode. alcançar, por mais que os cientistas do mundo extraordinários, aqueles ingleses, norte- americanos, franceses, cutuquem lá dentro… Até localizam, parece que localizaram a inveja no próprio cérebro. Saiu um artigo enorme que disse ‘se você localiza a inveja no cérebro, localiza tudo mais’. Mentira. O mistério é intransponível, é impossível, indetectável. O cérebro é um mistério, aí eu acredito na alma, eu acredito no sopro divino. Eu li há pouco um livro que justamente aproxima a ascendência nossa, o homem primitivo de um macaco. Claro, é o mais próximo do homem, ele ri, ele toca viola, ele faz gestos, põe a mão, é matreiro, é engraçado, repete coisas engraçadas. Até um certo ponto, depois, só o homem. Outro dia eu fiquei muito comovida ouvindo na TV Cultura uma orquestra que tocava na Sala São Paulo, e tinha um violinista que se eu não me engano ele estava tocando Shostakovich, enfim, era tamanha beleza que eu comecei a chorar… violino, sons tão lindos, eu digo: Pronto, macaco por mais que conviva com um violinista, não pode tocar violino. Aí entra o sopro divino. Você está compreendendo? Por mais que ele conviva, ele não toca violino jamais, não só não toca violino, como não compõe Bach, Beethoven, Chopin, ele não compõe o sopro divino. O homem tem dentro de si algo mais que o macaco. Macaco faz as coisas e tal, faz os gestos. Eu convivi com macaquinhos porque na minha infância a gente morava no interior, tinha macaco, papagaio…, tinha um papagaio que dizia: O Lygia, O Lygia… eles aproximam ao máximo do homem… os cachorros… mas chega num ponto e para. Talvez desses ancestrais nossos, o cachorro esteja mais próximo do que o macaco, porque o cachorro é mais profundo, o cachorro chora; o macaco finge e tal, mas o cachorro é mais profundo. Talvez o cachorro seja um ancestral melhor do que o macaco nosso. (risos)

Brasileiros – É verdade que quando você acabou de escrever As Meninas, você chorou?
L. F. T. –
Ah, eu estava numa chácara do meu irmão, era um querido irmão que morava em Barra de São João, distrito do Rio de Janeiro e aonde nasceu, no bairro São João, o poeta do século XIX que foi um poeta romântico, da escola romântica brasileira, Casemiro de Abreu, aonde nasceu Casemiro de Abreu. Eu estava lá nessa chácara, um mar bravio, um mar lindo, mas mais afastado e uma chácara com muita árvore, muita… Eu estava em uma sala sozinha, todo mundo já dormindo, o Paulo Emílio também estava lá dormindo, todo mundo dormindo e eu fiquei e disse: ‘Hoje eu vou terminar esse romance, vou ficar sozinha aqui, vocês vão dormir, vão embora’ e fiquei com a garrafa térmica de café, também um vinho tinto pra animar o coração, uma garrafa, pão, bastante pão, fiquei sozinha, escrevi a última linha. Quando eu escrevi a última linha e a última linha é assim: Me vejo de perfil num espelho embaçado… não, me vejo de perfil num espelho esfumaçado. É Lorena que se olha de perfil, última linha. Aí eu comecei a chorar porque eu tinha perdido as minhas meninas, elas iam embora, elas foram minhas companheiras durante uns dois anos mais ou menos que eu escrevi o livro, um ano e meio, dois anos, elas iam embora e eu comecei a chorar porque eu ia me despedir, como se tivesse vivido junto delas, como seres do meu lado, conversando comigo, discutindo com elas, ora uma, ora outra, ora outra, ora outra. Eu comecei a chorar porque eu ia perdê-las, elas iam embora Uma delas que era a Lorena, Lorena não, perdão, Ana Clara que era drogada, amante de um traficante e que teve uma infância horrível, uma infância na periferia horrível e ela queria só dinheiro pra poder desafiar o mundo que foi tão duro com ela naquela fase, bonita, a Ana Clara era a mais bonita das três e aí quando eu estava me despedindo delas a Ana Clara voltou, sentou no meu colo, porque os personagens também têm vida, é como eu disse, e disse ‘Eu tinha tanta coisa interessante pra dizer, por que você me deixou morrer?’ Eu disse: ‘Mas você vai voltar’. Ela disse: ‘Volto sim, com a máscara, mas eu vou voltar’. Me deu um beijo e eu fiquei animada, acabei tomando meu copo de vinho e fui dormir. Elas voltam mascaradas. As personagens são como nós mesmos, elas gostam de viver, elas querem viver e quando elas morrem, põem uma máscara e você não percebe, mas atrás da máscara está aquela que morreu e vem com outra cara… as máscaras.

Brasileiros – E com As Meninas você conseguiu mostrar a realidade que a imprensa não podia mostrar.
L. F. T. –
Não. Esse livro me parece que tem uma importância grande. São três personagens, a Lorena que é uma jovem rica, sofisticada, virgem, a única virgem das três, rica, sofisticada, virgem, apaixonada platonicamente, é claro, por um homem casado. A segunda, a Ana Clara, loucura por dinheiro, teve uma infância horrenda na periferia com os amantes da mãe, gente da pior qualidade, uma miséria, foi estuprada por um dos amantes da mãe, uma coisa horrível e ela então agora quer se vingar através do dinheiro, ela quer o poder, a Ana Clara que é amante de um traficante. A terceira é uma guerrilheira cujo amante está na Argélia, foi exilado, teve que fugir porque ele é comuna, paixão por Che Guevara, é justamente a guerrilheira, a Lia, que chamam de Lião. Baiana, a família toda tradicional, essas coisas loucas todas que aparecem. O pai dela é um alemão fugitivo do nazismo, a mãe uma baiana bem baiana e tal, felicíssima em Salvador, ela nasceu ali a Lia Lião. E então por essa época, querido, quando estava escrevendo o livro, eu recebo um panfleto de um sujeito que eu não conhecia, se eu não me engano ele era um engenheiro que deve ter morrido porque desapareceu, um panfleto contando a tortura dele no DOI-Codi. Eu morava com o Paulo Emílio na Rua Sabará, Rua Sabará, 400, perto da Polícia Federal, aonde diziam os vizinhos ouviam gemidos, gritos nos porões, onde eram torturados os presos políticos da ditadura militar. Quando eu recebi esse panfleto, eu disse:”Paulo, eu recebi esse panfleto…, e eu queria aproveitar esse panfleto no livro que eu estou escrevendo”, e ele disse: ‘Você aproveita, mas cuidado porque o livro pode ser censurado’. Claro, os livros todos censurados, Rubem Fonseca, todos os autores sendo censurados, os livros eram arrancados das livrarias, chegava lá a patrulha e arrancava da vitrine, queimava e tal. Era uma censura terrível em relação a teatro, a música, literatura, tudo. Aí ele disse: ‘Eu também recebi esse panfleto. É ótimo’. Eu digo: ‘Eu estou com vontade de aproveitar no meu livro’. Ele disse: ‘Então por que você não taca esse panfleto?’. Conselho do Paulo, político extraordinário da esquerda, trotskista. ‘Por que você não mete esse panfleto na boca de um personagem?’ Eu disse: ‘Ai Paulo’, cheguei e dei um beijo nele. Já sei, vou meter na boca da Lia, mas de um jeito que se o livro for censurado não me atinja, porque até então é a personagem que…, então ótimo ele disse, vai, taca aí. Então eu pus na boca da Lião, da Lia, o panfleto de um amigo dela que foi torturado, mas ela lendo o panfleto pra quem? Pra Madre Alix, a dona do pensionato. Quer dizer, eu quis cercar uma atmosfera de religião inclusive pra evitar a censura. Um dia chega o Paulo em casa radiante com uma garrafa de vinho francês. Ele gostava de vinho francês, morou na França, vinho francês, aí propôs: ‘Hoje nós vamos beber em homenagem ao romance As Meninas’. Ele gostava muito do romance. ‘Então vamos beber, sabe por quê? Eu soube que um censor começou a ler seu livro, chegou até a página vinte, achou muito chato e não foi adiante. Você escapou. O panfleto está na página duzentos..’

Brasileiros – Mas Lygia, só me fala uma coisa, o pai da Tatisa no Antes do Baile Verde, morreu ou não morreu, afinal? Só você pode saber. Aquilo me parece meio Capitu.
L. F. T. –
O pai?

Brasileiros – Sim, o pai da moça.
L. F. T. –
Ah, maravilha, maravilha. Ninguém abre sua porta pra ver o que aconteceu. O Paulo Emílio gostou muito de uma frase que eu escrevi que é a seguinte, antes de descerem a escada e fugirem as duas, a empregada pergunta: ‘Vamos deixar a luz acesa? A casa inteira iluminada.’ Aí Tatisa diz: ‘Vamos. A casa fica mais alegre assim.’ Outra frase muito boa também que o Paulo gostava: ‘Ele viveu sessenta e seis anos, não podia viver mais um dia?’ A festa. Ninguém abre a porta, não abrem a porta. Como nós fizemos também, eu e o Paulo quando escrevemos o roteiro de Capitu.

Brasileiros – Eu vi o filme.
L. F. T. –
A minha primeira impressão de Capitu é de uma santa, com um chato de um marido inseguro, invejoso, com inveja de um amigo que era bonito e ele era feioso, sem graça, o amigo era lindo, com inveja do amigo que era um psicopata. É uma confissão, toda confissão – eu aprendi na faculdade de direito -, toda confissão é suspeita. A confissão é dele, de Dom Casmurro; é suspeita. Então primeira impressão, Capitu uma pobre de uma menina, casada com um chato de um homem invejoso, ciumento, um psicopata, quase um psicopata. Segunda leitura: não, a moça não é tão inocente assim não. A coisa não é assim não como eu pensei. A Capitu é dissimulada, ela é arguta, ela quer subir na vida, pegou o tal do seminarista, agora o amigo do seminarista, um homem charmoso, interessante, ficou assim amante dele na segunda leitura. Terceira leitura que eu fiz com o Paulo, aí eu pensei: Ah meu Deus, essa é a terceira leitura. E essa terceira leitura? O Paulo disse: “Kuko”, ele me chamava de Kuko, ele gostava de pôr apelidos o Paulo…

Brasileiros – Cuco, relógio cuco?
L. F. T. –
Porque a avó dele era uma inglesa que tinha um relógio cuco muito bonito, veio da Inglaterra, mas o cuco do relógio, o passarinho quando abria a porta dava sempre as horas atrasadas, então ele me chamou de Kuko porque ele achava que eu me atrasava muito nos compromissos. Ele ia pro cinema…, ‘Kuko, vamos, a fita vai começar. Kuko, vamos no almoço’, eu me atrasava um pouco. Kuko, eu fiquei Kuko como o relógio da avó dele inglesa, mas por que que eu estou contando isso?

Brasileiros – Você estava falando da Capitu, a terceira leitura.
L. F. T. –
Ah! tá, terceira leitura, terceira leitura. Então aí ele disse: ‘Kuko, nós temos que ficar acima de qualquer suspeita como o próprio mar, como o próprio mar’.

Brasileiros – Ele falava isso de improviso assim?
L. F. T. –
Muito, muito. Como o próprio mar. Acima de qualquer suspeita, como o próprio mar, ninguém sabe, nós não sabemos, o leitor resolve, e é por isso que o livro Dom Casmurro está vivo até agora. Porque é o leitor que escolhe, ora uma coisa, ora outra, nós não somos juízes, não vamos julgar nada, O leitor que resolva, como fez o próprio Machado de Assis.

Brasileiros – Eu acho que você é um Machado de Assis de saias, e você tem a capacidade também de trazer pra fora o que vai na alma das pessoas…
L. F. T. –
Não se pode esclarecer as coisas. A gente não esclarece nada, nada.

Brasileiros – Você conheceu a Clarice Lispector?
L. F. T. –
Conheci. Eu tenho um retrato dela aí quando nós viajamos para a Colômbia, na universidade de Medelin, em um congresso sul-americano de escritores. Fui com ela no mesmo avião. Vieram as turbulências, eu estava assim dura e aí veio a Clarice que era ótima, ela falava assim com a língua presa. Eu pensei que fosse, querido, a origem dela porque ela era da Polônia…

Brasileiros – Ela era russa como eu, ucraniana.
L. F. T. –
É, ucraniana, mas não era isso, ela tinha a língua presa. Ela disse (imita a voz da Clarice Lispector): ‘Lygia, não fica com medo, porque o avião não vai cair, a cartomante leu as minhas cartas antes de eu vir pra cá. Eu vou morrer na cama’. Aí eu disse: ‘Então está bom’. (risos). Aí peguei a mão dela, apertamos a mão até descer o avião. Eu vou morrer na cama. Na volta da Colômbia eu quis vir com ela, mas não houve jeito do mesmo avião. (risos) Mas a viagem foi ótima. Eu tenho um retrato com ela…

Brasileiros – Você com ela?
L. F. T. –
Eu, ela e um escritor maravilhoso que escreveu um livro chamado Zama, não sei o quê Benedetto (Antonio Di Benedetto), ele está aqui no meio de nós duas e a Clarice séria porque a Clarice dizia: ‘Não ria em retrato. Não ria porque não levam a mulher a sério quando a mulher ri. Faça cara firme, cara feia, se puder até feia, até brava’. Você não vê um retrato da Clarice rindo. Eu com a Clarice fugíamos muito das reuniões porque eram muito chatas, nós íamos no bar…, o vinho da Colômbia é ótimo e o cigarro também é muito bom. Então nós íamos fumar e beber no bar, depois chegávamos com uma cara muito séria pra dizer que tínhamos participado daqueles encontros chatérrimos. (risos)

Brasileiros – Lygia, você disse quando você estava mudando para a Companhia das Letras, que mudar de editora é mais complicado que trocar de marido, é isso mesmo, é mais complicado?
L. F. T. –
É muito mais complicado do que trocar de casa, é melhor não falar de marido porque eu fui casada com o Goffredo e já começa aquelas conotações, ele está vivo, então fala que é melhor mudar de casa, é mais difícil do que mudar de casa.

Brasileiros – O Goffredo está vivo com quantos anos?
L. F. T. –
O Goffredo está vivo.

Brasileiros – Com quantos anos ele está?
L. F. T. –
Ele vai fazer aniversário agora.
Lúcia – Ele faz noventa e seis. Noventa e cinco, noventa e seis.
L. F. T. – Eu não tenho esses preconceitos, essas bobagens, mas de repente a mulher dele não gosta de mencionar, ele tem uma filha e tal, então por isso que eu menciono pouco o meu casamento, apenas, claro, casei-me com ele, tenho que dizer, mas em redor dele eu prefiro não tecer comentários, está compreendendo? Então ao invés de mudar de marido, vamos dizer mudar de casa (risos).

AULA DE DEMOCRACIA
do professor Goffredo

A 8 de agosto de 1977, o professor Goffredo da Silva Telles leu, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, um dos mais contundentes textos de contestação à ditadura militar vigente no País, intitulado “Carta aos Brasileiros”, de sua autoria, que foi e continua sendo uma aula de democracia. A seguir, alguns trechos:

– Toda lei é legal, obviamente. Mas nem toda lei é legítima. Sustentamos que só é legítimaa lei provinda de fonte legítima.

– O único outorgante de poderes legislativos é o Povo. Somente o Povo tem competência para escolher seus representantes. Somente os Representantes do Povo são legisladores legítimos.

– Há uma ordem jurídica legítimae uma ordem jurídica ilegítima. A ordem imposta, vinda de cima para baixo, é ordem ilegítima.

– Ninguém se iluda. A ordem social justa

não pode ser gerada pela pretensão de governantes prepotentes. A fonte genuína da ordem não é a Força, mas o Poder.
– Ilegítimo é o Governo cheio de Força e vazio de Poder.- O Poder, a que nos referimos, não é o Poder da Força, mas um Poder de persuasão.- Denunciamos como ilegítimo todo Governo fundado na Força. Legítimo somente o é o Governo que for órgão do Poder.- A nós nos repugna a teoria de que o Poder não é mais do que a Força. Para nossa consciência jurídica, o Poder é produto do consenso popular e a Força um mero instrumento do Governo.- Chamamos de Ditadura o regime em que o Governo está separado da Sociedade Civil. Ditadura é o regime em que a Sociedade Civil não elege seus Governantes e não participa do Governo. Ditadura é o regime em que o Governo governa sem o Povo. Ditadura é o regime em que o Poder não vem do Povo. Ditadura é o regime que castiga seus adversários e proíbe a contestação das razões em que ela se procura fundar.


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