“A arte pertence ao mundo”

Fotos Luiza Sigulem

Um dos momentos mais aguardados do evento, o terceiro painel do seminário ARTE!BrasileirosO Colecionismo no Brasil no Século XXI, reuniu alguns dos nomes mais expressivos do cenário latino-americano das artes. Dando início aos debates em torno do tema O que podemos fazer para que grandes coleções privadas tenham acesso ao público, a colombiana Ella-Fontanals Cisneros, colecionadora desde os anos 1970 e fundadora da Cisneros Fontanals Art Foundation (CIFO), fundação sediada em Miami, nos EUA, fez uma apresentação de parte significativa do acervo da CIFO – entre as obras, dezenas de artistas brasileiros – e também falou da importância dos programas de comissionamento e premiação de artistas emergentes.

Para Ella, em defesa do interesse público e do acesso às obras, é necessário haver uma mudança de propósitos nas intenções do colecionador: “Cada um pensa de uma forma diferente, mas todos tem a custódia de algo que pertence ao mundo. Podemos ter a ‘guarda’ e cuidar das obras, mas a parte filantrópica tem que fazer parte do pensamento do colecionador. Nem todo colecionador gosta de tornar público o que tem. Essa é uma questão pessoal, mas é muito importante saber que esses artistas e essas obras tem, através de nós, a possibilidade de serem conhecidos e vistos ao redor do mundo”, defendeu Ella.

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Idealizador e fundador do Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires (MALBA), que completou dez anos em 2011,  o colecionador argentino Eduardo F. Costantini foi o segundo a falar. Já no ano de sua fundação, o MALBA realizou uma de suas mais marcantes aquisições, a compra da obra Abaporu, de Tarsila do Amaral, um dos maiores símbolos da arte moderna brasileira. A exemplo de Ella, Costantini também defende mudanças de postura e outras frentes de articulação que envolvam iniciativas públicas e privadas. “O que pedimos é uma modificação, que promova uma maior participação entre esses setores. O MALBA acabou de completar dez anos e nasceu da inciativa de uma única família. Muitas instituições, como o Guggenhein, surgiram de projetos familiares e, depois, atenderam o interesse público”, enfatizou Costantini, que não deixou de mencionar os mesmos dilemas fiscais experimentados pelos argentinos e ainda tão comuns ao mercado brasileiro: “Na Argentina, o imposto de importação era de 40%. O setor público não distinguia entre comprar uma obra de arte ou um Mercedes-Benz. Era o mesmo. Se a família compra um automóvel de luxo, ou um hospital compra uma ambulância, o tratamento fiscal é o mesmo”.

Para Patrick Charpenel, diretor da Fundação JUMEX, de Guadalajara, no México, os entraves públicos também são um impecílio para dinamizar as relações do mercado de arte:  ”No México, um dos grandes males nas operações é a burocracia. Os museus operam em condições muito difíceis e o apoio de empresas do setor privado é muito importante para manter essas instituições abertas ao público e contribuir em muitos níveis para não só promover exposições, mas enriquecer o debate e disseminar opiniões construtivas em simpósios e seminários como esse”, disse.

Encerrando o painel, João Carlos de Figueiredo Ferraz, fundador do Instituto Figueiredo Ferraz, foi ovacionado várias vezes ao longo de seu discurso. Inciou sua explanação propondo transparência. “Esse é um assunto que merece uma conversa bem aberta. A obra de arte é muito maior do que qualquer um de nós  ela pertence a vida. O que podemos ter conosco, quando se trata de obra, é a guarda. Mas ela vai ultrapassar em muito a nossa própria vida e é de domínio público.  Me considero um ‘zelador’ de tudo que está no instituto”, disse sob aplausos.

A seguir, Figueiredo Ferraz também reiterou a importância das articulações, da necessidade de uma mudança de postura do Estado, e falou das dificuldades fiscais que envolvem as negociações.  ”É preciso ter um tripé: pessoas físcias, jurídicas e o Estado, mas me parece que o Estado não tem disposição alguma para colaborar. As dificuldades são imensas e a burocarica é brutal. Lógico que há pessoas da maior boa vontade, mas  o Estado coloca muito impecílio à importação. O imposto é brutal e não importa se estão chegando nos conteineres obras de arte ou salame”, ironizou.

Retomando a discussão da permanência do Abaporu na Argentina, Figueiredo Ferraz sentenciou com bom humor:  ”Não acredito que a obra da Tarsila esteja menos bem cuidada na Argentina do que aqui.  Nunca soube que a Itália se ressente que a Monalisa esteja no Louvre. E o que dizer da França em relação a todos os Picassos espalhados no mundo?”.

Encerrando o painel, Figueiredo Ferraz defendeu distinções entre os conceitos de arte, cultura e lazer. “Dizem que a arte é elitista, mas isso nada tem a ver com questões financeiras. A arte é para uma elite de sensibilidade. Uma coisa que me preocupa é que o Estado confunde cultura com lazer e entretenimento não é cultura”, provocou.

 

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