Cai Guo-Qiang as duas faces da China

"Ensaio de Carnaval", 2013. Pólvora em papel

Em sua primeira mostra individual no Brasil, Cai Guo-Qiang apresenta em Brasília – simultaneamente no Centro Cultural Banco do Brasil e no Museu dos Correios – um compêndio de sua produção artística. Na sequência, a exposição segue ainda para São Paulo e Rio de Janeiro. A mostra tem curadoria de Marcello Dantas, que com seu olhar atento tem trazido ao Brasil grandes nomes da arte internacional, estreitando o entendimento e ampliando a vivência estética com experiências marcantes para o público local.

Apesar de viver muitos anos fora da China, entre 1986 e 1995 no Japão e desde 1995 em Nova York, é justamente o legado cultural e histórico de seu país de origem que continua a traçar seu caminho, como a olhar para trás em busca de rastros do passado encravados em seu percurso. Ou ainda como um arqueólogo na permanente busca de elementos autênticos desse legado, principalmente se considerarmos a velocidade com que tudo se transforma na China atual. Seria sua função ou intenção propagar melhor entendimento da complexa cultura chinesa no Mundo Ocidental? Dessa forma, Cai Guo-Qiang resgata objetos, comportamento e virtudes de seu país de origem, reapresentando-os como se fossem ready mades que invadem um novo contexto exposto a novas leitura e perspectiva.

O título da mostra, Da Vincis do Povo, é uma alusão aos artesãos e demais mentes criativas de seu país, considerando que muitas das descobertas aí realizadas foram propagadas em todo o mundo, sem que as pessoas sequer notem sua procedência – como é o caso da pólvora, elemento presente de forma continua em sua produção. Utilizada em objetos e desenhos incendiários, causa um espetáculo visual em seu processo de execução diante do público curioso e sedento de situações inesperadas – fugindo de seu domínio a execução final das obras incendiadas desencadeiam reações aleatórias, como que resultado de uma performance coordenada e supervisionada pelo artista e uma equipe de especialistas que o acompanham, a fim de garantir um bem-sucedido espetáculo.

Nessa exposição, o artista mostra uma série de desenhos inéditos concebida para o Brasil e inspirada em uma viagem de pesquisa feita no início de 2012, onde presenciou ensaios das escolas de samba no Rio de Janeiro e visitou fábricas de fogos de artifício e pirotécnicos em Santo Antônio do Monte, Minas Gerais. Há também instalações específicas como Fairy Tale, composta por dezenas de aviões, helicópteros e objetos não identificados surrealistas, suspensos no teto como a sobrevoar o local expositivo. Outra obra é Complex, um simulacro de um porta-aviões, de 20 m de comprimento. Há, ainda, um tanque de água congelada, onde uma flotilha de submarinos semissubmersos simula uma navegação em mar glacial. Vinte e nove robôs funcionais feitos à mão pelo inventor chinês Wu Yulu serão posicionados em diversos locais expositivos. Em outro segmento dedicado a autômatos, há a série encomendada com base em obras de artistas famosos contemporâneos, como Jackson Pollock, Damien Hirst, Yves Klein e Bruce Nauman – procedência usual em certos vilarejos de artesãos chineses.

Esse complexo conjunto exposto agora no Brasil vem reforçar a consagração de Cai Guo-Qiang, coroada por diversas premiações, como o Prêmio de Design Cultural do Japão (1995) e o Leão de Ouro, na 48a Bienal de Veneza (1999).

Tanto em território nacional como internacional, o artista é respeitado por ter atingido o reconhecimento com mostras em museus significativos, como Metropolitan Museum of Art, Solomon R. Guggenheim Museum, Guggenheim Bilbao, entre outros. Além disso, as portas continuam abertas para sua atuação na China com mostras individuais no National Art Museum, de Pequim, além de ter assinado o espetáculo pirotécnico do início e encerramento dos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008. Seu livre trânsito na China se deve ao caráter inofensivo de sua obra exaltar a cultura chinesa, deixando de lado toda e qualquer ambição crítica. Seria essa uma forma inteligente de obter liberdade de atuação ou uma forma de cooperação com diversos sistemas camuflados de flaneur – eis as duas faces da China!


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