Depois de perder o brilho em suas últimas edições, a Bienal de São Paulo se recompõe financeiramente e faz uma exposição mais consistente do que as duas últimas. Inova ao colocar na mesma mesa pelo menos 15 instituições culturais paulistanas para compor o seu mapa expandido. A literatura mais uma vez dá suporte à Bienal com o tema Há sempre um copo de mar para o homem navegar, verso do poema de Jorge de Lima em Invenção de Orfeu (1952). A montagem foi buscar inspiração no livro O Jogo de Amarelinha, de Julio Cortázar, que propõe uma leitura não linear.
Com a casa em ordem e novo fôlego, a Bienal de São Paulo vai retornando ao Olimpo, onde tem lugar entre as exposições mais importantes do gênero, como a de Veneza e a Documenta, de Kassel, e, com isso, consegue trazer de volta ao Ibirapuera a massa crítica do circuito internacional.
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Os curadores brasileiros Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias se apoiaram na tese de que a dimensão utópica da arte está contida nela mesma, e não no que está fora ou além dela. Organizaram uma edição em torno de uma plataforma discursiva na qual arte e política caminham juntas. Para cumprir a maratona contaram com cinco curadores internacionais: Fernando Alvim (Angola); Rina Carvajal (Venezuela/EUA), Yuko Hasegawa (Japão), Sarat Maharaj (África do Sul/Reino e Unido) e Chus Martinez (Espanha).
ARTE!Brasileiros destaca alguns trabalhos pontuais que iluminaram esta 29ª edição, desde jovens como o brasileiro Henrique Oliveira a artistas consagrados como o escocês Douglas Gordon.
Henrique Oliveira gosta de explorar a matéria. Ao longo de duas semanas trabalhou intensamente texturas, pinceladas e cromatismos sobre restos de tapumes justapostos e sobrepostos compondo uma espécie de pintura gestual. As camadas de madeira que compõem a escultura guardam segredos da antropologia da cidade, restos de vidas vividas. A busca de um desenho ideal para construir esse túnel do tempo resultou em formas sensuais que logo receberam do público o apelido de “vagina”. Esses materiais precários, de aspecto áspero e rudimentar, resultam em superfícies retorcidas com protuberâncias e becos que contaminam a arquitetura formando túneis por onde os visitantes gostam de passear. Não é por acaso que ela tornou-se uma das obras preferidas por eles.
Henrique Oliveira é um dos mais jovens artistas desta edição, mas o fato de participar ao lado de feras do circuito internacional, não o intimidou. Para ele, estar na Bienal é um acontecimento consequente diante de toda a dedicação que vem dispensando às suas pesquisas.
Apesar da grande dimensão da escultura, instalada em local difícil, ele venceu o desafio de revelar a paleta das ruas, um evento que com certeza o ajudará em seus próximos projetos.
A POLÊMICA |
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Uma Bienal que pretende discutir arte e política dificilmente ficaria ilesa de manifestações por parte do público. Pelo menos duas merecem atenção pelas polêmicas que suscitaram. Com sua obra Inimigos, Gil Vicente irritou vários setores da sociedade. Numa série de desenhos ele se coloca como assassino de vários dirigentes políticos, como Fernando Henrique Cardoso, Lula, a rainha Elizabeth da Inglaterra. Os desenhos feitos com carvão sobre papel em escala natural desencadearam fortes discussões. A Ordem dos Advogados do Brasil, São Paulo, recomendou que a obra fosse retirada. A Bienal defendeu Gil Vicente, que conseguiu manter seu trabalho. |
À esquerda: Gil Vicente.
Já Nuno Ramos teve que retirar de sua obra Bandeira Branca os três urubus de cativeiro que mantinha confinados dentro da instalação. Ocupando o vão central do pavilhão, a obra de Nuno é uma construção de três esculturas de taipa de pilão em areia preta e caixas de vidro sonoras. A “gaiola” está demarcada por tela preta de proteção e mantinha os urubus num ambiente agressivo para eles, com uma trilha sonora composta de fragmentos das canções Carcará, Bandeira Branca e Acalanto. O confinamento e as luzes fortes irritaram os visitantes e várias ONGs ligadas à defesa dos animais. Na quebra de braço, Nuno saiu derrotado e teve de retirar os animais. |
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