A polêmica sobre o “tombamento” de obras de arte no Brasil

O presidente do Ibram, Angelo Oswaldo, e a ministra Marta Suplicy
O presidente do Ibram, Angelo Oswaldo, e a ministra Marta Suplicy/ Foto: Ibram

O debate sobre a possibilidade de o Estado declarar obras de arte “bens de interesse público” fez barulho nos últimos meses, e apesar de a poeira ter começado a baixar, continua na pauta do dia no meio das artes plásticas do País. Apesar da discussão não ser tão recente – ela esteve em debate, por exemplo, no seminário O Colecionismo no Brasil no Século XXI, da ARTE!Brasileiros, em 2012 –, a publicação em outubro de um decreto presidencial regulamentando o Estatuto de Museus (criado há cinco anos junto ao Instituto Brasileiro de Museus – Ibram) causou rebuliço entre galeristas, colecionadores e o chamado “mercado da arte” de modo mais amplo.

O motivo, mais especificamente, é o fato de o decreto dar ao Estado o poder de definir obras, inclusive aquelas de posse privada, como bens de interesse público, o que representa uma espécie de “tombamento” – para usar um termo mais difundido. Isso significa que estas obras serão registradas e, a partir daí, deverão ter autorização do Estado para poderem ser comercializadas, restauradas ou tiradas do País. O interesse do governo, com isso, seria “exercer aquilo que a Constituição manda: fazer o registro dos bens culturais importantes para o patrimônio do povo brasileiro, para a memória, para a história do País, para a arte brasileira”, segundo afirmou o presidente do Ibram, Angelo Oswaldo, em debate promovido pela revista Select na última segunda-feira, dia 17, com a presença de importantes galeristas e agentes culturais.

Seja como for, a reação à nova lei veio rapidamente – ainda no fim do ano passado – e, segundo a Abact (Associação Brasileira de Arte Contemporânea), o mercado retraiu. Com medo inclusive da expropriação, alguns colecionadores começaram a recusar o pedido de empréstimos de obras para serem exibidas em mostras, para que elas não entrassem na mira do Ibram. Para Oswaldo, trata-se de um medo infundado. “Não foi o Ibram quem criou a polêmica. Ela foi criada por má interpretação, que trouxe um apavoramento diante de uma coisa que é pertinente, cabível e necessária. Nunca vi tanto galerista infernizando o mercado de arte como nos últimos 4 meses. (…) O bem declarado de interesse público não é expropriado, desapropriado, imobilizado. O proprietário continua dispondo do bem, mas ele tem que comunicar. Importa o registro, o conhecimento, saber onde a peça está”, disse Oswaldo.

Mas para muitos galeristas e colecionadores, apoiados por advogados e especialistas em direito, a coisa não é tão simples assim, já que o texto do decreto dá margem a outras interpretações. No mesmo debate, o professor de direito Roberto Dias da Silva argumentou que há diferenças entre o que já estava na lei (de anos atrás) e o que diz o decreto de outubro. O decreto, afirma ele, estaria indo além da lei ao estabelecer novas regras, e isso o tornaria inconstitucional. A passagem que diz que o governo poderia fazer inspeção de obras em qualquer lugar, por exemplo, estaria também de desacordo com a garantia de inviolabilidade de domicilio, o que resulta em falta de segurança jurídica. Seguindo essa mesma linha, o colecionador João Carlos de Figueiredo Ferraz afirmou: “O mercado é o mecenas de hoje em dia. E o que é que precisa para esse mercado ser ativo, se fortalecer? Duas coisas: regras claras e segurança para o investidor. Sem isso ninguém compra, investe…”.

O colecionador João Carlos de Figueiredo Ferraz
O colecionador João Carlos de Figueiredo Ferraz/ Foto: Instituto Figueiredo Ferraz

Prosseguimento 

Apesar destas afirmações e da certeza de que o debate continuará quente, os quatro meses de discussão e as várias explicações dadas pelo presidente do Ibram parecem ter acalmado aqueles que mais se exaltaram no começo. Segundo Oswaldo, a declaração de interesse público é algo pontual, no sentido de que deverá afetar algumas “coleções exemplares, únicas, singulares” – poucas vezes de arte contemporânea, inclusive – e não toda e qualquer obra nacional de relevância. Para o “tombamento”, a obra passará pela avaliação de técnicos do Ibram, de um conselho constituído por 8 representantes de entidades culturais ligados ao governo e 13 personalidades do campo da museologia e da cultura e, por fim, pela homologação do ministro da cultura. “Me parece bastante razoável”, disse Oswaldo, seguido pelo questionamento de Figueiredo Ferraz: “Se isso tudo que você está dizendo estivesse escrito, nessas palavras, acho que não teria nenhum tipo de problema. O temor vem porque o decreto é mal redigido”.

Os lados não chegaram, até o momento, a um consenso, e assim parece que permanecerá o quadro nos próximos tempos. Segundo Oswaldo, é a prática “com transparência” do conselho que vai estabelecer um caminho e clarear as dúvidas. Mudanças no decreto, desejadas por galeristas e colecionadores, não estão em questão no momento. “É essa atividade do conselho que vai nos levar a uma possível alteração. Mas, a priori, eu não posso começar a praticar um documento legal dizendo que vou mudá-lo no dia seguinte. O que devo fazer diante de uma lei que foi votada pelo congresso nacional e sancionada pelo presidente da república? Eu tenho que executar essa legislação da melhor maneira possível”, concluiu o presidente do Ibram.

  


Comentários

2 respostas para “A polêmica sobre o “tombamento” de obras de arte no Brasil”

  1. Avatar de Luis Carlos
    Luis Carlos

    O Ibram e o governo pretendem com essa desculpa furada de ” interesse nacional ”
    controlar o mercado, ” por a mão na grana do mercado de arte “!
    A prova da má fé nessa iniciativa se mostra na incompetência das pessoas
    que levaram 4 anos desenvolvendo essas regras, está na forma obscura e
    tendenciosa que essas regras se mostram.
    O Ibram e o governo deveriam empenhar-se em cuidar e se responsabilizar
    pelo patrimônio artísticos que já estão tuteladas pelo estado.
    O governo deve cuidar das áreas fragilizadas da sociedade: Habitação,saúde
    e escola.
    O mercado de arte não carece!

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