As palavras vencem a solidão

O conceito de “ilha” está tatuado na alma de Jean-Yves Vigneau. Toda sua obra sintetiza a paixão obsessiva que ele tem pelo mar. Suas esculturas brancas, geométricas, aparentemente racionais, trazem a poética da solidão da infância vivida em Havre-Aubert, uma pequena ilha do arquipélago de Madeleine, Canadá, com dois mil habitantes. O vento incessante vindo do Atlântico, às vezes o obrigava a ficar dentro de casa. Aos quatro anos, ainda sem saber ler, recortava as letras das manchetes de jornais e as organizava no chão só para admirá-las. Quando se sentia solitário e aborrecido, na escola Saint-Augustin, refugiava-se na leitura. Sem saber, Vigneau dava início a seu processo de criação ao retirar da linguagem os signos e os desenhos gráficos que o inspiram até hoje.

Vista de cima, suas esculturas flutuantes têm força teatral sem ser alegóricas. O racionalismo se impõe no uso da madeira e do plástico em obras efêmeras, normalmente colocadas sobre as águas do mar, de rios e de lagoas, resultando em uma obra limpa e bem acabada. Nas esculturas ao ar livre, prefere o metal que garante mais durabilidade. Sua última intervenção em grande escala foi feita sobre o pequeno lago em frente ao teatro Ópera de Arame, cartão postal de Curitiba, durante a Bienal Vento Sul, no ano passado. Com o título Equação da Água, a instalação foi talhada com olhar poético e científico, aparentemente desprovido de emoções, mas com forte carga poética.
[nggallery id=15230]

O envolvimento definitivo com as artes deu-se depois de algumas aventuras para sobreviver. “Morei até os doze anos em Madeleine, onde praticamente não havia escola e a cidade mais próxima ficava a cinco horas de barco. Quando completei doze anos, segui o mesmo destino de todos os adolescentes que queriam cursar o secundário.” O dia amanhecera claro e os pássaros marinhos faziam sua festa matinal quando os pais de Vigneau o colocaram sozinho no avião que o levaria à cidade de Moncton, de onde só retornou para vê-los aos 18 anos.

Com o orgulho forte, característico dos povos insulares, Vigneau, hoje com 57 anos, conta que ainda estudante trabalhou no porto levando carregamento de peixes para barcos russos, espanhóis e tantas outras bandeiras. Apesar do trabalho árduo e bruto, ele continuou a cultivar seu gosto estético e emocional pela paisagem e a cultura marítima. Esse sentimento, depois de algum tempo, traduziu-se em compromisso com as artes. Juntando dinheiro aqui e ali começou a fazer esculturas, além de desenhar, fotografar e fazer vídeos. Em 1973, chegou a Ottawa, após concluir seus estudos na Universidade de Moncton e na Universidade de Quebec, em Montreal.

No conjunto, os trabalhos de Vigneau têm forte cunho político, como Morue/Cod em que criou uma cédula de dinheiro sobre a moratória da pesca do morue, peixe em franca extinção, símbolo da região canadense. Em Desembarque de Noé (2007), ele revisitou o mito do dilúvio e a preciosa carga de espécies ameaçadas. Com Arquipélago (2008) se apresentou na Bienal de Escultura Contemporânea Trois-Rivières em Quebec, com uma peça em forma de mesa de navegação, animada por uma trilha sonora composta por centenas de títulos de livros com a palavra “ilha”. Ainda criou Wyspa, a Ilha Desconhecida, que, em 2008, fez flutuar no porto de Gdynia, na Polônia, como uma espécie de lembrete de que as ilhas desconhecidas nem sempre estão distantes de nós. E ainda Utopiae Insulae (2008-09) inspirada no famoso ensaio de Thomas More, Utopia, em que mostra um caminho entre a sua ilha, a realidade do modelo utópico, e as ilhas artificiais que são mera ficção.

Visto da janela de um avião, o arquipélago de Madeleine mais parece um anzol perdido nas águas esverdeadas da costa canadense. As dezesseis ilhotas juntas somam cerca de 180 campos de futebol e somente sete delas são habitadas, no conjunto, por 12.500 pessoas. “Minha ilha é um pedaço de terra, tão pequeno que quando giro a cabeça posso ver todo o oceano ao seu redor. As outras ilhas são desertas, onde pássaros marinhos e focas fazem seus hábitats nas praias arenosas, rochedos, cavernas e passagens ocultas, onde, quem sabe um dia os corsários esconderam seus tesouros.” Em janeiro de 2002, o governo canadense decidiu agrupar as ilhas e transformá-las em um único município: o Îles-de-la-Madeleine.

Sua paixão por ilhas fez desse canadense um “islomane”, termo inventado pelo escritor Lawrence Durrell, em seu livro Reflexões sobre uma Vênus Marinha, no qual chama os habitantes de minúsculas ilhas como “islomane”, alguém considerado normal, mas que em algum momento pode sofrer algum tipo de perturbação mental por morar perdido no oceano. A partir dessa definição, ele e mais um grupo de onze artistas insulares passaram três semanas no arquipélago de Madeleine envolvidos em um simpósio que propôs intervenções artísticas na natureza, debates ao ar livre e explorações pelas pequenas dunas, pelas praias e grutas da ilha. O encontro resultou em uma pequena publicação que dá a dimensão das diferenças e similitudes da arte dos islomanes.

Mesmo tendo o coração na Îles-de-la-Madeleine, Vigneau não consegue viajar com frequência ao arquipélago. “Como a maioria dos artistas, não sou rico e as passagens são caras. Caso contrário, sempre estaria por lá.” Para ele, Îles-de-la-Madeleine não são apenas meros pedaços de terra cercados de água por todos os lados. “Mais do que tudo, é o ponto focal de onde partem todos os meus horizontes”, resume emocionado.


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.