O mês de outubro em Londres, celebrado como o apogeu da temporada artística com a feira Frieze e inaugurações de mostras em museus e galerias, poderia ser confundido como um percurso pelas principais capitais da Alemanha, devido à grande presença da arte contemporânea alemã.
A Tate Modern apresenta a mostra Alibis: Sigmar Polke 1963-2010, apresentada no primeiro semestre no MoMA em Nova York e com itinerância marcada para o Museu Ludwig, de Colônia, a partir de abril de 2015. A Royal Academy of Arts apresenta um percurso de 40 anos pela obra de Anselm Kiefer, enquanto que a Marian Goodman Gallery contempla seu público com uma mostra de obras novas e recentes de Gerhard Richter em um compêndio como nunca visto nos últimos 20 anos no seguimento comercial na capital inglesa.
Sigmar Polke dizia ouvir vozes do além, vindas de seres superiores que passavam a ele prescrições de conduta artística. Ora um flamingo ao invés de um ramalhete de flores, outras vezes pintar o canto superior direito de preto! Obediente, o artista seguia essas indicações, caso contrário teria de ficar passivo aguardando sua vez chegar ou o tempo certo.
Sua alquimia era composta de intuição, planejamento e casualidade, além de, claro, todo o tipo de materialidade que passasse por seu caminho. A curiosidade e o experimento sempre fizeram parte de sua prática existencial, além do desprendimento e da incansável atitude laboratorial que podem ser percebidos na retrospectiva, cujos preparativos foram iniciados antes da morte do artista em 2010. A versatilidade técnica é a marca registrada de Sigmar Polke e, consequentemente, ligada a seu destino: o artista ressalta muitas vezes metaforicamente o conflito do ser humano pressionado entre a postura do Estado e sua própria fantasia, navegando entre a política, economia, ciência, crença, comportamento social entre outros.
Por ter nascido em 1941, vivenciou os últimos anos da Segunda Guerra Mundial e o período de reconstrução da Alemanha. O percurso artístico de Sigmar Polke teve início em 1961 com o ingresso na Academia de Arte de Düsseldorf, onde viveu desde 1953. Em Hamburgo, o artista pôde disseminar sua volúpia artística, entre 1970 e 1971, como professor convidado. Entre 1977 e 1991, atuou na mesma academia como professor. Testemunho de uma fase política turbulenta, não deixou de registrar essa vivência em sua obra e sempre de forma inteligente, irônica e crítica. Esse percurso não foi solitário, pois tinha como um de seus maiores contemporâneos o artista Gerhard Richter, com quem seguiu lado a lado por anos a fio. Os dois compartilhavam, principalmente na década de 1960, práticas semelhantes ao fazerem uso simultaneamente de um vasto registro de imagens, resultando em um amplo experimento estético com um toque subversivo em sua visualidade. Juntamente a Joseph Beuys, Georg Baselitz e Anselm Kiefer, deram à arte alemã o reconhecimento internacional que se estende até a atualidade.
Gerhard Richter por sua vez relata o universo histórico e pessoal que o norteia de forma sutil e com uma poética de grande caráter estético. Esse contexto pôde ser observado de forma ampla na retrospectiva que a Tate Modern dedicou ao artista em 2011, por ocasião da celebração de seus 80 anos de vida. Essa mesma mostra seguiu para a Neue Nationalgalerie em Berlim, enquanto que a Fundação Beyeler de Basel teve uma mostra ampla de suas obras ainda nesse ano. A exposição atual na Marian Goodman Gallery foca em obras atuais e em partes inéditas, baseadas nas séries de pintura Strip, Flow e Doppelgrau, além de uma escultura de vidro e poucas pinturas antigas marcantes de sua carreira.
A abstração aqui cultuada por Gerhard Richter não nos revela à primeira vista sua intenção, porém é o resultado de uma investigação conceitual e pictórica do artista, iniciada já na década de 1970 ao se apropriar e rever em técnicas distintas as próprias obras pela desconstrução das mesmas fazendo uso de técnicas avançadas de digitalização de imagem. Dessa forma, surgiu a série Strips, criada por meio de um corte vertical em uma fotografia de uma pintura abstrata de sua autoria de 1990. Esse corte inicial gerou mais de quatro mil secções verticais na obra resultando assim nas composições em forma de listras.
Já as pinturas da série Flow se referem ao gesto de congelar um processo pictórico por uma técnica semelhante à flotagem, pela fixação do vidro sobre uma pintura ainda única a captar uma imagem em movimento em um momento específico de sua existência. A série Doppelgrau (Double Grey) é composta de dipticons e posicionadas para refletir as obras que se encontram na parede oposta, assim como a presença do espectador. Esses campos de cinza fascinam o artista há quase 50 anos, gerando uma incansável pesquisa e envolvimento com a cor que simboliza para ele certa não definição.
A obra central da mostra é a escultura 7 Panes of Glass (House of Cards) que representa a intersecção entre arquitetura, escultura e site specific, explorando característica pictóricas como superfície, luz e transparência.
Gerhard Richter é considerado o artista vivo mais importante da arte alemã. Esse status dá a ele o impulso para incansáveis experimentos, visão e revisão de sua vasta e consagrada produção artística.
Anselm Kiefer concebe para o Royal Academy of Arts mostra única de seus últimos 40 anos de produção, focando em pintura, escultura e instalação. A magnitude de suas obras segue um fio condutor imerso no contexto histórico de seu tempo, assim como pesquisas e indagações filosóficas que o norteiam, mesmo que sejam respaldadas no absurdo e utópico. Um exemplo concreto desse universo é a obra instalada no pátio externo do museu chamada Velimir Khlebnikov: Fates of Nations: The New Theory of War, na qual o artista trabalhou por três anos. O teórico russo Khlebnikov concluiu que uma batalha naval ocorre a cada 317 anos. Kiefer se refere a essa teoria criando duas vitrines monumentais transparentes a reproduzir elementos marítimos misteriosos e dramáticos acompanhados de uma paisagem sobre a superfície, a vitrine como referência ao romantismo alemão típico de Casper David Friedrich. As obras expostas no museu exploram a linguagem usual do excesso de materialidade e complexidade com cores esparsas a compor uma narrativa crítica de seu tempo. A mostra é finalizada com uma marcante instalação de xilogravuras monumentais representando uma floresta, por onde o visitante pode experimentar a melancolia da região do Rio Reno aí exposta pelo artista.
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