Artista-curador/a como esfinge contemporânea (ou seria moderna?)

Imagem da obra "Você gostaria de participar de uma experiência artística?", de Ricardo Basbaum
Imagem da obra “Você gostaria de participar de uma experiência artística?”, de Ricardo Basbaum


A presença de artistas
ocupando a posição de curadores em projetos expositivos não é uma tendência atual, mas um processo que pode ser cartografado como algo herdado por meio das contribuições de projetos artísticos experimentais na virada da modernidade para o período contemporâneo na arte. Alguns ótimos exemplos são: localmente, a autogestão dos modernistas nos eventos ligados à Semana de Arte Moderna de 1922; no exterior, o histórico e largamente conhecido caso do urinol, o ready-made duchampiano, que foi inscrito pelo artista em um salão de arte, sob o pseudônimo R.Mutt, em uma exposição em que o próprio autor era um dos jurados. Sobre isso, incorro em uma redundância, pois é importante dizer: este trabalho de Marcel Duchamp (1887-1968) não é apenas o objeto em si, lido como algo advindo dos traços de seu dadaísmo; a obra, portanto, é o conjunto de coisas, afetos e situações apropriadas pelo artista ao performatizar seu gesto: o circuito, todo o jogo de relações aí implicadas, suas causas, efeitos, aceitações, rejeições e vaias. No caso dos modernistas, porém, a ideia era juntar em um mesmo contexto autores das diversas vertentes da arte (“só me interessa o que não é meu”, como defendia o Manifesto Antropofágico): pintura, poesia, dança, música, literatura. Deste modo, o evento foi descentralizado em sua organização e pode-se dizer que “a culpa” foi principalmente da dupla Oswald de Andrade (1890-1954) e Mário de Andrade (1893-1945), seus semeadores iniciais. Essas posturas são muito comuns à prática da curadoria – seja em projetos autogeridos, seja  em apropriações de visualidades e textualidades, o fazer da curadoria é essencialmente herdeiro dignitário do fazer artístico (fato que se traduz inclusive pela disparidade nos valores praticados nos pagamentos de curadores e artistas em um mesmo projeto expositivo).

É importante lembrar que o campo da curadoria é algo ainda em processo. Figura de formação híbrida e em geral inespecífica – pois os cursos universitários com habilitação nesta área no Brasil ainda são exíguos ou nem sequer existem  –, curadores, assim como artistas, não têm seu papel definido de um modo estanque. O curador pode ter um perfil mais voltado à produção, à pesquisa, à crítica ou mesmo à criação. Seja no âmbito de exposições institucionais ou não institucionais, curadores em geral se colocam como interlocutores do/s artista/s, pensando em conjunto com um indivíduo ou grupo a conceituação do projeto expositivo, o desenho de sua expografia, a escolha do espaço, a conquista de patrocínio, entre outras questões, e isso tudo termina por se vincular dialogicamente na associação entre as obras escolhidas e os formatos possíveis de apresentacão pública das mesmas. Dessa forma, são produzidos diálogos, trocas, relações que são compartilhadas com os espectadores, em maior ou menor medida, sendo sempre proporcional ao comprometimento desses agentes em relação aos projetos realizados.

Como é o caso de inúmeras exposições no âmbito da arte contemporânea brasileira e internacional, a Documenta XII, realizada em 2007, teve como diretor artístico Roger M. Buergel (um artista antes de ser curador) e a cocuradora Ruth Noack. Em dupla,  desenharam um projeto que contemplasse, além das exposições tradicionalmente realizadas em todas as edições da mostra, uma plataforma de publicações e um projeto educacional que agregava associações de moradores locais em Kassel, escolas, hospitais, etc., conjugando diversos equipamentos institucionais supostamente deslocados do campo da arte. Esses espaços eram trabalhados para que acontecessem atividades artísticas, mas que também apontassem em direção à esfera da vida, aos espaços de fora. Subsidiado nesse contexto, o trabalho de Ricardo Basbaum, Você Gostaria de Participar de uma Experiência Artística? parte da série NBP – Novas Bases para Personalidade, se destacou: o artista conseguiu realizar mais 20 cópias do objeto NBP, que surgiu em 1994 com tiragem aberta que inicialmente tinha apenas uma cópia, sem original. Os objetos foram produzidos em uma parceria com uma grande indústria multinacional, uma das patrocinadoras do evento. Com esse movimento, Basbaum pôde fazer a distribuição de seu trabalho e a chamada para participações numa escala mais ampla, mais internacional, algo que foi conjugando a micropolítica de pequenas organizações sociais e a macropolítica do mercado de arte. Como os ready-mades, os objetos NBP não são obras em si; são, outrossim, dispositivos de agenciamento de outrens e da afirmação de possíveis coautorias entre artista e espectador nos processos de leitura


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