Com o precedente da criação da Casa de las Américas na década de 1960, Cuba tinha se convertido em um centro cultural latino-americano. Em 1983, criou-se o Centro de Arte Contemporânea Wifredo Lam, sede da Bienal de Havana, em homenagem a Lam e expandindo a pesquisa concentrada nas artes visuais ao chamado Terceiro Mundo. Pode-se dizer que a Bienal tentou fazer para Cuba o que a Documenta tinha feito para Alemanha após a Segunda Guerra Mundial. Assim, a Bienal surgiu como uma alternativa de espaço para artistas que não tinham o privilégio da difusão internacional de suas obras e que não possuíam os recursos logísticos e financeiros necessários para garantir a presença em eventos como as Bienais de Veneza e São Paulo.
Em 1984, ano da primeira Bienal cubana, existiam apenas cinco bienais e mostras internacionais de arte com periodicidade fixa, em que somente uns 5% de artistas não norte-americanos nem europeus ocidentais haviam participado. Segundo o historiador e crítico Gerardo Mosquera, a Bienal de Havana tornou-se, assim, uma espécie de salão de refúgio global. As mudanças no objetivo inicial começaram a se diluir, fundamentalmente, a partir da sexta edição, em 1997, com a participação de artistas de outras zonas geográficas, como Christian Boltanski, Braco Dimitrijevi e Bill Woodrow.
Os prêmios e as exposições por suportes haviam sido abolidos na terceira edição, em 1989, e aqui começaram a ser definidas, o que acontece até hoje, as exposições temáticas. De Tradição e Contemporaneidade, em 1989, a Entre a Ideia e a Experiência, em 2015.
Como nas edições anteriores, na 12a Bienal ocorreram ghost biennials, eventos paralelos interessantes, intensos e energéticos. Foi o caso de Zona Franca, com curadoria de Isabel María Pérez, no parque Histórico Militar Morro Cabaña, que mostrou um apanhado representativo da produção artística cubana. Foram bons para ver e comprar muita arte cubana. E também de Detrás del Muro, com Juan Delgado Calzadilla como curador. Destaque neste último para a obra Secreter, de Lina Leal.
A aproximação entre Cuba e Estados Unidos, após mais de 50 anos, apimentou o evento. A participação de mais de 1400 norte-americanos e a execução de ações inovadoras nesse sentido, como Dialogues in Cuban Art, organizado pela curadora e artista cubano-americana Elizabeth Cerejido – responsável pela mostra de Abelardo Morell, no MAM-SP, em 2006, e cujo trabalho eu expus em Motores Utópicos Sensores Reais, em 2010, na Galeria Quarta Parede –, com artistas cubano-americanos, e o patrocínio de instituições dos EUA, são exemplos de mudanças.
Armando Hart Dávalos, ministro da Cultura de Cuba quando da primeira edição da Bienal de Havana, ressaltou na época que “as experiências fechadas conduziram à direita. Queremos artistas pelo mundo, temos uma tradição cultural ocidental. Não vamos renunciar a ser ocidentais nem vamos renunciar a ser comunistas. É complicado”.
Sendo assim, sempre foi necessário um diálogo entre a Bienal e o Governo para poder introduzir temas com um matiz político. Como se estabelecia esse diálogo? Na argumentação, a partir de uma ótica profissional da arte. O tema das migrações, por exemplo, sofisma em Cuba, foi introduzido em 1994, em paralelo ao boom da migração no país. A abordagem do tema por meio da exibição em exposições foi a única forma de incluir o assunto em Cuba sem que o mesmo fosse sensível para as autoridades oficiais.
E em 2015? Oportunismo ou não? Convicções e critérios defendidos subjetivamente. Cada contexto produz maneiras diferentes de se relacionar com os dramas humanos e também com a criação artística? O contexto cubano também tem suas particularidades. Os paradoxos entre as políticas governamentais e as propostas de performance de Tania Bruguera e de Re-mental, instalação de Sandra Pérez presente na exposição coletiva Cuál Es Tú Necesidad?, apagada da fachada do Arsenal por solicitação governamental, fazem parte desta incompatibilidade.
Mesmo assim, que venham outras muitas edições da Bienal de Havana.
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