Houve uma vez um Verão do Amor. Retrato vívido da atmosfera de sonho coletivo que cooptou parte expressiva da juventude ocidental em 1967, o álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band completa, com frescor intacto, meio século de seu lançamento no próximo dia 1° de junho. Longe de configurar episódio isolado de ousadia estética, o oitavo LP dos Beatles amplificou experimentações presentes no trabalho lançado no ano anterior, o essencial Revolver, e difundiu estatutos de uma nova era de invenção para o rock, também ensaiada em 1966 por grupos como Beach Boys, na obra-prima Pet Sounds, e The Kinks, em alguns temas do sublime Face to Face.
Herdeiros de movimentações subterrâneas da cultura norte-americana – como as proposições de vanguarda do jazz bebop e o existencialismo hedonista da geração beat –, os jovens que protagonizaram o Verão do Amor tiveram como pautas de sua política de transformação comportamental as defesas do sexo livre e do pacifismo, o combate ao racismo, a interação com a natureza e a expansão da consciência por meio do uso recreativo de substâncias lisérgicas, como a maconha, o haxixe e o LSD – esta última, como sabemos, aludida nas iniciais de Lucy in the Sky with Diamonds, de Sgt. Peppers.
Em 1966, essa busca por transcendência, que teve a música como principal vitrine, foi sintetizada no título de um álbum homônimo falado. Nele, o psiquiatra norte-americano Timothy Leary, notório pelas pesquisas inaugurais sobre o uso do LSD, cunhou a expressão “turn on, tune in, drop out!” (em tradução livre, “se ligue, sintonize, caia fora!”). Em 14 de janeiro de 1967, essa sentença reverberou novamente em um discurso proferido por Leary durante a abertura do Human Be-In, festival embrionário do Verão do Amor, que reuniu mais de 20 mil jovens no Golden Gate Park, em San Francisco. Organizado pelo artista plástico Michael Bowen e o poeta Alan Cohen, o encontro reuniu, entre outros, o ativista Jerry Rubin, fundador do YIP (sigla em inglês de Partido Internacional da Juventude), os poetas beat Allen Ginsberg, Gary Snyder e Lawrence Ferlinghetti e bandas locais pioneiras do psicodelismo, como Grateful Dead, Jefferson Airplane e Quicksilver Messenger Service.
Com o aval científico de pesquisadores como Leary, o LSD foi comercializado para fins psiquiátricos até outubro de 1966. A substância, que era produzida e distribuída pelo laboratório suíço Sandoz, inspirou um dos primeiros temas lisérgicos dos britânicos do The Animals, a composição A Girl Named Sandoz, lançada em compacto no mesmo ano da proibição. Pouco antes, em 1962, um grupo de proto-hippies denominado Merry Pranksters (algo como “festivos gozadores”) e liderado pelo escritor Ken Kesey, autor do clássico Um Estranho no Ninho, deu início a experiências de uso coletivo de LSD em uma comunidade alternativa sediada em La Honda, na Califórnia.
Em 1964, Kesey decidiu comprar um velho ônibus escolar, cobriu a lataria de temas e cores psicodélicos e fez adaptações, como incluir um sistema de áudio para que os músicos que viajassem no utilitário pudessem “transar” um som. Com o neologismo furthur como itinerário (um trocadilho entre as palavras além e futuro), municiado de LSD diluído em litros de suco de laranja, Kesey caiu na estrada com o escritor beat Neal Cassidy, que inspirou o personagem Dean Moriarty de On The Road, de Jack Kerouac, ao volante. O drop out rodoviário tinha um propósito bem definido: cruzar o máximo de cidades norte-americanas e identificar voluntários dispostos a realizar os chamados “acid tests” (a excursão tresloucada foi retratada no livro O Teste do Ácido do Refresco Elétrico, lançado em 1968 por Tom Wolfe.)
Quando Sgt. Peppers foi colocado na praça, ações desbundadas como o Human Be-In e a itinerância chapada dos Pranksters proliferavam com a mesma desenvoltura com que Jimi Hendrix solava sua Fender Stratocaster. Nas páginas a seguir, reunimos 30 álbuns que chancelam: 1967 foi mesmo um ano mágico para a música. Não por acaso, a influência dos sonhos e os sons multicoloridos vindos de fora logo ressonaram no Brasil, com a insurreição tropicalista de Caetano Veloso, Gilberto Gil e os Mutantes no Festival da Música Popular da TV Record daquele mesmo ano. A onda bateu tão forte que, em 1967, até mesmo Ronnie Von mergulhou no psicodelismo.
Alguns títulos selecionados aqui, de bandas como Rolling Stones, The Doors e The Who, são mais conhecidos, mas todos podem ser ouvidos em plataformas de streaming como YouTube, Spotify e Deezer, escolha a sua. Antecipamos, no entanto, que todos estão disponíveis, via clique nos títulos, destacados em amarelo, no Youtube. Boa viagem! (M.P).
POR DANIEL DE MESQUITA BENEVIDES
The Doors – The Doors (janeiro) Com um mix original de jazz, rock e blues, e um vocalista que parecia um Prometeu erótico, os Doors logo se tornaram uma das bandas mais incendiárias da história. Tanto neste primeiro álbum quanto em Strange Days, de dezembro de 1967, Jim Morrison, Ray Manzarek, Robbie Krieger e John Densmore gravaram canções inesquecíveis, que se equilibravam entre o hedonismo sem culpas (Love Me Two Times) e incursões às turbulências da psique (The End, com seu famoso “breque” edipiano). Light my Fire ganhou as paradas e When the Music is Over virou ponto alto nos shows, muitos deles conturbados por histeria de fãs e intervenções policiais. Como Hendrix e Janis Joplin, Morrisson morreu cedo, aos 27. E entrou para a mitologia. |
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Country Joe & The Fish – Electric Music for the Mind and Body (abril) Nenhum grupo de San Francisco foi mais politizado que o Country Joe & the Fish, cujo nome faz referência a Stalin e Mao. No disco de estreia, anterior a dois EPs independentes, essa politização também se dirigia ao corpo, como bem diz o título. Amor, sexo livre, legalização das drogas, defesa dos direitos civis e pacifismo contra a guerra do Vietnã faziam parte das preocupações da banda, presença constante nas manifestações de estudantes, hippies, beats e trabalhadores. Três bons exemplos desse álbum a um só tempo viajante e pé no chão: a divertida Superbird ridiculariza o presidente Lyndon Johnson; Base Strings conclama ao uso de LSD e Grace faz uma declaração de amor a Grace Slick, musa do Verão do Amor. |
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The Jimi Hendrix Experience – Are You Experienced (maio) Quem pichou “Clapton is God” errou feio: deuses de verdade eram John Coltrane e Jimi Hendrix. Não apenas porque tocavam divinamente, mas também porque foram longe em suas investigações sônicas. Hendrix adorava explorar as possibilidades de estúdio (vide If 6 Was 9) e as distorções na guitarra. Ao mesmo tempo, era um grande vocalista, de um flow suave e malandro (no melhor dos sentidos), que fazia um contraste perfeito com a violência sensual de seus solos. Ao seu lado, o baixista Noel Redding e o sensacional baterista Mitch Mitchell formavam a melhor cozinha da época. Purple Haze, Hey Joe e Foxy Lady, entre outras, eternizaram o trio. O segundo álbum, Axis: Bold as Love, do mesmo ano, também é uma obra-prima. |
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Frank Zappa & The Mothers of Invention – Absolutely Free (maio) Sem as canções mais “pop” de Freak Out!, este segundo álbum de Zappa e seu combo californiano é uma colagem louca e livre de sons, cuja unidade é a sátira sócio-política e o pastiche de gêneros, que vão do rock primitivo de Louie, Louie à vanguarda clássica de Stravinski. É a obra mais experimental do começo da carreira do guitarrista e compositor, e mesmo assim chegou ao Top 50 nos EUA. Anarquista convicto, Zappa também tira sarro do presidente americano logo na primeira faixa e não poupa nem mesmo os amigos hippies e psicodélicos. Como desprezava as drogas e os junkies, ele é provavelmente o único artista dessa seleção que nunca tomou LSD. Sua inteligência alucinante era suficiente para qualquer viagem. |
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The West Coast Pop Art Experimental Band – Part One (maio) Banda bastante peculiar, mesmo para os padrões psicodélicos. Formada em Los Angeles, em 1965, era tida como a resposta da costa oeste ao Velvet Underground. Tiveram vida curta e apenas o álbum inicial atingiu a boa dosagem entre psicodelia, experimentação, certo desleixo bem-humorado, harmonias vocais à Byrds e melodias típicas da chamada Invasão Britânica. Há alguns covers, de Zappa e Bob Johnston, mas o que conta é a inventividade dos arranjos, a estranheza (às vezes sutil, outras escancarada) das canções e a dinâmica morde-e-assopra da narrativa musical, alternando faixas sombrias e ensolaradas. Bom antídoto para qualquer momento de tédio. Mas cuidado com a dosagem: convém consumir com moderação. |
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The Red Crayola – The Parable of Arable Land (junho) Um dos álbuns pioneiros do rock experimental, em que ruídos e barulhos de toda espécie fazem parte da festa, The Parable of Arable Land é uma aventura sonora inesquecível (e perturbadora), bem diferente do espírito hippie da época. Ninguém sabia tocar direito, mas as ideias explodiam como estrelas novas. Ali já estavam contidas a atitude do-it-yourself do punk e o tom sombrio e esquizoide do pós-punk, movimento (se é que dá para chamar assim) do qual o grupo, texano como os 13th Floor Elevators, iria participar, numa nova encarnação em torno do líder Mayo Thompson, incluindo integrantes das bandas X-ray Spex, Swell Maps e Raincoats. Thompson ainda teve uma passagem pelo lendário Père Ubu. |
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Moby Grape – Moby Grape (junho) Uma das bandas mais subestimadas da história do rock. Melhor que seus amigos de San Francisco, o Jefferson Airplane e o Grateful Dead, a Moby Grape tinha três geniais guitarristas e cinco ótimos vocalistas. De quebra, todos compunham. A produção do disco de estreia, um dos grandes lançamentos dos anos 1960, é de um frescor tal que parece que foi gravado hoje. Melodias bonitas, harmonias arrepiantes e um entusiasmo contagiante quase fazem esquecer a trajetória triste do quinteto, que, não fossem os cartolas da música, as prisões por porte de drogas e as brigas internas (além da esquizofrenia de Skip Spence, que dois anos depois lançaria o lindo e alucinógeno Oar), teria sido tão popular quanto Beach Boys e Byrds. |
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Pink Floyd – The Piper at the Gates of Dawn (agosto) As duas primeiras músicas formam um dos começos mais arrebatadores do rock. Astronomy Domine e Lucifer Sam definem a origem do Floyd: órgão viajante (quando não sinistro), metáforas espaciais, guitarras levemente distorcidas, efeito nos vocais, melodias doces e estranhas, baixo e bateria beirando uma síncope. Interestellar Overdive é outro ponto alto: corta o disco inaugural da banda como um raio cósmico. Syd Barrett ainda não tinha pirado ompletamente com o LSD no chá das cinco (e das seis, sete….). Suas composições, entre o infantil e o lunático, que por vezes fazem lembrar Lewis Carroll, revelam um talento nunca igualado. Nem mesmo os Beatles, gravando no mesmo estúdio, o lendário Abbey Road, fizeram melhor. |
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Vanilla Fudge – Vanilla Fudge (agosto) Ponte direta entre o rock psicodélico e o heavy metal, o Vanilla Fudge influenciou decisivamente bandas como o Deep Purple e o Led Zeppelin, que chegou a abrir alguns shows do quarteto de Long Island (Nova York). Guiado por um Hammond pantanoso, o Fudge gravou vários covers no bem-sucedido álbum de estreia, que chegou ao sexto posto na parada americana. Entre eles, Ticket to Ride e Eleanor Rigby, dos Beatles, e People Get Ready, do imbatível soulman Curtis Mayfield. A novidade estava no andamento mais lento e pesado das versões, de forma que as canções ficavam quase irreconhecíveis, proporcionando um clima de chapação forte. Além do organista Mark Stein, o destaque era o batera Carmine Appice. |
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Procol Harum – Procol Harum (setembro) Para quem só conhece A Whiter Shade of Pale, single tocado em toda rádio rock que se preze, o primeiro disco da banda inglesa deve ser uma boa surpresa. O estilo é ousado: um pré-progressivo com pegadas alternadas de pop e hard-rock, piscadelas ao clássico e à música de vaudeville ou dance-hall (algo, aliás, bem típico das bandas inglesas da época, vide Beatles e Kinks) e vocais de soul branco. Há melodias que grudam no ouvido e climas de órgão e piano fazendo cama para letras sombrias, cheias de imagens sugestivas. Depois gravaram outros álbuns tão bons ou até melhores, como A Salty Dog, de 1969. Recentemente voltaram a se reunir e lançaram uma nova coleção de inéditas, Novum, com elogios da crítica. |
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Beach Boys – Smiley Smile (setembro) Este é o primeiro disco do grupo em que a liderança de Brian Wilson não se traduz na música. Se a banda perde o lado mais experimental e sublime, revelado um ano antes na obra-prima Pet Sounds, parece ganhar em coesão e entusiasmo. A coesão está em Smiley Smile, um disco que frustrou muita gente na época, pois lançado depois das especulações sobre o inacabado Smile (que, bem mais tarde, ganharia várias edições especiais). Na verdade, é muito bom, trazendo grandes harmonias vocais e esquisitices divertidas. Além disso, tem Heroes and Villains e Good Vibrations, dois dos melhores singles dos anos 1960. No quesito entusiasmo está o álbum Wild Honey, do mesmo ano, com uma pegada mais solta, beirando o soul. |
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The Electric Flag – The Trip Original Soundtrack (setembro) Um sujeito careta toma ácido pela primeira vez e sai pelas ruas de Los Angeles. Passa por festas, casas noturnas, praias. Cores, luzes e sons explodem em sua mente e na do espectador. Ele é Peter Fonda. O roteiro é de Jack Nicholson. O filme, The Trip, é de Roger Corman, lenda do cinema B. A trilha sonora faz o acompanhamento perfeito para as aventuras lisérgicas na tela. É o primeiro lançamento da banda Electric Flag, fundada pelo guitarrista Mike Bloomfield, que fez história em alguns dos melhores discos de Bob Dylan. Todo instrumental, o álbum traz breves suítes de um psicodelismo impressionista e alguns blues funkeados, especialidade de Bloomfield. Bom clima para qualquer temperatura, em qualquer época. |
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Tim Buckley – Hello, Goodbye (setembro) Um dos vocalistas mais impressionantes dos anos 1960, não apenas pelo alcance extraordinário, mas também pela entrega emocional, Tim Buckley teve vida curta e morte trágica, como seu filho, Jeff Buckley, igualmente talentoso e mais conhecido pelas novas gerações. Era uma figura romântica, sempre em busca de um ideal, não importando as consequências. Construiu uma carreira não comercial, com mudanças de estilo e um direcionamento crescente para improvisações jazzísticas e experimentais, o que contrastava muito com o folk-rock gentil e poético do homônimo primeiro disco. Tinha apenas 21 anos em Hello, Goodbye, o seguinte. É seu álbum mais abertamente psicodélico, com belas e oblíquas melodias e letras enigmáticas. |
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The Rolling Stones – Their Satanic Majesties Request (dezembro) Depois de lançarem o genial Between the Buttons no começo de 1967, com as clássicas I Can’t Get No (Satisfaction) e Ruby Tuesday, os Stones se viram diante do Sgt. Peppers. O álbum dos eternos rivais fazia com que tudo parecesse antiquado. De certa forma, obrigava os demais a darem uma resposta. Their Satanic…, a investida de Jagger & Cia., no entanto, não fez mágica, apesar da capa com os chapéus de feiticeiros. Tirando She’s a Rainbow e 2000 Light Years from Home (alô, Primal Scream!), o disco naufraga em experimentos estéreis com batidas tribais, ruídos e ingênuas intenções hippies. Nos anos seguintes, se redimiram numa sequência talvez nunca atingida: Beggar’s Banquet, Let it Bleed, Sticky Fingers e Exile on Main St.. |
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Traffic – Mr. Fantasy (dezembro) Todos no Traffic tinham sólida formação musical (o que talvez explique a diversidade nos arranjos da banda), a começar do vocalista, guitarrista e tecladista Steve Winwood, que aos 15 já cantava no Spencer Davies Group. Mais ligado ao jazz, soul e folk, ele fazia frente ao espírito pop e psicodélico de Dave Mason, que, além de guitarra e baixo, também tocava cítara. Antes de lançado o primeiro álbum, Mason deixou a banda, completada pelo baterista e letrista Jim Capaldi e o saxofonista e flautista Chris Wood. A faixa Dear Mr. Fantasy ganharia versões de Hendrix, Grateful Dead e Crosby, Stills, Nash & Young. Nos EUA o álbum foi lançado como Heaven Is In Your Mind, acrescido dos três primeiros singles do grupo. |
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POR MARCELO PINHEIRO Donovan – Mellow Yellow (janeiro) Mais por compartilhar influências – sobretudo do ídolo Woody Guthrie – do que por imitar o bardo norte-americano, Donovan Leitch foi celebrado como uma espécie de Bob Dylan escocês. Em seu terceiro álbum, no entanto, decidiu abandonar os maneirismos folk para acrescentar guitarras distorcidas, contrabaixo elétrico, solos de órgão e sitar indiano. A materialização dessa nova fase, o álbum Sunshine Superman, veio à tona em setembro de 1966. A transição deu tão certo que meses depois, em janeiro de 1967, Donovan botou na praça Mellow Yellow, um sucessor à altura. Capitaneado pela faixa-título, que traz arranjo e contrabaixo de John Paul Jones, o álbum também reúne outro futuro led zeppelin, o guitarrista Jimmy Page. |
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The Byrds – Younger Than Yesterday (fevereiro) Gravado em janeiro de 1966 e presente em 5th Dimension, Eight Miles High é considerado o primeiro registro psicodélico. Com frases e solos dobrados de guitarras de 6 e 12 cordas, as legendárias Rickenbacker de Roger McGuinn, a canção, no entanto, foi boicotada logo que seu título foi interpretado como uma apologia ao LSD. McGuinn, porém, jura ter feito uma homenagem a John Coltrane – daí a dinâmica bebop. Equivocada ou não, a polêmica fez com que o grupo caísse em breve derrocada comercial. A bancarrota, felizmente, não sabotou a beleza deste sucessor, que reúne temas luminares, como So You Want to Be a Rock n’ Roll Star e duas das melhores composições de David Crosby, Mind Gardens e Everbybody’s Been Burned. |
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Grateful Dead – The Grateful Dead (março) Nomeado guru dos conterrâneos do Jefferson Airplane na contracapa de Surrealistic Pillow, até chegar a este début Jerry Garcia e sua trupe de proto-hippies já haviam percorrido, desde 1965, um longo caminho de derretimento cerebral na cena de San Francisco. Produzido por David Hassinger – responsável pela sonoridade de Aftermath (1966) dos Stones, e que depois assinaria o álbum de estreia do Electric Prunes –, o LP epônimo capta a estética transgressora dos papas do acid rock e capitula convenções pueris da primeira metade dos anos 1960, para abrir um caminho de expansão mental e musical. Com canções assinadas coletivamente, o LP também reúne releituras de Sony Boy Williamson e Jessie “The Lone Cat” Fuller. |
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The Velvet Underground – The Velvet Underground & Nico (março) Um dos mais influentes álbuns da história do rock, inspiração para bandas como Modern Lovers, The Fall e Joy Division, The Velvet Underground & Nico dispensa maneirismos ripongas e versa sobre temas obscuros como sadomasoquismo e dependência de heroína. Embalado com arte gráfica de Andy Warhol, também produtor e responsável pelo acréscimo da voz sedutora da modelo alemã Nico, o álbum não traz sequer vestígios de celebração à paz, ao amor e à atmosfera solar de 1967. Autor de oito das 11 composições – as demais com John Cale (Sunday Morning e Black Angel’s Death Song), Sterling Morrison e Moe Tucker (European Son) –, Lou Reed impõe sua grandiosidade em Waiting for the Man, I’ll Be Your Mirror, Femme Fatale e Heroin. |
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Jefferson Airplane – Surrealistic Pillow (março) Ao lado de bandas como Grateful Dead e Quicksilver Messenger Service, o Jefferson Airplane foi ponta de lança da cena psicodélica de San Francisco. Lançado em março de 1967, Surrealistic Pillow, segundo álbum do grupo, é um dos pilares do chamado Frisco Sound e marca a entrada da cantora Grace Slick na banda. Egressa do Great Society, Grace trouxe de seu ex-grupo dois clássicos instantâneos: White Rabbit e Somebody to Love. Em meio a sutilezas acústicas, frases de flautas transversais, riffs e solos frenéticos de guitarras, o “travesseiro surrealista” do Jefferson Airplane reserva ainda tesouros como Today, My Best Friend, Coming Back to Me e D.C.B.A-25 – esta última faz referência aos acordes da canção e ao composto químico do LSD. |
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The Electric Prunes – The Electric Prunes (abril) Em um artigo escrito dias depois da morte de Jimi Hendrix em 1970, o escritor Luiz Carlos Maciel defendeu que a grande revolução do guitarrista foi expandir as possibilidades da música por meio do uso da eletricidade. Repleto de efeitos de estúdio, sobretudo o uso de trêmulos e wah-wahs travestidos de cítara na guitarra de Ken Williams, o primeiro álbum do Electric Prunes chancela, até mesmo no nome da banda (os ameixas elétricas), essa teoria. Capitaneado pelo sucesso de I Had Too Much to Dream (Last Night), Top 11 da Billboard e presente em dez entre dez coletâneas com o melhor do rock psicodélico, o LP não renega o passado surf e garage rock da banda californiana, originada a partir da extinção do The Sanctions. |
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The Kaleidoscope – Side Trips (junho) Los Angeles divide com San Francisco o status de epicentro da revolução psicodélica. Da Califórnia e adjacências vieram bandas divisoras como The Doors, Love e Buffalo Springfield. Menos conhecido, mas não menos cultuado, o quinteto Kaleidoscope fez de Side Trips, seu álbum de estreia, uma miríade de sonoridades inusitadas. A fórmula dos compositores Chris Darrow e David Lindley contou com o uso de instrumentos gregos, persas e indianos, como bouzouki, vina e dombek. Composições como Egyptian Garden e Keep Your Mind Open – eleita pela revista Mojo uma das 100 maiores canções psicodélicas – fizeram a cabeça de ouvintes anônimos e de estrelas como Jimmy Page, que considera Side Trips seu álbum predileto dos anos 1960. |
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Símbolo da estética proto-punk – de bandas como The Sonics, The Wailers, Count Five e The Litter –, o The Seeds foi liderado por um dos maiores freaks do panteão psicodélico, o vocalista e compositor Sky Saxon. Também egresso da cena de L.A., o quarteto decidiu expandir horizontes musicais em Future, depois de rarefeitas experiências transcendentais em seus dois primeiros álbuns. Em meio à oratória debochada de Saxon, riffs obsessivos de guitarra, órgão e piano elétrico saltam aos ouvidos em mantras hipnóticos do melhor acid rock, como Flower Lady and Her Assistant, Travel With Your Mind e A Thousand Shadows. Produzido em paralelo ao lançamento de Sgt. Pepper’s…, Future também conta com breves arranjos orquestrais. |
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Eric Burdon & The Animals – Winds of Change (setembro) |
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Buffalo Springfield – Buffalo Springfield Again (novembro) Em um ano turbulento para a banda liderada por Stephen Stills e Neil Young, com saídas temporárias deste último, a chegada às lojas do segundo álbum do grupo californiano foi um alento para os fãs de primeira hora. Resultante de um processo de produção fragmentado ao longo de 1967, o LP reúne dez composições. Entre elas, joias de autoria de Young, como Mr. Soul, Broken Arrow e Expecting to Fly, canções insuspeitas de Stills, como Bluebird, Everydays e Rock n’ Roll Woman, e as três primeiras composições do guitarrista Richie Furray, Sad Memory, Good Time Boy e A Child’s Claim to Fame. Antes de iniciarem consagradas carreiras solo, Young e Stills lançaram ainda um terceiro álbum do grupo, o também obrigatório Last Time Around (1968). |
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Cream – Disraeli Gears (novembro) Intitulado com uma corruptela entre o nome do ex-primeiro ministro britânico Benjamin Disraeli e o termo derailleur gears (câmbio de bicicleta), Disraeli Gears é o segundo álbum do Cream. Formado por Eric Clapton (aclamado em seu país como o “Deus da Guitarra” até a chegada de Jimi Hendrix por aquelas bandas), Jack Bruce (baixo) e Ginger Baker (bateria), a banda personificou o conceito de power-trio. Em Disraeli Gears, no entanto, atribuiu à atmosfera bluesy selvagem texturas psicodélicas baseadas sobretudo no uso do pedal wah-wah na guitarra de Clapton – caso explícito de Tales of Brave Ulysses, cantada por Bruce. Hit do álbum, Sunshine of Your Love escancara a cadência hipnótica de Baker, um dos maiores bateristas de sua geração. |
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Love – Forever Changes (novembro) Em janeiro de 1967, os californianos do Love lançaram Da Capo, seu segundo álbum. Nele, em faixas como Orange Skies e She Comes in Colors, é perceptível a transição para as texturas lisérgicas que culminaram na obra-prima Forever Changes. Liderada por Arthur Lee, cantor e compositor de brilho intenso, a banda também contava com outro autor inspirado, o guitarrista Bryan McLean. Ao longo de 11 temas – alguns revestidos de cordas e sopros, outros marcados pela estética folk e influências flamencas –, Lee e McLean emocionam com o lirismo de canções como Alone Again Or, Old Man, The Red Telephone e a apoteótica You Set The Scene. A despeito das “mudanças eternas” do título, o álbum antecipa vestígios da ressaca de realidade que capitulou o Verão do Amor, sintetizada depois por John Lennon com a sentença “o sonho acabou”. |
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Strawberry Alarmclock – Incense and Peppermints (dezembro) Também egressos da cena californiana, os músicos do Strawberry Alarmclock fizeram da capa (hippie até a medula) e do título de seu primeiro álbum (“incenso e balas de hortelã-apimentada”, notórios atenuantes para o mau cheiro da maconha) carta de intenções de suas proposições desbundadas. Associada ao som personalíssimo do sexteto, responsável por impecáveis harmonias vocais, a estratégia de marketing deu mais que certo: impulsionado pelo compacto que contém a faixa-título, o grupo vendeu milhões de cópias. Do transe inaugural de The World’s On Fire, passando pelos loops sinestésicos de Rainny Day, Mushroom, Pillow, até chegar ao desfecho jazzy de Unwind With The Clock, a viagem do Despertador Morango não contém bad trips. |
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13th Floor Elevators – Easter Everywhere (dezembro) |
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The Who – The Who Sell Out (dezembro) Depois de conquistar os Estados Unidos com uma turnê arrasa-quarteirão que contabilizou um sem-número de guitarras e kits de bateria destruídos em rituais selvagens, os britânicos do The Who se trancafiaram em estúdio para produzir seu terceiro álbum. Longe de obsessões da cultura mod, Pete Townshend, Keith Moon, John Entwistle e Roger Daltrey investiram neste ambicioso álbum conceitual. Nele, sugerem que, a exemplo dos produtos anunciados na capa do LP, eram só mais um item “descartável” da sociedade de consumo. Concebido como um programa da pirata Radio London, em meio a faixas cabeçudas como I Can See For Miles, Tattoo e Armenia City in the Sky, The Who Sell Out é recortado por hilárias vinhetas. Um primor. |
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