Antonio Gramsci (1891-1937) resistiu com coragem às piores provações e deixou um legado incontornável, muito influente até hoje. A bela edição deste dicionário, que organiza em verbetes o pensamento do jornalista, crítico literário, filósofo e dirigente comunista, centra-se nos 11 anos em que esteve preso, sob o governo fascista que havia tomado a Itália em 1922. Cada definição, de abstencionismo a xenomania, é rigorosamente contextualizada e esclarecida por vários estudiosos de sua obra. As citações são todas tiradas dos Cadernos do Cárcere e das cartas escritas nesse período. A seguir, alguns exemplos. Como os verbetes são longos, optamos por selecionar trechos de cada um.
Alta cultura “Um sistema de governo é expansivo quando facilita e promove o desenvolvimento a partir de baixo, quando eleva o nível da cultura nacional-popular e, portanto, torna possível uma seleção de ‘excelências intelectuais’ numa área mais ampla. Um deserto com um grupo de altas palmeiras é sempre um deserto: aliás, é próprio do deserto ter pequenos oásis com grupos de altas palmeiras.”
Cárcere ou prisão “No fundo, eu mesmo quis a prisão e a condenação, de certo modo, porque eu nunca quis mudar minhas opiniões, pelas quais estaria disposto a dar a vida (…).”
Homem coletivo “Uma multiplicidade de vontades desagregadas, com fins heterogêneos, solda-se conjuntamente na busca de um mesmo fim, com base numa idêntica e comum concepção do mundo (geral e particular, transitoriamente operante – por meio da emoção – ou permanente, de modo que a base intelectual esteja tão enraizada, assimilada e vivida que possa se transformar em paixão).”
Mulher “(…) enquanto a mulher não tiver alcançado não apenas uma real independência em face do homem, mas também um novo modo de conceber a si mesma, a questão sexual continuará repleta de aspectos morbosos e será preciso ter cautela em qualquer inovação legislativa.”
Náufrago “Antes do naufrágio, como é natural, nenhum dos futuros náufragos pensava em se tornar….náufrago e, portanto, menos ainda pensava em ser levado a cometer atos que os náufragos, em certas condições, podem cometer, por exemplo, o ato de se tornarem…antropófagos. Cada um deles, se interrogado friamente sobre o que faria diante da alternativa de morrer ou se tornar canibal, teria respondido, com a máxima boa-fé, que, dada a alternativa, escolheria livremente morrer. Acontece o naufrágio, o refúgio no barco etc. Depois de alguns dias, faltando alimentos, a ideia do canibalismo se apresenta sob uma luz diferente, até que, num certo ponto, entre aquelas pessoas determinadas, um certo número se torna realmente canibal. Mas, na realidade, trata-se das mesmas pessoas?”
Sarcasmo Referindo-se em particular às “ilusões” oitocentistas (crença na justiça, na igualdade, na fraternidade), isto é, nos elementos da “religião humanista”, e à necessidade de desmistificar seu aparato de ideias, Gramsci recorda como em reação a estas “Marx se expressa com ‘sarcasmo’ apaixonadamente ‘positivo’, isto é, percebe-se que ele não quer vilipendiar o sentimento mais íntimo dessas ‘ilusões’, mas sua forma contingente, ligada a um determinado mundo ‘perecível’, e seu mau cheiro de cadáver, por assim dizer, que os cosméticos não escondem.”
Deixe um comentário