Leia abaixo a entrevista com Mari Carmen Ramírez, umas das convidadas do Cliclo Talks da ARTE!Brasileiros, em parceria com a SP-Arte. Confira a programação completa e horários aqui.
ARTE!Brasileiros – Até que ponto o interesse pela arte latino-americana é um fenômeno cíclico quando se trata de instituições e de colecionadores? Estamos vivendo uma fase mais estável? Como os colecionadores americanos, especialmente, veem essa fase?
Mari Carmen Ramírez – O interesse na arte latino-americana moderna e contemporânea não é mais um fenômeno cíclico. Ao longo dos últimos 15 anos, principalmente, temos observado um aumento estável no nível de interesse e nos preços pagos por colecionadores, museus e galerias em todo o mundo. Podemos dizer que a arte latino-americana vem se tornando uma mercadoria desejável na economia global da arte. Ao longo desse período os colecionadores americanos têm se familiarizado com essa arte como nunca antes. Mesmo que seu interesse não seja especialmente focado na América Latina, eles estão adquirindo obras de artistas desta região para complementar as suas coleções de arte moderna e contemporânea. Desde 2001, os museus têm desempenhado um papel fundamental, estimulando e, ao mesmo tempo, sancionando essa tendência. Depois que o Museum of Fine Arts, Houston fez um grande investimento nessa área, outros museus se viram forçados a iniciar ou reformular seriamente sua relação com essa arte. Hoje, fazem parte desse movimento o MoMA, o Tate Modern, LACMA, Pompidou, o Met e assim por diante. Essa legitimação institucional não só tem impulsionado a arte latino-americana como tem enviado um recado poderoso aos colecionadores de que é bom comprar nesta área. Como resultado, estamos vivendo a “integração” da arte latino-americana no mercado.
A dimensão política da arte latino-americana sempre foi uma questão importante. O que tem mudado nesta perspectiva ultimamente? Será que as atenções estão voltadas para países como Cuba, Venezuela e mesmo o Brasil, por causa de suas turbulências políticas? Ou a dimensão política perdeu a predominância em relação a outros aspectos?
Toda arte é política, mesmo a arte geométrica e a arte concreta praticada no Brasil e em outros países da América Latina nas décadas de 1940 e 1950. Isso me leva a pensar que quando você se refere a uma “dimensão política” da arte latino-americana, se refere a um certo estereótipo nascido nos anos 60 ou um tipo de arte “revolucionária” que foi utilizada para enquadrar a região inteira em uma coisa só. Ou seja, uma arte que era figurativa e corajosa, com imagens de guerrilheiros à la Che Guevara. A realidade é que esse estereótipo nunca ganhou muito espaço nos círculos internacionais e está praticamente ausente da economia artística de hoje. No entanto, a maior parte da arte contemporânea produzida na América Latina é política, no sentido em que ela reúne as condições sociais e políticas do contexto local, de alguma forma. Recentemente, atuei como curadora de uma exposição da coleção do MFAH chamada Beleza Contingente: Arte Contemporânea da América Latina, na qual mostrei grandes obras e instalações que fizeram uso da linguagem do pós-minimalismo e pós-conceptualismo para tratar de uma ampla gama de questões que incluíam desde o tráfico de drogas até a violência doméstica. Os artistas utilizaram diferentes materiais e estratégias para transmitir seus pontos de vista críticos: de folhas de coca a dentes humanos, cabelo, estrelas do mar mortas, etc. A artista María Fernanda Cardoso, por exemplo, produziu uma linda instalação submarina usando estrelas do mar que também representava a dança com a morte, uma condenação a toda a questão da destruição do meio ambiente. Isto é arte política, mas é política de uma forma muito diferente do que eu acho que você tem em mente ao fazer a sua pergunta. Quando vista dentro do espaço da galeria, essas obras são indistinguíveis em relação à produção de artistas de outras partes do mundo. Elas não carregam explicitamente um rótulo de “identidade” ou “política” que as ligue à América Latina. No entanto, essas obras estão profundamente comprometidas e engajadas neste contexto, tanto em nível local como regional.
No contexto da arte latino-americana, em que estágio se encontra a arte brasileira? Este é um bom momento para nós, estamos melhor do que antes do ponto de vista estético e financeiro?
O Brasil é uma potência artística, tanto devido ao número de artistas que produz quanto à alta qualidade de sua produção. O País também tem uma boa infraestrutura interna de mercado e de galerias. E a Bienal, é claro, tem sido muito importante para a arte contemporânea do Brasil e da região como um todo. Nenhum outro país da América Latina pode competir com o Brasil nessas áreas, exceto, talvez, o México. Ao contrário do México, no entanto, o Brasil não tem uma infraestrutura de museus tão forte. Então eu acho que ainda há muito trabalho a fazer quando falamos de museus no Brasil. Em geral, no entanto, não resta dúvida de que a arte brasileira está ganhando espaço nos últimos 15 ou 20 anos e que este tem sido o seu momento mais importante, mais importante até mesmo do que o final da década de 1950, já que sua esfera de influência se expandiu significativamente. Muito poucos artistas da América Latina, por exemplo, podem gozar do status atual e do reconhecimento conquistado por artistas como Lygia Clark e Hélio Oiticica, cuja arte literalmente transcendeu as fronteiras brasileiras.
Qual é a sua percepção do mercado de arte no Brasil (desde os preços e impostos até as galerias e feiras) e sua presença no exterior, principalmente nos EUA?
O mercado de arte brasileiro sempre foi muito forte internamente, mas até muito recentemente tinha muito pouca presença na arena internacional. As feiras de arte têm contribuído muito para mudar essa situação. Hoje, você encontrará grandes artistas brasileiros em todas as feiras de arte e há uma maior circulação em nível de museus, galerias e coleções. Nos últimos quatro ou cinco anos, no entanto, o mercado de arte brasileiro se encontra imerso em sua própria bolha. Todos nós já vimos os preços subirem a níveis que eram inimagináveis dez ou 15 anos atrás. E todos agora se perguntam quanto tempo essa bolha vai durar. Os preços elevados fazem com que seja muito difícil para as instituições dentro e fora do Brasil adquirir obras nesta área. No MFAH, por exemplo, nós paramos de comprar arte brasileira dos anos 50, 60, e 70 porque já não temos como pagar por elas. E, como você sabe, o nosso orçamento para novas aquisições é um dos mais robustos entre todos os museus americanos. Além dessa bolha, há muitos outros problemas que dificultam o trabalho com a arte brasileira. Refiro-me às leis aduaneiras, impostos de exportação, corrupção interna, etc. Parece que no Brasil é muito mais complicado do que em outros países. Muitas vezes, esses problemas acabam por dificultar ou impedir projetos de colaboração entre museus e instituições culturais do Brasil e do exterior.
Sobre sua próxima visita ao Brasil, quais são seus planos em termos de arte: que galerias ou instituições você pretende visitar e por quê? Algum estúdio? Curadores?
Estou viajando com um grupo de colecionadores dos Estados Unidos e da Europa e nosso plano é ver tudo. Vamos visitar uma variedade de coleções particulares bem como museus, a SP-Arte e alguns estúdios.
Deixe um comentário