Benetazzo nasceu em Verona (Itália), em 1941, e se mudou com a família para o Brasil ainda criança. Cursou o ginásio em Caraguatatuba (SP), o colegial em Mogi das Cruzes (SP) e nutriu desde cedo forte gosto pelas artes. Ingressou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) em 1965 e, ainda jovem, passou a dar aulas de Filosofia e História da Arte no cursinho do Instituto de Artes e Decoração (Iadê). Paralelamente aos estudos, desenvolveu trabalhos como artista plástico – focando principalmente em desenhos, colagens e fotografia – e chegou a participar da produção de dois filmes, fazendo ponta como ator e assumindo a função de cenógrafo e diretor de arte. Morreu precocemente, aos 30 anos, e não chegou a ser reconhecido por sua pequena, porém consistente, produção artística.
Antonio, italiano radicado no Brasil, foi um ativo militante de esquerda, destacadamente no período da ditadura militar. Filiou-se ainda jovem ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), com o qual rompeu em 1965 por não concordar com a linha “pacifista” adotada, e a partir daí se aproximou da luta armada. Ingressou na Aliança Nacional Libertadora (ALN), de Carlos Marighella, em 1969, e se mudou para Cuba para adquirir treinamento de guerrilha. Na ilha, ajudou a fundar o Movimento de Libertação Popular (MOLIPO). Voltou clandestinamente ao Brasil em 1971 e, além de praticar ações armadas, passou a redigir o jornal Imprensa Popular, periódico oficial do movimento. Foi capturado por agentes do regime militar em outubro de 1972 e, após dois dias de tortura incessante no DOI-CODI, foi levado para um sítio em Parelheiros e assassinado brutalmente – passaram com a roda de um carro sobre sua cabeça e em seguida o mataram a pedradas e teve seu corpo enterrado como indigente na vala comum do Cemitério de Perus e não chegou a ver a democracia voltar à vida política brasileira.
Os personagens descritos nos dois parágrafos acima são, na verdade, apenas um: Antonio Benetazzo, ativista e artista visual ítalo-brasileiro que, após ter sua memória suprimida da história política e cultural nacional por décadas, começa agora a ser retirado da obscuridade. Resultado de um projeto da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo (SMDHC), Benetazzo se torna tema de um documentário e de uma exposição no CCSP (que resultará em livro), com abertura nesta sexta-feira, 1º de abril. Intitulada Permanências do Sensível, a mostra revela parte significativa da produção de Benetazzo e, apesar de focar mais no viés artístico, revela diferentes lados do que restou após a sua morte: a beleza da obra e o horror da história. “Você olha os trabalhos e eles têm uma delicadeza incrível, mas a gente não pode esquecer que os bolores também estão lá”, afirma o curador da exposição e um dos diretores do filme, Reinaldo Cardenuto. “E esses bolores indicam o tempo que passou, o tempo em que tudo foi escondido, em que não foi visto. Então temos muitos sentidos na mostra, não só o da celebração, mas um sentido crítico”.
TRABALHO DE FORMIGA
Quando foi convidado pela Coordenação de Direito à Memória e à Verdade da SMDHC para iniciar a pesquisa, Cardenuto não tinha esperança de encontrar muitos trabalhos, nem mesmo de se deparar com uma obra de real relevância artística. “Fui com a ideia de que seria alguém que fez uma obra mais panfletária, didática. A surpresa foi que estava muito além disso”. O primeiro contato foi com o jornalista e ex-militante Alípio Freire, amigo de Benetazzo que guardou alguns quadros do artista em sua casa. “E eu me vi diante da obra de alguém que tinha um domínio técnico muito grande e que buscou, e alcançou, um projeto estético para muito além da questão política imediata”, conta o curador. A partir daí Cardenuto se engajou em uma pesquisa intensa – um trabalho de formiguinha que durou mais de um ano –, visitando casas de amigos e conhecidos de Benetazzo que poderiam ter obras guardadas. “A cada descoberta, o potencial dele como artista ia se revelando maior”.
Ao todo, foram cerca de 200 trabalhos encontrados, 90 dos quais estão na exposição no CCSP – principalmente desenhos a lápis, em nanquim e colagens com materiais diversos, sempre sobre papel. “Até 1967, mais ou menos, o Benetazzo é um estudante que está fazendo pesquisas e obras para buscar algum lugar. Tem uma fase impressionista, depois um tipo de diálogo com Kandinsky e por aí vai. Em 1968, principalmente quando ele vai para a colagem, você percebe que ele alcançou uma identidade estética madura, que é quando decide juntar no mesmo desenho a figuração e o abstrato”, diz Cardenuto. A mostra reúne também alguns manuscritos, anotações em livros, rascunhos, fotografias e fac-símiles do jornal Imprensa Popular, “coisas que são marcas da identidade dele”, segundo o curador.
“Os amigos contam que ele separou muito bem a vida artística da vida política. Em geral, quem conheceu ele na luta não conheceu o lado artístico e vice-versa”, diz Cardenuto. “Mas claro que as obras do Benetazzo e sua biografia emanam política o tempo todo, uma violência do Estado que aconteceu no Brasil nos anos 1960 e 1970. Então eu acho fundamental que as pessoas conheçam essa obra também no sentido de entender o que foi aquela violência, o que ela deixou”. Nesse ponto o curador se refere também ao momento político atual do país: “Eu nunca poderia imaginar que a abertura da exposição ia coincidir com esse contexto, mas espero que as pessoas evitem a repetição daquilo, que parem de acreditar que ditadura é uma solução. A ditadura nunca é uma solução para os problemas do país, ela é a corrupção em si, a violência em si, é o que destrói projetos”. Projetos de país e, junto a eles, projetos de vida, como o de Antonio Benetazzo, assassinado brutalmente aos 30 anos de idade quando se encontrava no auge de sua disposição política e artística.
Serviço – Permanências do Sensível
Centro Cultural São Paulo (CCSP) – Rua Vergueiro, 1000, São Paulo
De 1º de abril a 29 de maio
(11) 3397 4002
Entrada gratuita
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