Sete milhões de mulheres são internadas por ano por complicações de saúde provocadas por abortos clandestinos. Também todos os anos 22 mil morrem pelo mesmo motivo. O dado é de um grande estudo feito em 2012 em mais de 26 países em desenvolvimento, dentre eles o Brasil, e publicado em agosto de 2015 no Journal of Obstetrics & Gynaecology (BJOG).
Os pesquisadores que assinaram o levantamento estão vinculados ao The Guttmacher Institute, uma organização internacional com sede nos Estados Unidos que há mais de 50 anos estuda e pesquisa direitos reprodutivos.
Para compor o trabalho atual, os cientistas vasculharam dados e estudos de sistemas públicos e privados de cada país. O levantamento considerou dados de 2012 e é um dos poucos a tentar entender em que estado e em quais circunstâncias essas mulheres chegam ao hospital e quantas elas são.
Dos 26 países estudados, 24 forneceram dados de atendimento pós-aborto dos setores público e privado. México e Camboja incluíram apenas o setor público. Os pesquisadores ainda fazem uma ressalva importante. Os dados foram coletados em sistemas de saúde e não contabilizam mulheres que precisaram de ajuda, mas não procuraram o hospital.
Além do Brasil, outros países da América Latina inclusos no estudo foram Argentina, Chile, Costa Rica, República Dominicana, México, Colômbia, Peru, Guatemala e Venezuela.
Na África, dados de Burkina Faso, Etiópia, Kenya, Malawi, Ilhas Maurício, Nigéria, Ruanda, Senegal, Tanzânia e Uganda foram contemplados e, na Ásia, foram estudados os sistemas de saúde do Sri Lanka, Bangladesh, Paquistão, Camboja, Myanmar e Filipinas.
O conjunto de dados evidencia que, a cada dia, cerca de 800 mulheres morrem por causas relacionadas à gravidez e ao nascimento que poderiam ter sido prevenidas. Desse número, o aborto clandestino responde por cerca de 8 a 15% das mortes e figura dentre as principais causas de morte materna no mundo.
Outras muitas mulheres, no entanto, sobrevivem mas não obtêm apoio e tratamento adequado após o aborto. Dentre os países estudados, o Brasil foi o que menos tratou as mulheres após procedimentos clandestinos. A taxa é de 2.4 para cada 1.000 mulheres. O Paquistão, na outra ponta, foi o país que mais atendeu esse grupo, com uma taxa de 14.6 a cada 1.000.
As baixas taxas, como a vista no Brasil, segundo o estudo, podem ter duas explicações: uma é a de que a mortalidade dessas mulheres é baixa, já que elas não precisaram ir ao hospital após o procedimento. A outra é que, de alguma maneira, elas não têm acesso ao médico no pós-aborto.
O baixo atendimento ao pós-aborto no Brasil segue uma tendência latino-americana. No estudo, as idas de mulheres a hospitais depois do aborto diminuíram de 7.7 para cada 1.000 mulheres em idade reprodutiva (15 a 44 anos) no ano de 2005 para 5.3 em 2012.
Os tratamentos que se seguem a complicações do aborto clandestino também custam aos sistemas de saúde desses países cerca de US$ 232 milhões ao ano.
Em linhas gerais, o trabalho indic a a necessidade de uma melhoria nos serviços de atendimento pós-aborto e campanhas mais informativas sobre saúde reprodutiva.
“O estudo mostra a importância de melhores serviços dedicados à saúde reprodutiva, o que inclui o acesso a serviços de planejamento familiar, contracepção e aborto seguro”, escreveram os cientistas.
“Esses serviços podem trazer benefícios econômicos significativos, bem como melhorar a saúde e o bem-estar das mulheres e suas famílias.”
Mais acesso à medicação abortiva diminuiu complicações
O estudo aponta que a disponibilidade do misoprostol, o famoso Cytotec, diminuiu as complicações por aborto inseguro nesses países.
Os dados levantados pelos pesquisadores indicam que o acesso ao medicamento, seja por meio legal ou clandestino, diminuiu o número de mulheres que tentam realizar o aborto pela introdução de objetos pontiagudos no útero ou até, mesmo, provocando acidentes.
Embora tenha minimizado os casos mais graves, no entanto, o Cytotec não contribuiu para a diminuição da taxa de mulheres que ainda precisam ir ao hospital após tentarem provocar o aborto.
“Com base em algumas evidências que mostram nenhum declínio ou até o aumento de idas de mulheres ao hospital, vemos que essas pessoas não têm informação sobre como utilizar o medicamento corretamente”, escreveram os pesquisadores.
“Outra questão é que profissionais de saúde não possuem conhecimento do protocolo correto para oferecer o atendimento pós-aborto.”
No Brasil, às vezes, alguns casos ganham visibilidade
Por aqui, as mortes por aborto clandestino possuem casos que, de vez em quando, chegam à mídia. Um deles foi o da auxiliar administrativa Jandira Magdalena, 27, que morreu em agosto de 2014 após procurar uma clínica clandestina no Rio de Janeiro. Ela deixou duas filhas.
O corpo de Jandira foi encontrado carbonizado, sem os dentes e sem impressões digitais. Após o caso, o Estado do Rio de Janeiro deflagrou uma operação para tentar desbaratar clínicas clandestinas. No caso de Jandira, dez pessoas foram presas.
Também o atendimento em hospitais, às vezes, vira notícia. Este ano, uma mulher que procurou ajuda do hospital após realizar aborto sozinha em São Bernardo do Campo foi denunciada por médico que a atendeu. O Conselho Federal de Medicina e o Conselho Regional de Medicina de São Paulo consideraram que o profissional violou o Código de Ética Médica.
Atitudes como essa aumentam os riscos para as pacientes que, após o aborto, precisam de atendimento médico. E não são poucas: uma importante pesquisa de 2010 feita na Universidade de Brasília pela antropóloga Debora Diniz e pelo sociólogo Marcelo Medeiros mostrou que uma em cada cinco mulheres brasileiras se submeteu ao aborto uma vez na vida. “A Pesquisa Nacional do Aborto” foi premiada pela Organização Pan-Americana de Saúde pela contribuição à saúde pública.
Apesar da alta prevalência, no entanto, o aborto é crime no país, exceto em casos de estupro, risco de vida à mãe e fetos anencéfalos. A condição de crime leva muitas mulheres a procurar por outras vias para a realização do procedimento. Tanto é assim que os dados Organização Mundial da Saúde mostram que o número de mulheres no Brasil que fazem aborto passa de um milhão por ano.
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