German Lorca é um ícone da fotografia modernista brasileira. Sua obra tem sido exibida em Londres e Paris, ao lado dos maiores fotógrafos do mundo. Agora, com quase 90 anos (o aniversário é em maio), ele apresenta parte dela na exposição German Lorca Fotografias: Acontece ou faz Acontecer?, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, e faz planos para o futuro.
Lorca nasceu no Brás, numa família simples, em 1922, ano da Semana de Arte Moderna. Se a literatura e a pintura iniciaram o modernismo até antes da Semana, observa Ricardo Ohtake, a arquitetura só o teve em 1930 e a fotografia no final dos anos 1940.
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O berço do modernismo fotográfico foi o Foto Cine Clube Bandeirante, onde Lorca conviveu com pioneiros, como Thomaz Farkas, Geraldo de Barros e José Yalenti.
O fotoclubismo brasileiro começou em São Paulo, lembra Iatã Cannabrava, curador da mostra de fotografia modernista da Coleção Itaú. Curiosamente, nos anos 1970, os fotoclubes caíram em desgraça e passaram a ser tratados como uma espécie de velharias. Depois, veio a redescoberta de seus tesouros, hoje com grande valor de mercado.
Mas a vida nem sempre foi fácil para Lorca que, aos 7 anos, foi morar com um tio “porque veio a crise de 1929, meu pai tinha oito filhos, então distribuiu os filhos para poder comer”. O pai foi guarda-livros e, na crise, trabalhou em uma fábrica de charutos. Depois, montou uma tabacaria: “Eu, com 12, 13 anos, vendia cigarros no atacado, ia oferecendo, era um menininho de calça curta”.
Aos 18 anos, Lorca abriu seu próprio escritório de contabilidade, uma carreira promissora. Por isso, a família se assustou quando, aos 26, ele decidiu largar os números para se dedicar à fotografia numa época em que não havia escolas, o jeito foi procurar o Foto Cine Clube Bandeirante, que frequentou de 1947 a 1952.
Antes, já gostava de fotografia: “Quando casei, pedi uma máquina emprestada para fazer umas fotinhos da minha viagem para Santos, José Menino, eu não perdi uma foto, você acredita… Só quando nasceu minha filha, em 1948, comprei a primeira máquina, uma Welti, com lente Tessar. Quem me vendeu foi o Alberto Arroyo, que era contador como eu e trabalhava na Fotoptica.”
No início, Lorca estranhou um pouco o ambiente do Clube. “Eu era um cara simples, não tinha poder aquisitivo e lá havia industriais, advogados, médicos, dentistas, capitalistas que gostavam de fotografia, iam lá para ver as fotos deles, mas muito clássicos. Quando entrei, pensei: ‘Será que consigo fazer o que essa turma faz?’. Olhando e conversando, eu começava a assimilar o que eles estavam fazendo e vendo o que podia fazer.”
Lorca aprendeu também com revistas. “Tinha o Luciano Carneiro, que morreu cedo, e tinha uns repórteres bons, como Peter Scheier, que era um fotógrafo rapidíssimo para trabalhar. Jean Manzon, eu achava muito comercial.”
Dos estrangeiros, conhecia pouco. “Quando comecei, disseram que copiei uma foto do Cartier-Bresson. Eu nem conhecia Bresson, não tinha dinheiro para comprar as revistas e livros que traziam Cartier-Bresson. Aqui, se é autodidata.”
Nos anos 1950, deslanchou a bem-sucedida carreira profissional de Lorca, especialmente no campo dos retratos e da publicidade, que lhe deram prêmios e uma vida confortável. Em 1952, abriu um pequeno estúdio em São Paulo e fazia muita reportagem de casamento. Em 1966, abriu o estúdio que hoje divide com os filhos, onde se pode fotografar até três automóveis de uma única vez.
“Sou um pouco saudosista e romântico”, diz Lorca. “Minha mulher, Maria Elisa, que morreu há um ano e meio, logo no começo era enciumada com fotografia, chegou a jogar uma Leica no chão, estourar ela. Depois, ela me ajudou, retocou fotos, sabia desenhar. Eu morava em uma casa velha, imagina, dois cômodos e no Brás, ainda tinha fogão a carvão. Você trabalha de contador, ganha 1.200 réis, por mês. Trabalha de fotógrafo, no fim do mês, ganha 2.000. O que você acha? E faz aquilo que gosta. Aí, a vida mudou, comecei a ganhar dinheiro. A fotografia me deu uma posição financeira melhor.”
Em 1954, Lorca foi o fotógrafo oficial dos festejos do IV Centenário, ninguém fez mais registros da cidade e suas transformações, como anotou Eder Chiodetto, curador de uma mostra retrospectiva na Caixa Cultural, que ocorreu no ano passado.
Em 2004, Lorca registrou os 450 anos de São Paulo, mas o clima já era diferente: “Quase fui preso. Havia um lugar para as autoridades e um box para os fotógrafos. Em 1954, fotografei Getulio, Jânio, todo mundo, sem problemas. Cinquenta anos depois, saí do box e cheguei perto do altar da Catedral. Aí, chegou um senhor e disse: ‘Se o senhor fizer isso outra vez, vou prender o senhor’. Bom, mas aí eu já tinha feito a foto”.
É incrível que, em um país que publica tanto, ainda não haja um livro com a obra de German Lorca – o projeto está sendo estudado há algum tempo por uma editora paulistana. “Capaz de sair. Vamos ver se agora, se neste ou no próximo ano. Quando acabar essa minha exposição, vou trabalhar no livro.”
A atual mostra no MAM tem curadoria de Daniela Maura Ribeiro, que apresentou na Universidade de São Paulo uma tese sobre a obra do fotógrafo. Lorca se atualizou: “Tenho seis Leicas, duas digitais, uma M8 e uma M9. Daqui a cinco, seis anos, você não vai ver mais analógica, de jeito nenhum.” Também continua atento às exposições e lançamentos de livros de fotografia. “Espero encerrar minha carreira neste ou no próximo ano. Será que vou ter pernas? Sabe o que falava o Chico Albuquerque? Fotógrafo precisa ter perna e ter agilidade.” Curiosamente, uma das fotos mais famosas de Lorca, de 1970, tem pernas como tema: pernas femininas entre pernas de mesa.
Os planos são muitos: a itinerância da exposição no MAM (depois de São Paulo, a mostra segue para várias cidades brasileiras), trabalhar no livro e viajar em busca de mais imagens. Lorca só não pensa em se casar novamente. “É muito difícil, fui casado mais de 65 anos. Acho que minha vida foi boa. Não me queixo de nada, às vezes, quando começava, ficava pensando que o pessoal não me queria… Mas o pessoal não dava valor porque não sabia o conteúdo da minha obra. Aí, ela começou a surgir, o pessoal começou a me aceitar mais. Pensava: ‘Será que é tão difícil assim?’. Mas a fotografia está tomando outro caminho e as pessoas que têm boas coisas são valorizadas.”
SERVIÇO
German Lorca Fotografias: Acontece ou faz Acontecer? Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM). Parque Ibirapuera (Avenida Pedro Álvares Cabral, s/no, portão 3). 11 5085-1300. De 28 de março a 27 de maio. De terça a domingo, das 10h às 17h30
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