Toda vez que um museu brasileiro?supera reveses, ganha a simpatia da população e alcança a façanha de público superior a 20 mil pessoas ao mês, caso do Museu Afro Brasil no Pavilhão Manoel da Nóbrega, perto do portão 10 do Ibirapuera. Pode escrever: ele tem mais do que um ótimo acervo ou exposições temporárias de alta qualidade e nível internacional. Ele tem liderança.
A história da museologia no Brasil passa por alguns nomes de peso nessa linha, como Pietro Maria Bardi, que se entregou de corpo e alma ao cultivo de várias gerações na fruição da arte à frente do MASP, e Emanoel Araújo, cujo espírito artístico ditou a renovação e a reinserção da Pinacoteca do Estado na agenda cultural de São Paulo. É um privilégio o Afro Brasil ter como fundador, em 2004, e desde então seu curador-chefe, esse mesmo Emanoel, imbuído desta vez da nobre missão de colocar em evidência a contribuição da arte afro-brasileira na formação cultural do País.
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Nascido em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano – tradicional celeiro de artistas -, Emanoel Alves de Araújo é escultor, desenhista, gravador, cenógrafo, pintor, curador e museólogo. Um incansável!
Quando perguntado sobre o que melhor define hoje o Museu Afro Brasil, na resposta prevalece o criador: “O Afro Brasil não é um museu de etnologia ou de antropologia, mas de arte e história. É o espaço do homem afro-brasileiro na perspectiva de sua ancestralidade africana e, ao mesmo tempo, um centro de referência dessa contribuição”.
O museu do Ibirapuera tem pouco a ver, de fato, com o Musèe du Quai Branly, de Paris, surgido da fusão do Museu do Homem e do Museu Nacional de Artes da África e da Oceania, em 2006, dois anos depois do Afro Brasil. “Os franceses inventaram essa história de fazer um museu das artes primeiras, porque não cabe mais a definição de arte primitiva”, diz Emanoel Araújo. O curador-chefe do Afro Brasil admite, contudo, ser difícil a catalogação “arte afro-brasileira”, por força da poderosa influência da cultura europeia, de origem greco-romana, entre nós.
“A arte africana tem seus próprios dogmas e estes estão dentro de uma perspectiva peculiar: a forma de empilhar, a forma totêmica, entre outras”, lembra Emanoel. “Eu diria que alguns artistas, até por sua ancestralidade, têm certos conteúdos dentro desses dogmas, como Agnaldo Manoel dos Santos e Rubem Valentim. A obra de Valentim, apesar de ter uma linguagem universal, está toda fundamentada na origem totêmica, na repetição de símbolos afro-brasileiros de fundo religioso, ou seja, numa linguagem que não é mais europeia.” Emanoel sugere que a pesquisa acadêmica avance nesse sentido, isso, mas não no sentido exclusivamente antropológico. “O objeto de arte e o artista têm de ser estudados enquanto tais.”
Ao se apropriar ou se deixar influenciar por elementos da arte africana, artistas como Picasso e outros, no século XX, teriam se antecipado. “Aquela exposição no MoMA, anos atrás, ‘Arte Moderna e Arte Primitiva’, foi um levantamento do que havia nesse sentido no mundo inteiro”, recorda Emanoel. “Outra tentativa foi os ‘Mágicos da Terra’, no Beaubourg.” Para Emanoel Araújo, artistas como Picasso, Brake e Breton se valeram um pouco da arte africana, assim como os impressionistas se valeram da arte japonesa. “Havia ali uma densidade plástica como também uma densidade espiritual. Uma nova visão de mundo a partir de certas referências que a arte africana trazia. Essa visão é que é muito importante, e ela de certa forma se une a uma questão religiosa católica no Haiti, no Caribe, no Brasil, e continua sendo uma interpretação e uma agregação. Eles compreenderam a transcendência que havia. O movimento surrealista, principalmente. O Breton era um marchand de arte africana. Ele trouxe para si e seus pares na época toda a importância da arte africana.”
Memória e contemporaneidade (portanto, criação atual) formam o escopo sobre o qual trabalha Emanoel Araújo na condução do Museu Afro Brasil. Por sua curadoria não são ignorados nem o preconceito, nem a discriminação ou a desigualdade social, mas compreendidos em um novo registro. O curador-chefe do Afro Brasil ousa e avança. Com a exposição Tempos de Escravidão, Tempos de Abolição: Iconografias e Textos, ele polemizou diretamente com movimentos negros que rechaçam o 13 de Maio. “Mas houve o 13 de Maio, a princesa e outras pessoas muito importantes lutaram por ele, não importa se já era o final da escravidão.”
O Museu Afro Brasil já deu suficiente mostra de não dogmatismo com exposições como a de Rauschenberg sobre o mercado das pulgas em Paris, a do artista espanhol Uiso Alemany, ou O Deserto Não é Silente – uma seleção das mais importantes obras do patrimônio arqueológico e da arte contemporânea da Líbia. Segundo alguns críticos, as obras de Emanoel Araújo se inscrevem em geral no Construtivismo; segundo outros, resistem aos rótulos e são extremamente singulares, mantendo ao mesmo tempo relação com elementos afro ao aliarem formas geométricas a cores fortes e contrastantes. “Foi em 1976, quando houve o Festival da Nigéria de Arte Negra, que eu me dei conta de como o meu trabalho se aproximava da arte africana. Naquela época, eram muito geométricos e com certa tendência à abstração.
Mas, só mais recentemente, consegui aliar a geometria a questões simbólicas da religião afro-brasileira (o candomblé). A minha grande luta, agora, é trabalhar nessa direção: fazer uma escultura geométrica, mas fundamentada em símbolos religiosos, com base nesse grande leque do panteão africano através da Bahia. Minha exposição no Instituto Tomie Ohtake, no ano passado, era um pouco isso. Uma viagem pela energia e sinergia dos deuses africanos.”
Em tempos de Copa do Mundo, o curador-chefe do Afro Brasil abre espaço para um bem-vindo senso de oportunidade e inclusão estética: exibe a exposição De Arthur Friedenreich a Edson Arantes do Nascimento. O negro no futebol brasileiro. “Friedenreich, filho de alemão com negra, representa o começo da inserção do negro no futebol brasileiro. Essa exposição é uma homenagem a essa memória, a esses atletas que fizeram a diferença, que deram alegria, que inventaram a bicicleta, a folha seca. É o drible do Garrincha, a genialidade do Pelé, a força do Djalma Santos, a elegância do Didi.”
Emanoel Araújo é fascinado pela questão da memória e por personagens que não podemos deixar morrer, porque podem significar inclusive autoestima. “Em um País como o nosso, em que a gente sempre está precisando ser incentivado por alguma razão, porque o Brasil às vezes é muito difícil, muito duro, de qualquer lado que a autoestima venha, será importante. Poder entusiasmar jovens negros, a população mestiça, quem mora na periferia, ver seus rostos iluminados de alegria, isso é o que a gente quer.”
Museu Afro Brasil
Avenida Pedro Álvares Cabral, s/ nº
Parque Ibirapuera – Portão 10
São Paulo – SP – Brasil
Tel. 55 11 5579 0593
www.museuafrobrasil.com.br
Ter. a dom., das 10 às 17 horas (permanência até às 18h)
Estacionamento: Portão 3 – Zona Azul
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