Não é exagero dizer que o Metá Metá é a melhor banda do Brasil atualmente. Sua força é resultado do encontro de três das personalidades mais intensas da nova música brasileira, a facção mais radical do epicentro de uma nova musicalidade paulistana. De um lado estão as seis cordas do punk Kiko Dinucci, que se reveza entre a guitarra e o violão, entre o ruído e o samba de raiz, que alinha Jorge Ben Jor, Jards Macalé e Joey Santiago no mesmo instrumento. Do outro lado está Thiago França, saxofonista boxeador que se entrega ao sopro num descarrego que une gafieira e free jazz, Nick Cave e roda de choro. Ao centro está a melhor cantora do Brasil atualmente, Juçara Marçal, com postura de rainha e força de guerreira, que vai do mais triste acalanto a improvisos noise de fazer Yoko Ono sorrir.
O trio chega ao terceiro disco – batizado apenas de MM3 – com o reforço já habitual da cozinha formada pelo maestro e baixista Marcelo Cabral e pelo baterista Sergio Machado. “É o Metá Metá estendido”, brinca Juçara. “Fazemos shows em trio, e quando eles não podem chamamos outros músicos. O quinteto é algo que se consolidou a partir das várias formações que fomos experimentando nos diversos projetos que fizemos ao longo do tempo. Com os shows desse disco ficou claro para a gente que o som ficava mais direto e pesado como quinteto. E assim foi.”
“Eu, Thiago e Ju compusemos primeiramente uns esqueletos, temas sem letras, letras sem música e depois ensaiamos com Cabral e Serginho e começamos a elaborar detalhes de arranjos até chegarmos no resultado final”, conta Kiko Dinucci. “A gente entrou no estúdio com as músicas compostas e os arranjos mais ou menos definidos nos poucos ensaios que fizemos”, lembra Thiago. “Por ‘definidos’, entenda-se que uns são mais fixos, exatos, outros são combinados bastante maleáveis, sem número certo de compassos, sem muitas marcações.” Kiko também reforça que esta foi a primeira vez que os três integrantes compuseram juntos. O disco foi gravado em três dias. “Foi louco”, conta Juçara, “porque saí dos três dias de gravação com uma sensação estranha. Era tudo tão diferente de tudo que havíamos feito antes, que parecia não haver nexo naquele jorro sonoro todo. Mas chegando em casa, ouvindo o bounce, tudo foi fazendo um baita sentido. E havia uma coerência forte entre as faixas, uma narrativa potente construída ali. Foi massa essa surpresa.”
O resultado é uma usina sonora que às vezes parece rezar uma oração e em outras um chamado de guerra. A virulência instrumental do quinteto se desdobra em riffs elétricos, melodias hipnóticas, grooves espartanos e rodas percussivas. O disco abre com a climática Três Amigos, que parece ter saído de uma trilha western de Ennio Morricone com participação do saxofonista Cannonball Adderley, e termina com o épico Oba Koso, que leva o Sonic Youth a um terreiro. No meio, há momentos líricos, como a conexão entre a música nordestina e a canção árabe de Angolana, o casamento de Morphine com Nação Zumbi em A Imagem do Amor e o ataque certeiro de Corpo Vão. Um disco que mesmo nos momentos mais sensíveis não perde um centímetro de intensidade.
O grupo também é conhecido por não fazer concessões à toa. Recentemente Thiago esbravejou nas redes sociais dizendo que não quer pertencer ao chamado mainstream e os três são conhecidos ativistas contra o retrocesso político representado pela figura do presidente postiço Michel Temer – os cartazes que Kiko, também artista plástico, fez contra este novo governo ganharam as ruas e tornaram-se símbolo do protesto contra o golpe.
“A gente não faz música de protesto, no sentido Geraldo Vandré do termo”, explica Kiko. “Costumamos abordar os temas políticos com mais abstração. Agora, fora do campo musical, tem a nossa atuação política, que vai desde disponibilizar nossa música de graça e se autoproduzir até participar de alguma ação em que acreditamos, como as ocupações nas escolas estaduais, ou questões de transporte e moradia, contra o racismo, o fascismo. Desta maneira acabamos assumindo uma postura política, principalmente neste momento em que os setores conservadores e reacionários avançam tanto.”
Thiago questiona quando pergunto se a música brasileira parou de protestar. “Ainda não dá para medir, mas acho que, com a queda das gravadoras, muitos artistas se preocuparam mais em fazer hits, ignorando muitos assuntos. Tem muita gente que cresceu nos anos 1980 de forma muito despolitizada, longe desses assuntos. Mas com certeza isso vai mudar.”
Os três não veem com bons olhos o futuro próximo do País. “Eu acho que a gente está num péssimo tempo, o fascismo perdeu a vergonha e saiu do armário”, explica Dinucci. “O bom disso é que os inimigos estão mais revelados. Mas me desespera muito ver crescer esse setor conservador e a expansão desenfreada do autoritarismo. Isso não é coisa só da direita, a esquerda também comprou esse discurso. Não é problema só nosso, isso está acontecendo no mundo todo.”
“A crise vai se acirrar, o ódio vai desembocar em tragédias que farão o cidadão perceber o quanto foi ingênuo, o quanto foi manipulado”, profetiza Juçara. “Vai ser um aprendizado brutal… Pareço muito pessimista, né? Mas sou otimista quanto à garotada dos movimentos estudantis – é o que para mim soa mais original em termos de atitude política.” Thiago resume o que nos espera com poucas palavras: “Muita turbulência e aprendizado lento.”
Em outras palavras, o Metá Metá está pronto para enfrentar o dragão da maldade. Pode vir.
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