Aprendizes de feiticeira

Durante a exposição Terra Comunal, a brasileira Paula Garcia fará a performance Corpo Ruindo, em que vai atirar pedaços de metal sobre uma parede magnetizada. Luiza Sigulem
Durante a exposição Terra Comunal, a brasileira Paula Garcia fará a performance Corpo Ruindo, em que vai atirar pedaços de metal sobre uma parede magnetizada. Luiza Sigulem

Marina Abramović é a “maga” da performance na atualidade. Sua capacidade física e mental transformou-se em método e o que era segredo agora está ao alcance de todos. Basta ir ao SESC Pompeia na mostra Terra Comunal – Marina Abramović + MAI, a sua maior retrospectiva já realizada na América do Sul e a mais abrangente experiência aplicada até hoje pelo Instituto Marina Abramović – MAI.

Converso com Paula Garcia no espaço de sua performance no SESC Pompeia, onde se realiza a mega retrospectiva. As paredes da sala-palco são revestidas de metal imantado e, no chão, no centro do “palco”, uma tonelada de pregos gigantes está pronta para ser arremessada contra a parede, assim como quatro toneladas de ferro velho. Paula mora em Nova York, conhece teatro, já trabalhou com o grupo de Zé Celso e agora está preparada para o desafio de sua vida. Sem comer, beber, fazer as necessidades fisiológicas, ou mesmo descansar, vai passar oito horas diárias, durante dois meses, jogando os metais sobre as paredes.

Os “magos” de hoje, naquilo que a arte resgatou das antigas culturas, oferecem “rituais” diferentes dos tribais, que tinham um fim prático. As performances de arte levam o espectador a um processo de mudança, superando o estatismo e as convenções sociais. “Este trabalho vai me levar para onde nunca imaginei, vou testar meus limites físicos e mentais. Com essa rotina intensa de dois meses, com certeza vou sair uma outra pessoa”, diz Paula.


A coreógrafa americana Lynsey Peisinger, que também mora em Nova York, tem formação em dança e já estava engajada no MAI. Ela e Paula foram convidadas para juntar-se à performer e dividir com ela a curadoria de uma parte da exposição. “Nossas reuniões iniciais de trabalho, ainda em Nova York, para discutir toda a questão curatorial, o método, os artistas, onde colocar o MAI dentro do SESC, duravam oito horas”, conta Paula. Marina acabava dando uma aula de História da Arte para elas. “Nós falávamos dos projetos dos artistas brasileiros e ela dizia: ‘Esse trabalho aí me lembra o de outro das décadas de 1960 e 70’, e contava sua história. Nós ficávamos maravilhadas. Eu dizia que poderíamos ter essa aula uma vez por mês. Para mim e para Lynsey foi um momento único.”

O Método Abramović parece surtir efeito entre as colaboradoras. Paula mostra as picadas de insetos que ainda traz no corpo, resultado do workshop que fez em um sítio em Juquitiba, interior paulista, com Marina e os demais participantes. “Ficamos quatro dias sem comer, controlando a fome com a mente, tomando banho pelados no rio que passa pelo sítio. Tudo isso me deixou pronta para a performance e agora é só controle, resistência e deixar a mente em conexão constante com o corpo.” Paula não fez academia, mas se diz tranquila espiritual e mentalmente para o desafio.

Zé Celso e Abramović aparentemente são antagônicos, mas têm similaridade de conceitos pois ambos fazem o performer viver intensamente o momento presente e é disso que Paula vai se alimentar.

Lynsey, que colabora com Marina há algum tempo, pensa o método com ela e faz a seleção das pessoas que vão atuar. Juntas, trabalharam, no ano passado, na performance 512 Hours, na Serpentine Gallery, em Londres. Em Clean the House (Limpar a Casa, em tradução livre) elas também atuam em dupla, refletindo sobre a questão do método e do workshop.

Quase às vésperas da inauguração da retrospectiva, Marina deu palestra aos “facilitadores” e enfatizou a importância do que está sendo feito no SESC. Confirmou que Terra Comunal será levada para outros países onde o projeto também deve envolver a comunidade local, dialogar com artistas, curadores, pensadores. É como se o MAI fosse um instituto móvel. Agora, em São Paulo, pela primeira vez, elas estão com todos os componentes. “Isso para nós, que somos do instituto, é uma coisa incrível”, diz Paula. “Imagine daqui a dez anos, pensar que tudo começou no SESC. Estamos fazendo história.”

O prédio do MAI, recém-adquirido em Houston, precisa ser reformado e para isso Marina tem de arrecadar dinheiro. “Atuamos assim mesmo, sem essa complexidade e nível técnico que estamos tendo em São Paulo. Os conceitos e tudo o mais que foi pensado vamos conseguir realizar aqui. Por isso estamos preocupados com toda a imaterialidade que vai acontecer no Sesc, em termos das pessoas que vão aparecer e fazer performance no Space in Between (Espaço Entre), um local/laboratório para performances onde ninguém precisa ser convidado. Depois isso vai ser estudado por nós, tudo é um laboratório”.

Marina também falou aos facilitadores que o Instituto vai para onde ela e sua equipe forem. Num primeiro momento ela quer levar o MAI para a América Latina e não pensa ainda na Europa nem nos Estados Unidos. “Talvez um Chile, uma Argentina…”, diz Paula.

No Sesc, Lynsey estará mais próxima da parte interativa, onde o público participa de atividades imersivas para que possa experimentar um tempo consigo mesmo, apreciando a quietude e a ausência de necessidades. O método é uma experiência metafísica feita de luz e escuridão, ausência e presença que alteram a percepção dos sentidos, do espaço e do tempo.

Além do método, Marina tem um magnetismo pessoal impressionante, que atrai o público e também a sua equipe. “Somos como uma família”, diz Paula, 39 anos que não aparenta. Todos os dias ela se surpreende com Marina que, aos 69 tem uma energia juvenil. “Ela é uma coisa gigantesca, tem uma força mental descomunal. Ela não é guru é uma mulher genial”.


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