Tribunal que condenou Rafael Braga absolveu assassino do filho de Cissa Guimarães

Por Carolina Piai

Na última terça-feira (8), o pedido de habeas corpus para o ex-catador de materiais recicláveis Rafael Braga foi negado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). Enquanto o presidente do tribunal, Luiz Zveiter, votou pela liberdade, os outros dois desembargadores decidiram manter a pena. Dentre eles, Antônio Jayme Boente, que tem no seu histórico a absolvição do homem que atropelou e matou o filho de Cissa Guimarães.

Além de Boente, Ricardo Coronha Pinheiro, juiz que foi responsável pela condenação de Rafael Braga e pela dosimetria da pena de 11 anos de prisão, é outra figura que acumula decisões jurídicas controversas. A mais recente e polêmica foi o mandado de busca e apreensão coletiva em todas as casas de duas das maiores favelas do Rio de Janeiro (RJ), no Complexo da Maré.

Quem são eles?

O desembargador Antonio Boente: dois pesos, duas medidas? (Foto: Divulgação)
O desembargador Antonio Boente: dois pesos, duas medidas? (Foto: Divulgação)

Antônio Jayme Boente julgou também o famoso caso do atropelamento de Rafael Mascarenhas, filho da atriz Cissa Guimarães, que foi morto enquanto andava de skate em um túnel interditado na Zona Sul do Rio de Janeiro. Na ocasião, Boente votou pela substituição das penas privativas de liberdade por prestação de serviços à comunidade. Os réus eram Rafael Bussamra, que atropelou Mascarenhas enquanto participava de corridas ilegais, e o pai dele, Roberto Bussamra, que pagou R$ 1 mil a policiais militares para acobertarem o filho.  A decisão ganhou por unanimidade na 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, mesmo local onde o pedido de habeas corpus de Rafael Braga foi negado na última terça-feira.

Ricardo Coronha Pinheiro foi o juiz responsável por definir a pena de 11 anos e 3 meses de reclusão – considerada desmedida por muitos juristas. Ele também negou o acesso a registros que poderiam indicar que o caso de Rafael Braga foi forjado. Além disso, no ano passado, Coronha Pinheiro expediu mandado coletivo de busca e apreensão nas favelas Nova Holanda e Parque União, na Maré, no Rio de Janeiro (RJ) e autorizou que a Polícia Civil entrasse em todas as casas da região. Dessa forma, ignorou a inviolabilidade do domicílio, que está inscrita entre os direitos fundamentais e assegurada pela Constituição Federal.

Quem é Rafael Braga?

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Rafael Braga Vieira, único condenado nas manifestações que tomaram o Brasil em junho de 2013, ficou preso injustamente por mais de três anos por portar desinfetante Pinho Sol e água sanitária, com a alegação de que pretendia fazer coquetel molotov. Além desses materiais não serem explosivos, Rafael não era um manifestante. Trabalhava como catador de latinhas e ajudava muito no sustento da mãe e de seus quatro irmãos mais novos. Todos vivem na Zona Norte do Rio de Janeiro, mas como não encontram tantas latinhas na região, Rafael costumava ir ao Centro para recolher mais material e juntar dinheiro para a família. Sem dinheiro para pagar condução diariamente, dormia na rua algumas noites e nesse contexto que foi abordado pela Polícia Militar.

No início deste ano, conseguiu regime semiaberto, mas passado menos de um mês a polícia o encarcerou novamente. Desta vez, é acusado por tráfico de drogas e associação para o tráfico por portar 0.6g de maconha, 9.3g de cocaína e um rojão. Rafael foi pego enquanto ia à padaria e afirma que o caso foi forjado. Apesar de uma testemunha confirmar sua versão, apenas as palavras dos policiais têm sido levadas em conta.

Agora, que o TJ-RJ negou o pedido de habeas corpus, a questão será enviada ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ): “O caso de Rafael é simbólico para nosso país e para as discussões sobre a justiça como um todo, porém não por sua singularidade, mas sim por ser a norma do direito penal escancarada para que todos possam apreciar”, conta Suzane Jardim, historiadora e uma das fundadoras da campanha 30 Dias por Rafael Braga, realizada durante o mês de junho em todo Brasil.

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Suzane argumenta que desde a abertura política do Brasil uma narrativa extremamente específica sobre prisões políticas tem sido utilizada. “Uma narrativa que desconecta casos como o de Rafael de uma crise geral complexa, que envolve o encarceramento e o literal extermínio da juventude pobre e negra”.

A historiadora também afirma que “a negação de habeas corpus em um caso como o de Rafael Braga é a regra dentro do sistema punitivo há anos. Muito antes  da atual crise política. Porém, com a visibilidade dada ao caso, agora podemos nos tornar cientes disso e escolher se iremos mais uma vez nos calar diante dessa realidade ou não”. 

E agora?

Com a negação do habeas corpus, Suzane assegura que os grupos que se articulam pela liberdade de Rafael Braga continuarão ativos e que pretendem manter o trabalho de trazer visibilidade não apenas para esse caso, mas para uma crítica estrutural às políticas de encarceramento  e à guerra às drogas. Ela conta que será um momento de união entre as organizações e os advogados que defendem o caso para pensarem em conjunto sobre os melhores modos de agir.

“Vivemos sob um sistema judiciário que prega um discurso de universalidade e neutralidade, mas que opera dentro de critérios muito específicos e politicamente postos”. Por conta disso, Suzane conclui: “a existência de uma demanda popular pela liberdade pode ser mais efetiva para um resultado positivo do que apostar puramente na possibilidade de um julgamento justo”.


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