Anticorpos, processo imunológico da arte dos irmãos Campana

Artistas, designers, artesãos? Rótulos estritos não cabem para definir a pluralidade vista na retrospectiva de 20 anos de trabalho dos irmãos Campana. A mostra Anticorpos, atualmente em cartaz no CCBB de Brasília, reúne 200 trabalhos, muitos estilos e uma grife que se consolida no mundo das artes e do design brasileiro e internacional.

Com curadoria de Mathias Schwartz-Clauss, do Vitra Design Museum, em Weil am Rhein, na Alemanha, a exposição já rodou algumas cidades da Europa antes de aportar no Brasil – primeiro em Vila Velha (ES), em abril, e atualmente em Brasília, até o dia 25 de setembro.
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Anticorpos é tradução do título original da retrospectiva em inglês, Antibodies. Schwartz-Clauss explica: “Eles entendem o design como uma apropriação cultural de influências por meio de um processo imunológico”. A retrospectiva foi idealizada e produzida pelo museu alemão, que selecionou peças de colecionadores de todo o mundo e do próprio Estúdio Campana, além uma série de colagens e de peças inéditas, criadas a partir de experimentações em papel machê, desenvolvidas em cooperação com o Vitra Design Museum.

São peças de mobiliário, instalações, jóias e desenhos, nos mais diversos suportes, dos irmãos paulistas Humberto (1953) e Fernando (1961), naturais de Brotas (SP), um formado em direito e outro em arquitetura. Segundo Schwartz-Clauss, o grande sucesso de seu trabalho é sintomático do significado atual do design de autoria, que transcende as fronteiras entre arte e design e cria ícones estéticos com a forma de peças únicas e edições limitadas.

Os Campana descrevem o seu método como dar nova vida e novo significado aos objetos do cotidiano. Antes mesmo de se falar em sustentabilidade, já trabalhavam com material de refugo e coisas que são descartadas. O Estúdio Campana, localizado em Santa Cecília, bairro da zona central de São Paulo, tornou-se conhecido pelo design de mobiliário e pela criação de objetos instigantes. Hoje, abarca várias mídias e é dirigido a distintos públicos. Fernando e Humberto Campana são solicitados por instituições de arte e empresas e, desde seu início, cultivam parcerias com comunidades brasileiras produtoras de artesanato.

Trabalham com moda, como já fizeram para H. Stern, Grendene e Lacoste; figurinos, cenários e cenografia, como realizaram para o Ballet National de Marseille, em 2007; e musical, como Peter and the Wolf, em Nova York. Além disso, seus objetos integram coleções permanentes do MAM, em São Paulo, do MoMA, em Nova York, do Centre Georges Pompidou, em Paris, além do Vitra Design Museum, em Weil am Rheim.

Não há como não se admirar com a diversidade de materiais. São assentos compostos por bichos de pelúcia, fios emaranhados, bonecas de pano no estilo “Nega Maluca” ou papelão. Conchas, pedras, vime, aço, algodão, plástico, cobre e retalhos dão forma a objetos de mobiliário, artísticos ou surpreendentes – e mais uma vez não cabe aqui uma classificação exata sobre se são arte, artesanato ou design; estão mais para poesia visual.

Os Campana costumam dizer que material, forma e função se articulam juntos. Mas dão uma dica: os materiais são os elementos que determinarão os projetos e conceitos. Em geral, no processo de criação – ao qual se referem como caótico e permeado por discussões e críticas -, o material apontará o que ele “deseja ser”, se uma cadeira, uma luminária, uma estante. Fernando e Humberto estão constantemente investigando materiais descartados para ressignificá-los.

Apesar de formarem uma dupla afinada na questão do design e da arquitetura, os irmãos têm gostos bem diferentes em outras áreas artísticas, como literatura e cinema. Discutem, sim, mas estão abertos a aceitarem o que o outro propõe. E estas discussões – mais que saudáveis – entre os irmãos têm gerado os objetos mais inusitados e belos nos campos da arte, do design e do artesanato, que, como os irmãos, são diferentes, mas se complementam.

Todo o universo desses irmãos incansáveis está abarcado nos nove temas que amarram a retrospectiva. Fragmentos – com a poltrona Favela, de 1991, a ideia principal se tornou um tributo à improvisação e à efemeridade. Objetos Trouvés – para os irmãos Campana, as histórias contidas nos objetos e materiais deixam a nova peça impregnada de significados adicionais. Nós – fios de metal são utilizados como matéria-prima e repetidos continuamente, amontoados ou entrelaçados, até que um objeto utilizável desponte.

Varetas – objetos construídos com feixes de varetas que parecem refletir o caos artificial criado pelo homem. Esta série começou com um dos primeiros trabalhos de Humberto com metal: a escultura Grelha. Em seus primeiros objetos artesanais, Humberto já utilizava a maleabilidade tridimensional do vime; hoje, o material está presente em peças de luminárias e em assentos, para produzir esculturas figurativas em grande escala.

Em Planos Flexionados, o interesse dos Campana em combinar a abordagem artística com a produção industrial é representado por um grupo de objetos cujas formas claras e geométricas contrastam com o resto da obra dos artistas. Objetos de Papel – inspirados nas caixas de papelão que são reutilizadas e recicladas pelos catadores e moradores de rua de São Paulo, os Campana tiveram a ideia de utilizar o material para criar peças de luminária e biombos. Logo começaram a utilizar o papelão também para mesas e assentos. Atualmente, em parceria com o Vitra Design Museum, vêm explorando as possibilidades de criar, industrialmente, objetos manufaturados em papel reciclado e reciclável. Agrupamentos – uma das técnicas recorrentes dos irmãos Campana é retirar de seu contexto original, materiais manufaturados ou encontrados por eles e agrupá-los, para criar uma nova forma a partir dessa massa. Orgânicos – o ambiente natural do Brasil tem sido a fonte de regeneração e inspiração que os Campana buscam continuamente. A diversidade e os extremos das formas e cores tropicais são processados em objetos altamente engenhosos que se apresentam com formas orgânicas.

Depois de Brasília será a vez de São Paulo e Rio de Janeiro receberem Anticorpos, também no CCBB. Vale a pena conferir.


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