Com cerca de 150 bienais espalhadas pelos cinco continentes e, praticamente, sem nenhuma comunicação sistemática entre elas, em 2009 foi criada a Biennial Foundation, em Berlim, com o propósito de organizar seminários e uma ligação profissional entre esses eventos. A ARTE!Brasileiros colabora com o Fórum Mundial de Bienais nº 2, que acontecerá em novembro em São Paulo, e conversou com Marieke van Hal, presidente da entidade.
ARTE!Brasileiros — Que tipo de questões e considerações levaram a criar a Biennial Foundation? Quem são seus parceiros nesse projeto?
Marieke van hal — A Biennial Foundation é uma organização independente e sem fins lucrativos voltada às artes. Ela foi fundada em 2009, para promover um espírito de solidariedade, amizade e igualdade entre as bienais de arte contemporânea no mundo todo e facilitar uma diversidade de plataformas para a troca de informações e conhecimentos. As bienais são locais vitais e visíveis para a produção, distribuição e discurso público sobre arte contemporânea. O trabalho realizado pela Biennial Foundation é pioneiro na área, com mais de 150 bienais de arte contemporânea, e visa promover uma ligação profissional entre esses eventos. A Biennial Foundation tem a função de iniciar, mediar e informar as pessoas sobre atividades e debates pertinentes às bienais internacionais. A atividade mais importante que exercemos até hoje é o Fórum Mundial de Bienais, um evento voltado às instituições bienais, seus curadores e colaboradores. O seu principal objetivo é promover um encontro entre profissionais da área no mundo todo, para que possam trocar ideias sobre práticas comuns e discutir tópicos e questões mais importantes da área. O Fórum Mundial de Bienais nº 1 ocorreu em 2012, em Gwangju, na Coreia do Sul, e foi codirigido por Ute Meta Bauer e Hou Hanru. O evento foi organizado em colaboração com a Bienal de Gwangju (a bienal de arte contemporânea mais antiga e proeminente da Ásia) e com o Institute for Foreign Cultural Relations – IFA, sediado na Alemanha. No momento, estamos organizando o Fórum Mundial de Bienais nº 2, em colaboração com a Bienal de São Paulo e o Instituto de Cultura Contemporânea – ICCo.
O Fórum Mundial de Bienais nº 2 pretende discutir e reunir as bienais surgidas no Hemisfério Sul. Você acredita que, apesar da globalização e da troca constante entre os vários contextos artísticos, o mundo das artes ainda seja dividido em segmentos?
O tema do primeiro Fórum – Shifting Gravity (Deslocando a Gravidade) – tratava da Ásia enquanto continente e o contexto em que foi realizado. Para o Fórum Mundial de Bienais nº 2, cujo tema será How to Make Biennials in Contemporary Times (Como Realizar Bienais na Era Contemporânea), os nossos diretores artísticos decidiram olhar para as bienais sob o ponto de vista do Hemisfério Sul. Você deve estar se perguntando, e com razão, o que queremos dizer com “Sul”. Um acadêmico australiano, que criticou o uso desse termo, nos escreveu perguntando até que ponto o discurso sobre o Sul inclui um diálogo com aqueles que realmente vivem lá. Eu sou da opinião que o “Sul” não deve ser entendido e definido apenas sob o ponto de vista geográfico. Charles Esche escreveu o seguinte em uma discussão interna sobre o assunto: “Essa questão refere-se à exclusão e marginalização baseadas em uma forma eurocêntrica de colonialismo. Assim como Dakar fica ao norte do Equador, mas faz parte dos países do Sul devido à sua história política, a Austrália é um reduto do Norte no Sul”. Como venho trabalhando há muito tempo com bienais globais, para mim os termos “Norte, Sul, Leste e Oeste” já não significam muita coisa. Um dos nossos parceiros no Fórum Mundial de Bienais nº 2 é o jornal grego South, cujo nome remete ao Sul como um estado de espírito, ao invés de um grupo de lugares no mapa. Acredito que isso tenha muito a ver com o nosso fórum, onde pessoas provenientes tanto do Sul literal quanto do metafórico poderão renegociar as várias implicações do termo.
Em sua opinião, qual a importância da Bienal de São Paulo dentro do contexto das bienais internacionais surgidas na última década?
Historicamente, a importância da Bienal de São Paulo é inegável, já que ela é a bienal de arte contemporânea mais antiga e a mais proeminente depois da Bienal de Veneza – uma posição que ela vem mantendo muito bem ao longo dos anos. A relação e a conectividade entre uma bienal e o lugar onde é realizada é uma fórmula essencial para o sucesso desses eventos, já que é essa relação que confere à bienal significado e valor únicos. A capacidade de ao mesmo tempo atuar e permanecer diferente, e de alcançar projeção internacional e operar dentro das especificidades locais são ingredientes importantes para tornar uma bienal interessante, e a Bienal de São Paulo se enquadra bem nessa categoria.
A Bienal de São Paulo destaca-se no cenário internacional pela grande quantidade de recursos tanto humanos quanto financeiros que o evento investe em educação, que é um dos diferenciais em relação a outras no resto do mundo. Uma de suas características mais importantes – e isso também se aplica à Bienal do Mercosul – é o fato de o seu público principal e majoritário ser composto pela comunidade local em vez de especialistas e membros do mundo das artes. O acesso à cultura é considerado um bem público, por isso as bienais exercem um papel importante nessa área. Essa preocupação com educação e pedagogia tão típica da bienal brasileira poderá servir de exemplo e inspiração para outras bienais de arte contemporânea no resto do mundo. A questão é: qual o público-alvo das bienais e como podemos atingi-lo? As bienais podem ser consideradas como locais visíveis para a disseminação de educação informal? Se afirmativo, em quais ferramentas de intermediação cultural devemos investir e quais serão os resultados? Essas questões deverão atrair o interesse de muitos dos colegas estrangeiros que comparecerão ao Fórum Mundial de Bienais nº 2.
Quais são os objetivos da Fundação? Quais as estratégias utilizadas para desenvolver esse enfoque?
A Biennial Foundation foi criada com o objetivo de suprir uma necessidade antiga das pessoas que trabalham com bienais internacionais. Desde o início, nós atribuímos a mesma importância a todas as bienais de arte contemporânea (tanto às mais conhecidas quanto às mais novas), pois nosso objetivo é lidar com as bienais como um todo, como instituições de arte e não como plataformas de exibição unidimensionais.
Após o Fórum Mundial de Bienais nº 1, em Gwangju, ficou claro que é necessário e essencial que as bienais mantenham trocas, diálogos e parcerias contínuas entre si. A Biennial Foundation se orgulha de ter sido um agente catalisador na criação da International Biennial Association (IBA), para a qual temos prestado amplo suporte através dos nossos conhecimentos, rede de contatos e recursos para o desenvolvimento e consolidação de sua trajetória. Como o objetivo inicial da Biennial Foundation de criar uma parceria contínua entre as organizações de bienais está sendo cumprido, agora nós estamos focando em outras necessidades e demandas do setor. Nós acabamos de nomear o doutor Rafal Niemojewski para o cargo de vice-diretor e estamos elaborando novos projetos e atividades na área de pesquisa.
Vamos continuar realizando o Fórum Mundial de Bienais e, para a próxima edição, já estamos em fase inicial de diálogos com bienais da África e Europa. O próximo Fórum talvez seja um pouco diferente dos anteriores, pois enfatizará o fato de sermos uma organização independente, sem nenhum tipo de interesse e, portanto, com um viés crítico. Eu também gostaria de focar mais na voz dos artistas. A Biennial Foundation é uma organização típica do século XXI. Temos um escritório virtual e operamos mais como uma rede internacional de colegas do que como uma instituição de arte tradicional. Os membros da nossa equipe vivem em países e continentes diferentes, conferindo assim uma identidade flexível, experimental e sem nacionalidades. Conforme crescemos, nos tornamos cada vez mais abertos a mudanças.
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