Foto: Pablo de Sousa
Ele contraria as estatísticas. Poderia ser um simples apontador de caminhos, mas trilha o seu próprio. Foto: Pablo de Sousa

Kleber Cavalcante Gomes está aconchegado ao sofá no meio do pequeno estúdio onde prepara o terceiro disco de sua carreira. É ali que Criolo alinhava o próximo passo musical, o sucessor do aclamado Nó Na Orelha, lançado em 2011, que o catapultou ao sucesso de forma meteórica. Calça de agasalho, camiseta e na cabeça um boné preto que estampa em letras amarelas garrafais GRAJAUEX, o nome de uma de suas letras de música e uma referência a seu bairro, o Grajaú, no extremo sul da cidade de São Paulo. Ele apoia o seu notebook no colo e acha no YouTube um link com o álbum completo do clássico de Arthur Verocai, de 1972. Os acordes doces de Caboclo riscam o ar, enquanto o rapper se prepara para a entrevista. “Caboclo quando sai/Acorda o sol pela manhã/Planta algodão/Planta nuvens pelo chão…

Antes dos 35 anos, ele era o Criolo Doido, MC da quebrada, apresentador, ao lado do DJ Dandan, da Rinha dos MCs – tradicional disputa de improviso feita por MCs em São Paulo. Antes de tudo isso, ele era mais um cara que morava na periferia paulistana e, se não fosse a música, estaria invisível aos olhos da maioria. Pegaria diariamente o busão, o trem, o metrô ou em uma esquina seguraria uma seta indicando a direção para algum condomínio de luxo ou flat descolado. “Quem inventou o homem-seta prova que o ser humano é invisível. Eu lembro que, se um dia fosse fazer o clipe de Não Existe Amor em SP, ele seria todo baseado nos homem-setas. É degradante. Você vê o rosto daquela senhora que tem toda uma história de vida pra contar, ensinar um monte de coisa. A pessoa que se dispõe a conseguir o dinheiro, levar o sustento para casa com essa atividade não tem nada a ver com esse olhar. É a pessoa mais humilde do mundo que vai lá e encara. ‘Ó, é esse trabalho que eu tenho que fazer, vou fazer’. Esse é o herói”, conclui o cantor que, além de professor de artes, já fez de tudo nos serviços autônomos. “Não tinha muito o que pensar, não tinha muita opção. Trabalhei de caixa em mercado, já fui faxineiro, vendi cocada na rua – que eu mesmo fazia –, já comprei roupa no Brás pra vender de porta em porta no Grajaú, guardei carro, entreguei panfleto na rua.”

Lutando contra a invisibilidade, e às vezes querendo-a de volta, Criolo está diante dos holofotes. As máquinas fotográficas e filmadoras estão apontadas para ele boa parte do tempo. Os boatos de quem está “pegando”, o que ele disse no show, o que disseram sobre ele está tudo no Google a dois cliques de distância. Ele está namorando a modelo? Tem ou não um affair com a atriz famosa? Foi criticado por outro grupo de rap? Plagiou um sambista? Sobre essa história, o compositor Armando Fernandes “Mamão” veio a público para reivindicar a autoria do samba Linha de Frente, que, segundo ele, trata-se de plágio de Tristeza Pé no Chão, famosa na década de 1970 na voz de Clara Nunes. Criolo e Mamão se falaram ao telefone e acertaram as arestas. Ao jornal Tribuna de Minas, de  Juiz de Fora, Mamão esclareceu a polêmica. “Criolo me ligou, foi muito gentil e disse que não teve a intenção de plagiar. Falou ainda que pretende conhecer mais a minha obra. Disse que ainda tem muito tempo para isso. Ele é um garoto novo. Desejo a ele muito sucesso e que continue batalhando. Vida que segue”, afirmou Mamão. A produção de Criolo informou que entrou em contato com a EMI para saber sobre o possível pagamento de direitos autorais. Outras canções de Nó Na Orelha, como Bogotá, Subirusdoistiozin e Lion Man também rondam o fantasma do plágio, mas nada ainda foi confirmado.

Para quem se preparava para ser invisível, a vida foi ganhando cores bem vivas. “Com 34 pra 35 anos, você percebeu que não existia. Aí, você cria toda uma estrutura pra se preparar psicologicamente e aceitar que você não existe e do nada você existe”, explica sua cabeça, no lançamento de seu segundo registro. E conclui. “Era esse lance mesmo de entender que, depois de 20 anos de carreira, eu já tinha contribuído com alguma coisa. Aconteceu de eu me preparar. Aquele DVD Criolo Live in SP, que gravei na Rinha dos MCs e foi feito com o Coletivo Arranca Tampa, era um registro de ‘olha, construímos isso aqui, muito obrigado. E vamo tá nos bastidores, tentando ajudar de alguma forma. Eu já tinha esse preparo.”

PELAS SOMBRAS

Criolo teve algumas mãos que o puxaram de volta à mira do refletor. Uma delas é Cassiano Sena, o DJ Dandan. Amigos há 21 anos, 18 deles juntos no palco, éum dos responsáveis pela formação e tambémpela persistência do MC. Quando o cantor sinalizava cansaço, ele era o apoio e o ânimo. “Ah, o Dandan é peça fundamental. De amizade e de me fazer olhar para outras sonoridades. Até dentro do próprio rap, porque o rap é gigante. Eu sempre gostei muito das instrumentais do Wu Tang Clan, do BIG (Notorius B.I.G), alguma coisa do Nas, gostava do Das FX, do Lords of the Underground. Então, tinha o meu gosto específico e ele foi me mostrando outras coisas. Me mostrou que tinha o Common, que tinha o Gang Starr. De certa forma, ele tem contribuição total no meu crescimento dentro do rap e sempre me jogou os desafios. Como seria eu escrever? Como seria eu existir com essas outras propostas estéticas sonoras? Fora isso, é uma pessoa muito politizada.”

Dandan está, faça chuva ou sol, chacoalhando os seus dreadlocks e soltando gritos de Faz barulho aê, nos palcos junto do MC. Nessa trupe, estão também o guitarrista Guilherme Held, o baterista Sergio Machado e o percussionista Mauricio Badé, além dos produtores do Nó Na Orelha, Marcelo Cabral e Daniel Ganjaman. “Tenho uma luz boa que me iluminou de ter ao meu redor uns caras muito cabulosos que tem esse profissionalismo e esse amor pela música.” E com exceção do saxofonista Thiago França, que toca em outros projetos como o Metá Metá, e do baterista Samuel Fraga, a banda que está fritando a cabeça nos preparativos do próximo álbum no Estúdio El Rocha, no Sumaré, na zona oeste de São Paulo, é a mesma. “Isso explica muita coisa. Mas eu também acredito que isso vem de eles identificarem alguma coisa na minha pequena trajetória dentro do rap. Aquele amor nosso, que nasceu na década de 1980 e está até hoje no sonho de cantar, o sonho de estar no palco, de viver a ilusão de que estamos contribuindo com alguma coisa”, comenta, enquanto os arranjos funkeados de Presente Grego, de Arthur Verocai, esquentam o som ambiente.

Dentro do estúdio das nove da manhã às nove da noite, o grupo ainda não sabe que cara vai ter o próximo álbum. Nem o nome. A julgar pelo single com duas músicas que o cantor soltou para download e em vinil, ano passado, o disco tem aba reta e soa mais rap. Em algo, faz até pensar em Ainda háTempo, de 2006, que traz batidas que lembram o gangsta rap americano. Apesar do prazo apertado – o disco tem previsão de lançamento para novembro –, Criolo não parece afobado. “Esse dia a dia, essa vivência com essa turma que tá comigo na estrada não tem sido algo desgastante pro lado negativo. Está todo mundo vibrando e contente, querendo que a parada aconteça.”

Ainda na época do vai-não-vai, Criolo foi levado ao Pagode da 27, reduto de músicos no Grajaú. O responsável pela ponte foi o músico e um dos fundadores da roda de samba Jefferson Santiago, amigo de longa data do cantor e companheiro de comunidade. Juntos com Ricardo Rabelo fizeram pelo menos meia dúzia de sambas que são apresentados aos domingos com precisão religiosa. “Ele apareceu na festa de três anos e de lá pra cá nunca mais parou”, conta Santiago, que assume a torcida pelo amigo. “Sinto o maior orgulho, porque você vê toda a caminhada. O cara já meio desanimado com a correria de ser independente. Você sabe que a pessoa tem potencial e torce sempre por ela. Quando acontece aquilo que ele sempre sonhou, você se sente bem também.”

Outro responsável pelo MC estar onde está é o músico e produtor Daniel Ganjaman. Ao lado de Marcelo Cabral, está prestes a lapidar mais um álbum na carreira do rapper. “Fui na primeira reunião com ele, na Matilha Cultural, para dar início ao processo do disco, achando que ia produzir um disco de rap de um MC que eu já admirava muito. Quando começamos a conversar, o Criolo cantou algumas das canções que entraram no Nó Na Orelha, inclusive de forma muito próxima a que foram gravadas no disco. Ele já tinha quase todas aquelas canções muito bem resolvidas na cabeça dele e isso foi uma enorme surpresa para mim. Demos início aos trabalhos em estúdio e, no meio do processo, me dei conta que estávamos fazendo algo realmente relevante. Eu estava bastante confiante no alcance do disco para um novo público, mas me perguntava como os antigos fãs do trabalho (bem mais focado no rap) receberiam essas novas canções”, finaliza Ganjaman.

Uma das canções interpretadas a capela para o produtor foi o bolero Freguês da Meia-Noite: “Meia-noite/Em pleno Largo do Arouche/Em frente ao Mercado das Flores/Há um restaurante francês/e lá te esperei”. A letra realmente foi começada no Largo do Arouche, enquanto Criolo esperava por um amigo com os caraminguás contados no bolso. “Naquele momento, ou eu comia um lance ou voltava pra casa e não vinha mais para o centro pra continuar correndo atrás do sonho”, explica. “Todo mundo passa por isso, cada um em sua instância, cada um do seu jeito faz o seu corre atrás daquilo que lhe traz preenchimento pra alma. A gente acaba se identificando nisso, às vezes não é literal, mas a pessoa enxerga alguma coisa ali e tem uma sensação: ‘Pô, acho que jápassei por isso ou vou passar. Mas o que que é isso? Eàsvezes uma música ajuda a traduzir um frame de sentimento.”

NA BOCA DO SOL

Criolo já levou sua música a milhares de pessoas e subiu em palcos pelo Brasil inteiro, além de Estados Unidos, Inglaterra, Portugal, Alemanha, Holanda, França, Bélgica, Suíça, Itália e Dinamarca. “O cara te vê ali no rótulo do Kisuque e acha que você num…” (faz gestos rápidos com a mão, como dizendo “agiliza”). A preocupação menor com o bolso ou com a conta bancária não diminui o peso nas costas do cantor. “É confortante, gratificante. Mas não sei se dói mais porque o seu parça ainda está nisso e você não tem força. Acho que é mais frustrante ainda, porque você ainda viveu o sonho de que, quando a coisa melhorar, vai. Aí, melhora um pouco pra você e não foi, tio. Porque você nunca vai tá mais feliz se uma pessoa que você ama também está passando dificuldade. Você fica mais frustrado ainda. Não que eu sou ingrato. Não tô falando de ingratidão, faço o meu corre, cada um faz seu corre. Ninguém tem de ficar divulgando o corre que faz, não é verdade? Mas acho que dói pra caramba também.”

E fala sobre o seu sucesso. “Por que só aconteceu um baguio, teve que ser baguio gigantesco, e não pode acontecer na vida das outras pessoas? Todo mundo merece ser feliz, mano.” O baguio foi tão gigantesco que ele recebeu uma dúziade prêmios com Nó Na Orelha, entre eles Melhor Artista Masculino, Melhor Música, Artista Revelação e Disco do Ano, de 2011, pelo Video Music Brasil, extinto prêmio da MTV. Freguês da Meia-Noite foi eleita a Melhor Música do Ano, e Nó Na Orelha, o Melhor Disco pela Rolling Stone Brasil. Foi tão gigantesco que, de repente, Criolo subiu ao palco para cantar Não Existe Amor em SP ao lado de Caetano Veloso. Foi tão gigantesco que Chico Buarque, em um show, disparou um rap-resposta para a versão contemporânea que o cantor gravara em vídeo para Cálice. E depois de algumas rimas o veterano emendou os versos do rapper. “Pai, afasta de mim a biqueira/Afasta de mim as ‘biate’, pai/Afasta de mim a cocaine/Pois na quebrada escorre sangue.” O baguio foi tão gigantesco que Ney Matogrosso registrou Freguês da Meia-Noite em seu álbum mais recente, Atento aos Sinais, de 2013. Tão gigantesco que o baterista Tony Allen, um dos responsáveis pela batida contagiante do ritmo nigeriano Afrobeat, já foi seu parceiro no palco. Tão gigantesco que ele também dividiu o palco com pai do Ethio-jazz, o etíope Mulatu Astatke.

O baguio está sendo tão gigantesco que Milton Nascimento batizou uma série de shows, na qual Criolo participa, como Linha de Frente, fazendo referência a uma de suas canções. Infelizmente, no show do dia 22 de agosto, o anfitrião passou mal e cancelou a apresentação marcada para o dia seguinte. Sobre Milton, ele descreve. “A felicidade é tanta do nosso encontro que ele quis dividir isso com as pessoas. Ele canta Bogotá, ele canta o refrão da Mariô e ele quer cantar Linha de Frente. E ele pede para eu fazer a meiota com algumas canções que ele tinha com o Chico, que construiu com o Caetano. Uma felicidade dividir felicidade com as pessoas. É outra relação que se cria do universo da música.”

QUE MAPA?

Qual o segredo para ter dado certo dessa vez? Depois de tantos anos na música, qual foi a fórmula do sucesso? A esse questionamento, Criolo é enfático. “Não é que deu certo. Quem disse que deu certo também? Não tem segredo não, cara. A gente faz música com o coração da gente e sabe lidar com as limitações. Nãosou um cantor, nãosei tocar nenhum instrumento. Entender as minhas limitações. Entender que o intervalo não é só o intervalo das notas, o intervalo do texto, mas entender que existe o intervalo pra vida. Que o que você tá construindo só se completa com a construção do outro, explica.

E faz um rewind até os primeiros passos no rap. “Na nossa época, o que era? Era uma fita K7, então você tinha de arrumar um amigo que tinha um 3 em 1 ou um Boombox duplo deck. Aí, gravava quatro segundos, segurava, voltava, aí gravava mais quatro segundos. Você ficava o dia inteiro para fazer uma base de três minutos. Já começava, porque tinha de querer também. Tinha de querer muito. Depois arrumava um lugar pra colocar a voz. é louco. Uma vez uma fita K7 demorava três meses pra ir pra um colega do outro bairro. Você ficava ansioso pra saber o que que o mano ia trazer do som dele. A felicidade que era você ir num ensaio de rap na casa de um cara de outro bairro. Mano, era uma aventura. Ou quando tinha uma festa da igreja ou quando tinha um bailinho pró-formatura que ia vir cantar uns grupos de rap do bairro e um convidado ou grupo de fora. Ninguém era conhecido nem nada. Você já ficava assim (arregala os olhos). Meu Deus do céu, o cara da outra escola está vindo cantar aqui. Era um outro lance. Não é nem melhor nem pior.”

 

Crédito: Divulgação.
Crédito: Divulgação.

KARINA
(DOMINGO NO GRAJAÚ)

O instrumental da canção Karina (Domingo no Grajaú) agita as caixas de som do computador com o trombone fenomenal de Edson Maciel. “O Verocai é maravilhoso. Tive o prazer de conhecê-lo. Meu colega também. Tenho o prazer de falar que é meu colega. Eu queria juntar ele e o Mulatu, mas acho que já rolou o encontro deles, não lembro”, comenta Criolo, que de vez em quando recorre ao seu Grajaú.

Com um apartamento no centro da cidade, onde passa a maior parte do tempo na semana, ele só chama um lugar de lar. “Cara, minha casa é o Grajaú, mas pela situação tenho de estar determinada parte da semana pra cá. Eu estou aqui próximo da Cracolândia, três quarteirões da Cracolândia, no centrão próximo à Santa Ifigênia. Quando tô de folga,aí eu tô em casa. Não é que volto, eu vou pra minha casa. Volto pra cá. Quando tenho que trabalhar, volto pro centro. Quando tenho folga, vou à minha casa, porque a sua casa é onde você está feliz”, explica e, em seguida, narra sua rotina caseira. “É o domingo no Pagode da 27 ou é quieto ao lado do meu pai, enquanto ele está fazendo alguma comida. Ou é minha mãe falando que eu errei em várias coisas minhas, do meu particular, da minha vida que eu tenho de me melhorar. Igual a rotina de qualquer pessoa que tem pessoas que te amam e que te dão um toque. Porque levar bronca é privilégio, uma bronca sincera, uma bronca de amor. É sincero.”

DEDICADA A ELA

Sobre servir de exemplo para os jovens, Criolo afirma: “Não, lógico que não. Você só vai ser exemplo para alguém que te ama, porque só quem te ama te enxerga com os olhos de amor. Aí você existe para aquela pessoa. Você é referência”. Entre as suas principais referências, está dona Maria Vilani, mãe do rapper, e uma batalhadora. Por três anos, eles estudaram na mesma sala de aula. “Ela foi me matricular e eu falei: ‘Poxa, se matricule também’. Ela falou: ‘Tábom’.”Dona Vilani se matriculou e fez muito mais do que isso. “Hoje, ela se formou em Filosofia. Depois, com meu irmão, ela fez pós-gradua­ção em Língua, Literatura e Semiótica. Depois, fez extensão em Psicologia, História, também fez Supervisão Escolar na área de Pedagogia e está terminando Filosofia Clínica e tem mais umas outras coisas que ela faz, umas três quatro coisas”, elenca o orgulhoso filho, que revela que, apesar de todos os diplomas na parede, a glória maior vem do olhar dessa mulher. “O grande lance é ter dentro de casa uma flor maravilhosa de um jardim interplanetário que, ao mesmo tempo que ela é formada em Filosofia, foi benzedeira do bairro por 15 anos. Que saía lá do Grajaú 4h30, pegava duas condução, três condução pra bater o cartão na Avenida Ipiranga às 7h10. E com quatro filhos, o pequenininho de 3 anos, meu pai desempregado, todas aquelas loucuras econômicas que aconteceu das metalúrgicas fechando, minha mãe não podendo criar o filho pequeno ali na quebrada. Aí, ela virou professora de Literatura e ela que sustentou a casa por um cinco, seis anos.”

Sobre o período de vacas magér­ri­­mas, Criolo também se lembra dos amigos que morreram. “Sabe quando você olha assim pra todos os lados e fala: ‘Pô, ele levou cinco tiros na cara. Seráque vai sobreviver?’. Que foi isso que eu vi com alguns amigos meus.” E acrescenta: “Dia 2, Dia de Finados tinha que ter 72 horas, 180 horas, uma semana pra gente visitar os parças. E eu nem cito nisso em rolê nenhum, porque não é isso que eu quero falar. Quero falar de vida, mano, porque já senti o cheiro do sangue quente”.

VELHO PARENTE

E fugindo da invisibilidade, de fato, Criolo entra pelos headphones ou pelas telas de muita gente diariamente. Um post em sua página no Facebook, que tem mais de um milhão de seguidores, bate 10, 15 mil likes fácil. O clipe de Duas de Cinco, uma das músicas de seu próximo disco, passou de um milhão de visualizações no YouTube. As pessoas querem vê-lo, ouvi-lo, tocá-lo, se sentem próximas, quase como se ele fosse um parente ou um amigo. “É da hora alguém querer te cumprimentar. Não importa em qual instância ou que brisa passou na cabeça do cara. É maravilhoso, mano. Uma pessoa que você nunca viu na vida, mas que conhece a sua canção. A pessoa não tá cumprimentando você, tá cumprimentando sua canção, seu texto. É mais honra ainda, porque ela tá tendo contato com a coisa que você se esforça, que você procura que seja o seu melhor. Porque na convivência todo mundo sabe dos defeitos dos outros, sabe que não é bem assim”, explica.

Do próximo disco, a expectativa está mais no público e na própria imprensa. Criolo encara o processo como um presente ou uma sobrevida. “Nãoespero nada do próximo disco. Pra mim,sódeleexistindo já é tudo. Porque eu já nem ia fazer o Nó na Orelha. Então, meu filho, Deus me deu mais uns dia. É nesse sentido, real. De uns cinco anos pra cá, muita gente que eu amo morreu, muitos pai e mãe de pessoas que eu amo faleceram. Uns de morte matada, outros de morte morrida, outros com doença se arrastando. Então, a gente está aqui, fazendo outro disco, tendo essa oportunidade”, fala Criolo, já sem o Verocai como pano de fundo.

Esse homem que poderia ter virado estatística as contraria aos 39 anos de idade. Criolo, que poderia ter virado um simples apontador de caminhos, um carregador de setas, está trilhando o seu próprio e vive um dia após o outro dia. Sem pressa de chegar, ele sinaliza para qual direção vai sua estrada. “Eu acho importante a gente celebrar a vida. Celebrar, mano. Passar esse axé pra rapaziada e cada um vai encontrar o seu caminho.” I

*Os intertítulos desta reportagem são os nomes das canções do álbum de Arthur Verocai, de 1972. Este é um disco importantíssimo para o rap mundial. Os instrumentais grandiosos do arranjador já serviram de samples para nomes como Ludacris, Curren$y, Little Brother, Metal Finger e SchoolBoy Q. E serviram também de pano de fundo para a entrevista com Criolo.


Comentários

6 respostas para “Homem-seta”

  1. Avatar de joao paulo macedo silva santos
    joao paulo macedo silva santos

    Criolo é um dos melhores rappers do brasil.

  2. Avatar de Ana Paula Torres
    Ana Paula Torres

    A simplicidade do Criolo e seu amor pela família me emocionam!

  3. Encontrei o Criolo em Porto de Galinhas em 2012 após ele ter se apresentado no Carnaval de Recife, fiquei sem ação ao ver ele ali, mas estendi a mão e cumprimentei ele fiquei tão nervoso que não pedi pra tirar uma foto, mas ta valando o importante é saber que ele está bem e feliz!

  4. Criolo é um artista que há muito não vimos.Canta a realidade,nua e crua e sem omissões.É humilde,entende os mais necessitados e tem uma consciência de mundo maravilhosa!

    Curto muuuito o trabalho dele ! Sucesso e vida longa ao rap!

  5. \O/ Showww…Entrevista lindaaa e como sempre construtiva pra alma e pro coração…Maximo respeito #Orgulho #TheGrajauex #Criolo #PagodeDa27 🙂

  6. Esse cara sabe como colocar as palavras, sabe como se expressar, nessa dura realidade que vivemos ainda existe “amor” naquilo que fazemos!

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