Nascido em 1976, em São José do Rio Preto, Marcelo Moscheta vive e trabalha em Campinas, a pouco mais de 90 quilômetros de São Paulo. As idas e vindas para a capital paulista, pela Rodovia dos Bandeirantes ou pela Anhanguera, sempre confrontaram o artista com a realidade do Tietê, o rio com 1.100 quilômetros de extensão, que atravessa São Paulo de leste a oeste, serviu de rota para os bandeirantes e marca a paisagem urbana paulistana com sua lamentável degradação ambiental. Entre março e agosto deste ano, Moscheta fez três viagens ao longo do Tietê, de sua nascente, em Salesópolis, à foz, no rio Paraná. O resultado dessas expedições pode ser visto na exposição Arrasto, em cartaz na Casa do Bandeirante.
A ideia da viagem começou a ser gestada em 2012, quando Moscheta trabalhou como assistente do artista plástico português Hugo Canoilas, na preparação de material audiovisual que fez parte da intervenção Pássaros do Paraíso. A obra retomava o caminho percorrido pelos bandeirantes e foi apresentada também na Casa do Bandeirante, dentro da programação da 30ª Bienal de São Paulo. “Apaixonei-me pela história”, conta o artista, que em 2104 ganhou a Bolsa Funarte de Estímulo à Produção em Artes Visuais com o projeto das viagens, de uma instalação e um livro.
Moscheta percorreu um total de 2,5 mil quilômetros, com cerca de dois meses de intervalo entre cada viagem. Sempre sozinho, recolhia rochas, argila, areia e minerais diversos das duas margens do Tietê e os levava para seu ateliê em Campinas, onde fotografava, fazia medições, tendo já em vista o espaço expositivo que viria a ter, e revia os conceitos da exposição, a partir também dos diários que escrevia. Ao todo, passou seis meses dedicando-se ao projeto, um tempo que considera longo em relação ao que normalmente gasta na preparação de seus trabalhos. “Em geral, produzo de forma mais rápida e intensa”, conta Moscheta, que em recente residência artística na Itália levou apenas um mês para levantar uma exposição. “Sou sempre meio elétrico, mas tenho desejado fazer coisas com um ritmo mais lento. Para refletir melhor.”
O tempo estendido permitiu não somente reflexões, mas também novas experiências. Moscheta conta que, por vezes, tentou se colocar no lugar dos bandeirantes, tendo em mente a questão da “subtração” feita por esses exploradores no interior do País. “Mas também me identificava muito com os trabalhos de Rugendas e Debret”, diz. A abordagem, ressalta ele, não tinha viés antropológico ou sociológico, mas “sensível” e atento às impressões das viagens. Como, por exemplo, a percepção distinta que ele teve do Tietê em trechos distintos. “A relação com o rio muda ao longo de sua extensão. De Mogi das Cruzes à cidade de Tietê, ele é um elemento ignorado pelas pessoas. Já em Barra Bonita, é usado para o lazer, com belvederes em sua margem, e para o transporte fluvial. Acabei sendo contaminado por isso, ao ponto de nadar nele.”
A mostra resultante é como um museu de pequenas curiosidades. A expografia propõe uma “escala reduzida” das duas margens do Tietê, com o material coletado e documentado por Moscheta disposto em estantes. Apesar da referência aos bandeirantes, ressalta o artista, não há um caráter negativo, de “despojos de guerra” nos objetos apresentados. “Tento conferir uma dignidade museológica a eles, certa reverência”, diz o artista, que ecoa a mescla de racionalidade e sensibilidade de seu pai, um botânico. “Coloco-me como o próprio rio para falar de sua resistência. E uma imagem que me pareceu interessante incluir foi a de um fantasma, que acabou sendo a cachoeira do Salto de Avanhandava, em Penápolis, que volta a existir somente se as comportas da represa local são abertas. Está na exposição em uma imagem de arquivo, como um fantasma de um obstáculo, de um rio caudaloso, que foi domesticado.”
A relação com a paisagem já havia sido objeto de uma exposição feita por Moscheta em 2012, no Paço Imperial, no Rio. Com curadoria de Daniela Name, Norte foi resultado de três semanas de navegação feitas pelo artista no Círculo Polar Ártico e deu origem a uma publicação homônima. O mesmo aconteceu com Arrasto. “Durante as viagens, vi que somente a instalação não daria conta, o envolvimento era grande demais, era algo muito rico para ficar em uma camada apenas”, diz o artista, cujo livro tem textos de Divino Sobral, Douglas de Freitas e dele próprio, além de fotos e relatos.
Arrasto
Até 19 de dezembro
Casa do Bandeirante
Praça Monteiro Lobato, s/n – Butantã – São Paulo/SP
11 3031-0920
museudacidade.sp.gov.br/casadobandeirante.php
Deixe um comentário