A alegria de um Brasil ingênuo

Um mês antes da morte de Antonio Poteiro, a revista ARTE!Brasileiros já o elegera capa de sua quinta edição. No meio do processo de fechamento, fomos surpreendidos com seu falecimento. PX Silveira, seu amigo de várias décadas e autor de Poteiro na Primeira Pessoa disponibilizou, especialmente para este número, trechos de seu livro.

Poteiro fez sua arte sem querer dar satisfação a ninguém. Surgia-lhe a vontade e ele fazia, com tinta ou com barro. Para se expressar artisticamente, Poteiro lançava mão de procedimentos narrativos e formais que ele mesmo inventava e desenvolvia, sem parar, ao longo de sua extensa obra. Foi um criador de abecedário. Feitor de seu próprio caminho, que traçou ao esculpir, primeiramente, e depois ao pintar.
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Poteiro não tinha medo do erro. Como pintor, seu colorido por vezes assusta de tão forte e audacioso que é, sempre personalíssimo, e sempre certeiro para os fins almejados. E é assim que o resultado da sua linguagem inusitada (conteúdo e forma) agrada também esteticamente, mesmo sem ele querer ser um artista de arranjos feitos para o bom gosto vigente.

A arte de Poteiro, como sua personalidade, repousa no equilíbrio de contrastes imprevistos, daí a riqueza de ambas. É bem verdade que suas figuras têm uma aparência quase toscas, parecem feitas por um principiante nas artes do pincel, a ponto de seus traços serem frequentemente comparados, pelos desavisados, aos de uma criança. Sim, uma criança com sabedoria octogenária.

Tão espontâneo como uma criança que ia engatinhando para os 90 anos de idade, Poteiro viveu em permanente estado de aprendizado e expressão. Por isso mesmo o rótulo de artista ingênuo, primitivo – ou qualquer outro, não lhe cabe. Poteiro será sempre bem maior que as simples palavras que o tentam enquadrar.

Seu linguajar artístico, original e próprio, é fonte do patrimônio mundial que passa a fluir inesgotável em algum ponto da eternidade. Mas essa sua linguagem inaugural nada seria se não fosse colocada a serviço de um mundo interior em movimento e, assim, em permanente erupção do local para o global, interagindo com o pulsar da vida em suas dimensões sociais e filosóficas.

Seu abundante universo de criação artística abarca desde cenas primordiais do mundo até o caos no trânsito, do mundo animal às sagradas escrituras (a Bíblia era-lhe familiar), das Cavalhadas ao Fogaréu, das favelas aos coronéis, de Cristo aos deuses profanos, desde a política mundana até os pequenos detalhes de sua biografia, sendo esta o denominador comum de toda sua obra.

Pessoalmente falando, tenho por Antonio Poteiro uma enorme gratidão. Pois, além de sua importância no mundo artístico, no qual também atuo, nos últimos três anos fui seu confidente para a montagem do livro Poteiro na Primeira Pessoa e pude conviver com ele momentos sublimes, seja em sua casa, em seu atelier, em eventos e bares que frequentamos juntos ou mesmo andando de moto com ele na garupa. Em suas mais de 200 páginas, o livro traz muitas revelações inéditas de sua vida. Em breve, será encaminhado a escolas e bibliotecas de todo o País.


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