Ascensão em números

Claudia Andujar, Yanomani, 1974, 60 cm x 38 cm, fotografia, Acervo do MAB – Museu de Arte de brasília
Claudia Andujar, Yanomani, 1974, fotografia, Acervo do Museu de Arte de Brasília

Criada em 2012, a Pesquisa Setorial O Mercado de Arte Contemporânea no Brasil expôs, em abril deste ano, os resultados do estudo mais recente, que trata das movimentações de 2013. Com a divulgação das conclusões, há motivos de sobra para celebrar.

Coordenada por Ana Letícia Fialho, advogada, gestora cultural e pesquisadora do mercado de artes, a pesquisa é um dos vértices do Projeto Latitude, criado em parceria entre a Associação Brasileira de Arte Contemporânea (ABACT) e a Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos). Com ações estratégicas, como a capacitação técnica, missões prospectivas e promoção internacional, o Projeto Latitude é determinante para o fomento das negociações, dentro e fora do País, dos 50 associados da ABACT.

Entre os principais resultados revelados pela Pesquisa Setorial de 2013, houve o consenso de 90% das galerias pesquisadas de que o período foi marcado por um crescimento das vendas. Algo cravado na evolução do volume de vendas, que saiu do patamar médio de 22,5%, percebido desde 2010 pela ABACT, para 27,5%. Desse universo, que representa a venda de mais de 6.500 objetos de arte – pinturas, esculturas e fotografias em maior volume –, 85% das transações foram feitas para colecionadores e instituições brasileiras e 15% para compradores internacionais. No exterior, entre os principais destinos desses objetos de arte, três países se destacam: Estados Unidos, França, Suíça. Além deles, o Reino Unido também é rota frequente. Na América Latina, o maior volume de compra vem da Colômbia.  

Estudo realizado, no mesmo período, pelo instituto britânico de pesquisa ArtTactic, sediado em Londres e coordenado por Anders Pettersson, aponta que 54% dos colecionadores internacionais acreditam que o mercado brasileiro deverá se desenvolver ainda mais em 2014, e que 74% deles têm a intenção de comprar obras de arte brasileiras nos próximos cinco anos. 

Outro dado local importante atesta evolução percebida desde o início dos anos 2000. Das 50 galerias associadas à ABACT, um terço delas foi criada entre 2000 e 2010. As fundadas de 2010 para cá somam o mesmo percentual. Indicadores relativos à evolução dos empregos no mercado de arte confirmam essa tendência de expansão. Do universo de galerias submetidas à pesquisa, 60% delas afirmaram ter aumentado suas equipes em 2013. O total de artistas representados somam cerca de mil.

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Elder Rocha Lima Filho, Sem título, sem data, acrílica sobre papel 2, Acervo do Museu de Arte de Brasília

No Brasil, essas 50 galerias realizaram, em média, sete exposições individuais e 1,5 coletivas em 2013. A elaboração de um consistente programa anual de mostras é fator imprescindível para uma fluidez cada vez maior das negociações, sobretudo porque, além de colaborarem para a afirmação da identidade da galeria, as mostras têm o objetivo basilar de servirem como vitrine. Houve também um significativo avanço na participação de nossas galerias nas feiras internacionais, saltando de 167, em 2012, para 202, em 2013. Número resultante das vendas realizadas por 71% dos associados da ABACT, sendo 41% em parcerias firmadas com galerias estrangeiras.   

Apesar da trajetória ascendente e dos números mais que positivos, o mercado sofre com gargalos que impedem uma evolução ainda maior. Entre eles, foram destacados na Pesquisa Setorial a alta carga tributária, a burocracia, a falta de mão de obra qualificada, as dificuldades na gestão de planejamento e a instabilidade econômica.

Mesmo com esses entraves, o texto conclusivo da Pesquisa Setorial reforça a expectativa de números ainda mais positivos nos próximos anos: “Estamos observando um crescimento consistente, resultado do amadurecimento do setor e do reconhecimento internacional da produção contemporânea por ele representada. Ainda que as taxas de crescimento possam eventualmente diminuir nos próximos anos, o setor como um todo deverá se consolidar”.

Nas reportagens a seguir outras evidências desse cenário otimista são apontadas por importantes personagens do circuito de arte. Em entrevista exclusiva Wagner Lungov – dono da Central Galeria de Arte (espaço paulistano fundado em 2012), e presidente da ABACT – interpreta alguns aspectos da Pesquisa Setorial. As outras três matérias deste caderno especial tratam de movimentações das mais saudáveis para o mercado.

Idealizadora e diretora da feira paulistana, Fernanda Feitosa esclarece a importância estratégica de levar a SP-Arte para a Capital Federal, com a primeira edição da SP-Arte Brasília. A feira reunirá 35 galerias brasileiras e também promoverá conversas nos quatro dias de evento. Estão programados encontros com Nathalie Lenci, da tradicional casa de leilões de arte Christie’s; Cássio Vasconcellos, da Be Editora; João Castilho, da revista Zum; e a editora da ARTE!Brasileiros,Leonor Amarante.

A exemplo da SP-Arte, duas tradicionais galerias também ampliam suas atividades em outras capitais brasileiras. Em abril último, a Bolsa de Arte, fundada em 1980 em Porto Alegre, abriu sua primeira filial em São Paulo. Conversamos com a galerista Marga Pasquali, para entender a importância da sede paulistana para os negócios futuros. Celebrando 25 anos em 2014, a Galeria Nara Roesler também ampliará sua participação no mercado, a partir de agosto próximo, quando será inaugurada, em Ipanema, a filial carioca. Daniel Roesler, filho de Nara, conversou com a ARTE!Brasileiros e demonstrou grande entusiasmo com a evolução das transações internacionais da galeria.

Com dados e depoimentos tão exuberantes neste Especial Brasília desejamos a você uma boa leitura!

Lucia Laguna, Paisagem Nº 9, 2007, 70 cm x 200 cm, acrílica e óleo sobre tela, Acervo do MAB – Museu de Arte de brasília
Lucia Laguna, Paisagem Nº 9, 2007, acrílica e óleo sobre tela, Acervo Museu de Arte de Brasília

 

AGENDA POSITIVA

Para Wagner Lungov, presidente da ABACT – Associação Brasileira de Arte Contemporânea, a mais recente pesquisa setorial do Projeto Latitude confirma a profissionalização e a maturidade de um mercado que vislumbra amplos horizontes

ARTE!Brasileiros – Qual é o papel exercido, hoje, pelo Projeto Latitude para mercado brasileiro de arte?
Wagner Lungov – A importância desse projeto, feito em convênio entre a Associação Brasileira de Arte Contemporânea (ABACT) e a Apex-Brasil  (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), é que ele fornece auxílio técnico e acesso a bancos de dados, que possibilitam o levantamento dos volumes de exportações por tipo de produto e de exportador. Por meio desses dados, é possível identificar casos de sucesso e orientar o mercado de arte sobre o que funciona e o que não. O Projeto Latitude era basicamente voltado ao apoio para a participação de galerias associadas à ABACT em feiras internacionais, mas chegamos ao ponto de concluir que é importante ter outras frentes de ação. A pesquisa setorial começou a ser feita em 2012. Outra face importante do projeto, que tem feito grande sucesso, é o chamado Art Immersion Trip, uma plataforma de intercâmbio que traz ao Brasil curadores, diretores de museus e colecionadores para que conheçam o circuito de arte contemporânea do País. Também são feitas visitas prospectivas regulares no exterior. Recentemente, por exemplo, foram feitas viagens a Hong Kong e à Bélgica.

Que outros aspectos do Art Immersion Trip você destacaria? 
Ele é muito produtivo, pois as pessoas fazem intercâmbios, levam os artistas para expor fora do País e compram suas obras. As artes plásticas sempre tiveram um lado mercado e outro institucional e, internacionalmente, esse programa contempla muito bem os dois lados. O programa também aproxima artistas brasileiros dos curadores de fora. Vender bem é um sinal de sucesso, mas o fato de estar presente em museus importantes também legitima o artista. Um programa de auxílio às exportações que cobrisse apenas a parte mercadológica seria deficiente e parcial.

Como foi desenvolvida a metodologia da Pesquisa Setorial O Mercado de Arte Contemporânea no Brasil?
Esse é um mercado difícil de obter informações. Os dados que a Pesquisa Setorial traz são muito importantes, mas ainda são parciais, pois ela aborda apenas as galerias, que são consultadas por meio de questionários enviados aos associados da ABACT. A entidade tem grande cobertura do mercado. Representa, hoje, 50 galerias, entre elas, as maiores do País.

Os entraves alfandegários e tributários continuam sendo os principais gargalos do mercado? 
Infelizmente, as artes plásticas, do ponto de vista tributário, parecem estar fora do eixo da cultura. A literatura, o cinema e a música, por exemplo, todas essas expressões culturais têm isenção fiscal. E, quando se pensa na cultura como um todo, ninguém deve esquecer de incluir as artes plásticas. Observada por esse viés, é fácil perceber o quanto ela é penalizada. Uma realidade que não atinge apenas as galerias, mas também os artistas, algo cruel, pois eles não podem, por exemplo, atuar no Simples (tributação com impostos baixos para microempresários). Qualquer músico, ator, escritor ou pessoa que trabalhe na indústria do espetáculo, como um iluminador ou um sonoplasta, pode abrir empresa no Simples, menos o artista plástico. Alguns artistas que vão fazer residência fora do País, antes de voltarem para cá, destroem suas obras, pelo simples motivo de que, se eles trouxerem o trabalho para o Brasil, ele chegará aqui com um preço que não será condizente com a produção local. Nenhum colecionador pagará o dobro do preço de uma obra porque ela foi feita fora do País.

Existe alguma movimentação do mercado para solucionar esses problemas junto aos órgãos governamentais?
Existe uma iniciativa do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), que é ligado ao Ministério da Cultura. A ministra Marta Suplicy tem mantido uma agenda para tratar dessa questão com a Receita Federal, e há a necessidade de mudanças, mas não é só uma questão de compreensão. É preciso criar dispositivos legais para que isso seja feito da forma mais correta possível, pois já existe todo um sistema que bem ou mal funciona. A vontade de mudar está aí, mas não há garantias junto à Receita Federal de quando essas mudanças serão implantadas.

Por parte dos fiscais alfandegários, há variações de tratamento nas liberações das importações?  
É muito difícil precificar uma obra. No momento em que está sendo feito o desembaraço, o fiscal pode, sim, arbitrar, mas depois, se a pessoa que fez a importação se julgar prejudicada, pode recorrer. São trâmites comuns à burocracia brasileira, afinal, não estamos falando de um computador, ou de um bem de consumo comum, que você entra em um site de pesquisas e confere o valor. É difícil para o fiscal estabelecer padrões de valores, até mesmo pelo volume pequeno das transações. Se o mercado fosse mais pujante, mesmo que de uma maneira subjetiva, pela pura experiência, seria possível precificar melhor. Como o volume ainda é relativamente pequeno, essas questões ficam mesmo sujeitas a flutuações.

A Pesquisa Setorial não contempla números do colecionismo no País. Futuramente, esse universo será abordado? 
Sim, essa é uma pauta futura para a ABACT, pois ainda não fizemos pesquisas com o mercado comprador. Ouvimos apenas o lado das galerias, algo que nos dá visão parcial de um lado do setor. O que sabemos sobre o colecionismo, hoje, vem das impressões dos artistas e dos galeristas associados à ABACT. O que posso falar, por experiência própria, é que há crescimento de clientes mais jovens, na faixa dos 35 aos 40 anos, e eles começam a comprar suas primeiras obras.

Esse novo comprador, que aposta em artistas emergentes, com valores mais acessíveis, ajuda a desmitificar a impressão de que o colecionismo é um hábito de consumo elitista?  
Sim. Mas também devo dizer que eles têm outras peculiaridades, pois são muito exigentes no que diz respeito à informação. A maioria desses novos colecionadores é composta por executivos e profissionais liberais. Pessoas acostumadas a tomar decisões e que são menos suscetíveis ao conceito de que o fato de comprar arte vai apenas valorizar sua imagem pessoal. Vejo nitidamente que eles estão criando seus próprios parâmetros de avaliação. Não vivi esse mercado há 40 anos, mas sei que houve uma fase de tamanha confiança e relacionamento com o galerista, que a pessoa comprava tão somente porque acreditava que o que estava sendo recomendado a ela era algo muito bom e ponto final. Já esses novos colecionadores querem ser mais senhores da situação e são mais refratários. O galerista não pode dizer mais “compra, porque é bom!”, simplesmente, pois ele dirá “ok, primeiro quero saber por que é bom e, depois, eu decido se vou comprar ou não!”.

As três pesquisas do Projeto Latitude revelaram um mercado forte e ascendente. Esse ciclo virtuoso deverá ser mantido?
Sim, pois o que é mais evidente nessa pesquisa mais recente, principalmente com relação ao crescimento das galerias e àdiversificação de seus perfis, é que o Brasil quebrou uma barreira e entrou em uma segunda fase do mercado de artes plásticas. Existe hoje uma grande massa crítica de público e de clientes, que compram obras para colocar em suas casas e sentem prazer nesse convívio e interação com o objeto de arte, pois ele significa um ponto de vista, como acontece conosco com relação à literatura ou à música. É um processo de formação de identidade. Quando se atinge esse estado, é possível acreditar na existência de um número suficiente de pessoas para rodar um mercado ainda maior, pois a motivação delas é genuína, não é só um modismo ou a compra pela compra. O mercado tem hoje uma “avenida” aberta para crescer, pois a combinação de fatores é das mais saudáveis.


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