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Lançado pela EMI 
em 1959, o álbum Chega de Saudade, estreia do baiano João Gilberto, definiu estatutos para a bossa nova, gênero musical preconizado em trabalhos anteriores de artistas como Johnny Alf, Luiz Bonfá e Dick Farney. Sofisticada e moderna, a bossa expandiu horizontes musicais e comportamentais da geração marcada pelo ímpeto desenvolvimentista do presidente Juscelino Kubitscheck. Foi no começo dos anos 1960 e no coração de Copacabana, mais precisamente na Duvivier, rua sem saída a poucos metros da orla da praia, que o Beco das Garrafas fez história.

Retomada - O maestro Tom Jobim, a cantora Miúcha e o compositor Durval Ferreira, que reabriu o Little Club no início dos anos 1990  - Foto: Marcos Pinto
Retomada – O maestro Tom Jobim, a cantora Miúcha e o compositor Durval Ferreira, que reabriu o Little Club no início dos anos 1990 – Foto: Marcos Pinto

O antro boêmio foi estabelecido a partir da movimentação noturna de três boates: Bacará, Bottle’s e Little Club. As duas últimas eram propriedade dos irmãos Alberico e Giovanni Campana. Foi no ambiente diminuto e esfumaçado das casas noturnas dos Campana que a revolução liderada por João Gilberto tomou curso e derivou outras transformações, como o novo gênero instrumental herdeiro da bossa nova, o samba-jazz, praticado por grupos como Bossa Três, Tamba Trio, Sexteto Bossa Rio e Copa 5, quinteto liderado pelo saxofonista J.T. Meirelles, que acompanhou Jorge Ben Jor em seu álbum de estreia, Samba Esquema Novo, lançado em 1963.

Samba jazz - O Copa 5 se apresenta no Bottle’s. Liderado pelo saxofonista J.T. Meirelles, o quinteto foi um dos artífices do novo gênero instrumental derivado da bossa nova - Foto: Marcos Pinto
Samba jazz – O Copa 5 se apresenta no Bottle’s. Liderado pelo saxofonista J.T. Meirelles, o quinteto foi um dos artífices do novo gênero instrumental derivado da bossa nova – Foto: Marcos Pinto

Vitrine de estrelas da MPB, como Dolores Duran, Elis Regina, Claudette Soares, Marcos Valle, Sergio Mendes, Baden Powell, Raul de Souza e Airto Moreira, o Beco teve o vulgo originado da reação de alguns moradores de edifícios do entorno, que passaram a jogar das janelas de seus apartamentos objetos diversos. Alguns, mais irritados, atiravam garrafas para manifestar o descontentamento com o barulho produzido pelos boêmios. Atento ao risco de alguém sair machucado, o cronista Stanislaw Ponte Preta passou a tratar o local como “beco das garrafadas”, logo reduzido pelos frequentadores para Beco das Garrafas. Um marco na memória recente do Rio de Janeiro, o espaço ficou abandonado por quase 30 anos, com algumas tentativas de revitalização, como a do compositor Durval Ferreira que, por um breve período, reabriu o Little Club nos anos 1990.

Sonho - Filha de Durval Ferreira, a cantora e produtora Amanda Bravo realizou, com o sócio Sergio de Martino, o desejo do pai de revitalizar o Beco das Garrafas - Foto: Marcos Pinto
Sonho – Filha de Durval Ferreira, a cantora e produtora Amanda Bravo realizou, com o sócio Sergio de Martino, o desejo do pai de revitalizar o Beco das Garrafas – Foto: Marcos Pinto

Gato – apelido de Durval, por conta dos olhos azuis – também fez parte da história da bossa nova, na autoria de clássicos como Batida Diferente (parceria com Mauricio Einhorn) e Estamos Aí (escrita a seis mãos com Einhorn e Regina Werneck). Era também assíduo no Beco das Garrafas, apresentando-se ao lado de outros artistas e liderando conjuntos como o combo de samba-jazz Os Gatos. Ao longo dos anos 1960 e 70, ele também atuou como produtor e diretor artístico. Envolvimento que influenciou a escolha profissional de sua filha, a cantora e produtora Amanda Bravo, responsável, ao lado do sócio Sergio de Martino, pela revitalização do Beco das Garrafas, com a reabertura do mítico Bottle’s, em dezembro de 2013.

Em entrevista à Brasileiros, Amanda contou que a realização do sonho do pai de ver o Beco voltar à ativa, demandou esforço coletivo. “Conheço um monte de músicos que estavam carentes de espaço para tocar e procurei o Sergio, que é dono do imóvel do Little Club e foi sócio do meu pai na reabertura dos anos 1990. Fizemos um mutirão com alguns amigos, eu mesmo ajudei a pintar as paredes, e reabrimos o Bottle’s.”

História - Mural fixado no Bottle’s lista mais de 120 artistas que se apresentaram na boate. Entre eles, Elis Regina, Eumir Deodato e até o flautista americano Herbie Mann - Foto: Marcos Pinto
História – Mural fixado no Bottle’s lista mais de 120 artistas que se apresentaram na boate. Entre eles, Elis Regina, Eumir Deodato e até o flautista americano Herbie Mann – Foto: Marcos Pinto

A volta do espaço fez tamanho sucesso que, em setembro de 2014, a cervejaria Heineiken decidiu apoiar Amanda e Martino, e eles também reabriram o Little Club. Artistas da nova geração, como João Sabiá e Victor Bertrami, e veteranos, como Alaíde Costa e João Donato, têm atraído um público diverso, de “18 a 80 anos”, segundo Amanda. A história musical da Cidade Maravilhosa agradece.


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