Arquivo para uma obra-acontecimento

Suely Rolnik conheceu Lygia Clark em Paris nos anos 1970 e escolheu a obra da artista como tema de sua tese e de vários ensaios. Suely dedicou-se a compreender e difundir quanto os trabalhos da artista buscaram mobilizar a “participação do espectador” e suas reações. Durante sua carreira Lygia criou, como ela mesma os denominava, os Objetos Relacionais. Objetos provocadores de pulsões, de ações e reações. É o caso de Bichos, no qual a possibilidade de manipular os objetos propicia uma experiência táctil e motora além do visual.

Na Estruturação do Self, trabalho realizado entre 1976 e 1988, a investigação da artista consistia em convocar o “receptor”, o “cliente”, para uma experiência corporal com objetos, como uma condição da construção da obra. Mas como registrar o “resultado” dessas sensações que passam a fazer parte da existência da obra, transformando-se automaticamente em outra? “O presente arquivo foi concebido como uma das respostas possíveis a esse desafio: uma produção de memória a partir da convocação das sensações experimentadas nas proposições de Lygia Clark, em seu contexto cultural ou no convívio com artista, buscando fazê-las pulsar no corpo das palavras dos entrevistados”, diz Suely Rolnik na apresentação da caixa que contém 20 CDs, com 20 entrevistas filmadas entre 2004 e 2005 e que foram traduzidas para o francês e publicadas pela Carta Blanca Editions.

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Um dos entrevistados, em 18 de abril de 2005, Caetano Veloso – músico, compositor, cantor e escritor – conta, por exemplo, o quanto ficou impactado, depois de conhecer Lygia e entrar em contato com algumas das suas propostas de trabalho. Ele teve a oportunidade de participar, em 1970, do projeto da Estruturação do Self, quando entrou em contato com pedras e elásticos que pendurava no corpo.

Caetano parece se referir à obra Prova do Real, onde uma ou várias pedras eram colocados na mão do “cliente”, ou a pedra era colocada entre a mão da artista e a de seu cliente, o que Lygia chamava de Ponte, designando o vínculo entre ambos que a pedra permitia estabelecer. Esse vínculo e essas sensações permaneceriam na memória do corpo mesmo depois de retirada a pedra.

Caetano conta que após esta experiência sensorial escreveu e gravou em Londres, em 1971, a famosa If You Hold a Stone e a dedicou à artista.

Foram entrevistados entre outros, Jards Macalé, no Rio de Janeiro, 2 de maio de 2005, cantor, violonista, compositor, arranjador e ator; Suzana de Moraes, cineasta, atriz, produtora e jardineira; Paulo Venâncio, no Rio de Janeiro, 5 de abril de 2005, professor da Escola de Belas Artes da UFRJ, crítico de arte e curador, Ivanilda Santos Leme, Rio de Janeiro, 11 de abril de 2005, prostituta. Tornou-se posteriormente ativista da Rede Brasileira de Prostitutas e fundou a ONG Fio da alma da qual é presidente.

Ferreira Gullar, no Rio de Janeiro, em 4 de abril de 2005, poeta e critico de arte; Paulo Herkenhoff, no Rio de Janeiro, 10 de maio de 2005, crítico, historiador de arte e curador (na época, era diretor do Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro); Hubert Godard, Paris, em 21 de julho de 2004, professor no Rolf Institute Boulder (Colorado) e do departamento de dança na Université Paris VIII, da qual foi um dos fundadores (1989); Julien Blaine, Paris, em 3 de agosto de 2004, escritor, participou ativamente do movimento da Poesia Concreta, tendo privilegiado o diálogo com os poetas brasileiros.

Anne–Marie Duguet, Paris, em 18 de julho de 2004, professora da UFR Art Plastiques & Sciences de l’Art (Université Paris I, Sorbone), crítica de criação eletrônica e informática; Guy Brett, Paris, em 28 de julho de 2004, crítico de arte e curador, autor de Brasil Experimental (2005), livro que reúne seus ensaios sobre artistas brasileiros, entre eles Lygia Clark; Yve-Alain Bois, São Paulo, em 19 de outubro de 2006, e Nova York, em 7 de junho de 2004, historiador de arte, crítico e curador, é professor no Institute for Advanced Study; e, finalmente, a própria Suely Rolnik, por Yve-Alain Bois e Guy Brett, São Paulo e Paris, em 15 de julho de 2004.


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