‘Não dá para esperar a população ficar doente para decidir o que fazer’

Já vão quase quatro anos desde a proibição pela ANVISA da venda de mamadeiras e outros utensílios para bebês contendo bisfenol A, composto presente em alguns tipos de plástico e sob a suspeita de que possa atuar como desregulador endócrino, mimetizando alguns dos hormônios produzidos pelo corpo humano (leia a reportagem completa aqui).

Apesar disso, a discussão no Brasil sobre o que são os desreguladores endócrinos e sobre o que fazer diante dos possíveis riscos que eles possam oferecer à saúde ainda é limitada. 

Para a médica Tânia Aparecida Sanchez Bachega, presidente de uma comissão sobre o tema na Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, a informação é o melhor caminho para que a população entenda os riscos e esteja atenta. Informação essa que, infelizmente, ainda está em falta nas prateleiras dos supermercados brasileiros.

A médica Tânia Bachega, presidente da Comissão de Desreguladores Endócrinos da Sociedade Brasileira de Endocrinologia. Foto: Arquivo Pessoal
Tânia Bachega, presidente da Comissão de Desreguladores Endócrinos da Sociedade Brasileira de Endocrinologia. Foto: Arquivo Pessoal

Saúde!Brasileiros: Por que devemos prestar atenção aos desreguladores endócrinos?

Tânia Bachega: Um desregulador endócrino pode ser qualquer componente químico com a capacidade de alterar o funcionamento dos nossos hormônios, causando doenças. Quando se fala em compostos químicos, em geral se usa o conceito da toxicologia que estabelece uma dose mínima do composto, que seria o máximo de exposição adequada.

Abaixo dessa dose, a exposição ao composto seria segura. Esse princípio de toxicologia, porém, não se aplica aos desreguladores endócrinos como o bisfenol. Nesses casos, mesmo e doses pequenas, estudos com animais evidenciam que eles podem ter um efeito deletério sobre o organismo.

Por que substâncias como o bisfenol fazem mal ao organismo?

Várias doenças são determinadas por predisposição genética e pelo efeito aditivo dos fatores ambientais. Assim como ocorre com a exposição à poluição atmosférica, discute-se que o bisfenol seja apenas mais um fator ambiental que aumenta o risco para o desenvolvimento de enfermidades, dentre elas o câncer. 

O problema é que como essa exposição pode acontecer na vida adulta, na infância ou até mesmo na vida pré-natal, fica difícil você ter um caso de câncer e dizer que ele aconteceu por causa da exposição crônica ao bisfenol em algum momento da vida.

Você falou em câncer. Em quais tipos de câncer o bisfenol pode ter influência?

Aqueles que são hormônio-dependentes, como o câncer de mama, de próstata e de intestino grosso. Em laboratório, já se observou que quando são jogadas pequenas doses de bisfenol em células de cultura de câncer de mama, a proliferação dessas células aumenta muito em comparação com aquelas que não foram tratadas com bisfenol.

Além disso, em camundongos, já se encontrou a associação entre a exposição ao bisfenol e o desenvolvimento de patologias de próstata, redução da produção do hormônio da tireóide e infertilidade. 

Hoje em dia, no Brasil e em muitas partes do mundo, a incidência de hipotireoidismo é muito grande e existem estudos que mostram que quanto maior a concentração de bisfenol no sangue, maior a frequência no surgimento de alterações na produção dos hormônios da tireoide. Mas o bisfenol não é o único desregulador endócrino. O que acontece é que a quantidade de estudos em laboratório com o bisfenol é muito grande na literatura científica.

O ftalato é outro desses desreguladores, correto?

Sim. No caso dos ftalatos, já se observou, em ratos, que ele está relacionado à hipospádia, que é uma malformação da uretra. Claro, não podemos generalizar e dizer que todo plástico tem bisfenol ou ftalato. Isso vai depender do que a indústria usou para produzi-lo.

E como podemos saber?

É muito difícil no Brasil ter informação sobre a composição dos plásticos, muito menos se ele contém um desregulador endócrino ou não. Mal temos informações sobre o próprio alimento, o que dirá sobre a composição dos plásticos da embalagem. 

Alguns fabricantes se adiantaram e colocam selos BPA free, mas essa ainda não é uma prática muito frequente no Brasil. Porém, como eu disse, o BPA não é o único problema. Estudos científicos também consideram os ftalatos como desreguladores endócrinos e apontam que eles podem causar malefícios à saúde.

Processos comuns, como aquecer alimentos em embalagens plásticas no microondas, podem aumentar a migração dos desreguladores para os alimentos?

Sim. Sempre que o bisfenol sofrer uma hidrólise, ele pode contaminar o alimento. Essa hidrólise é maior se o plástico for colocado no microondas para o aquecimento ou se contiver alimentos ácidos, como o tomate. Além disso, o bisfenol não está só no plástico. Em alimentos enlatados, a resina epóxi que reveste a parte interna da lata também tem bisfenol. Além disso, a água pode ter bisfenol e também papéis térmicos.

Por isso, a sociedade americana de endocrinologia acha que se deve ter muito cuidado ao colocar uma dose mínima de exposição para as embalagens, porque as vias de contaminação são múltiplas e simultâneas.

Como então podemos controlar o contato com desreguladores endócrinos?

Em um mundo industrializado, é impossível evitar uma contaminação total mas, na medida do possível, temos que minimizar essas exposições. Precisamos tomar muito cuidado para não alarmar a população porque muitos plásticos contém bisfenol. Repito que grande dificuldade, não só do Brasil, mas de todas as agências regulatórias, é estabelecer esse limite máximo de exposição segura. Porque há muitas incertezas com relação à exposição total de um indivíduo. Porém no caso de um plástico que embala alimentos, minha sugestão é evitar a compra caso ele tenha BPA.

Há muitas críticas em relação às pesquisas sobre os desreguladores endócrinos, uma vez que elas são incapazes de estabelecer uma relação de causa-efeito entre as doenças e o consumo dessas substâncias.

Sempre haverá críticas de que você não pode transpor para o homem resultados com animais. A grande questão é que você não pode contaminar uma pessoa saudável e ver se ela ficará doente.  

Além disso, há um princípio da Organização Mundial da Saúde que diz que enquanto um assunto for controverso, você não deve esperar a população ficar doente para depois decidir o que fazer. Deve-se aplicar o princípio da precaução: se há uma substância que acredita-se faça mal à saúde, a ideia é reduzir ao máximo a exposição da população enquanto se espera pelos dados científicos. 



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