A carioca Rosana Palazyan está no Pavilhão da Armênia, vencedor do Leão de Ouro

Imagem do vídeo Uma História "Que Nunca Vou Esquecer", de Rosana Palazyan, presente na mostra Armenity, Pavilhão da Armênia na Bienal de Veneza - Foto: Divulgação
Imagem do vídeo Uma História “Que Nunca Vou Esquecer”, de Rosana Palazyan, presente na mostra Armenity, Pavilhão da Armênia na Bienal de Veneza – Foto: Divulgação

Enche-se a boca, e com razão, quando o tema é a Bienal de Artes de Veneza, única e especial como a cidade que abriga a exposição. O mandato desta 56a edição, que fica em cartaz até 22 de novembro, foi entregue a Okwui Enwezor, o crítico de artes nigeriano e cidadão do mundo – de Nova York, principalmente –, um pensador dandy, sempre vestido de maneira impecável. Dono de um currículo consistente, Enwezor acumula experiências, como a direção artística da prestigiosa mostra alemã Documenta 11, em que apresentou 600 horas de vídeo, abatendo as fronteiras entre o cinema e a arte.

Na Biennale, Enwezor cria o projeto All the World’s Futures, derruba os limites geográficos e temporais, entre o passado e o presente, e os reúne por meio de pinturas, desenhos, esculturas, vídeos, filmes, literatura, poesia, música e canto. O objetivo da exposição é dar um recado contundente, ser uma testemunha do “atual estado das coisas”. Uma fotografia despudorada da realidade. Um estado político da representação artística, em sua totalidade. “Para onde lançamos o olhar, descobrimos uma nova crise, uma incerteza e uma maior e mais profunda instabilidade em todas as regiões do mundo”, declara Okwui Enwezor, em seu Manifesto da La Biennale.

A mostra é transversal, fluida e, estando em Veneza, líquida, literalmente. Assim sendo, nenhum dia jamais será igual ao outro, principalmente e graças às obras e aos espetáculos de recitação, a começar pela leitura do livro Das Kapital, de Karl Marx, filtrado não como um manifesto comunista, mas dramatizado em sua estrutura narrativa sobre o capital, questão atual e central dos problemas no mundo. Tudo ao vivo, com encenação de atores profissionais, ao longo dos seis meses e meio da exposição, página após página, como um folhetim de jornal, além de assembleias plenárias, apresentação de roteiros e exibição de filmes sobre o tema.

Imagem do vídeo Uma História "Que Nunca Vou Esquecer", de Rosana Palazyan, presente na mostra Armenity, Pavilhão da Armênia na Bienal de Veneza - Foto: Divulgação
Imagem do vídeo Uma História “Que Nunca Vou Esquecer”, de Rosana Palazyan, presente na mostra Armenity, Pavilhão da Armênia na Bienal de Veneza – Foto: Divulgação

O curador tece bem as tramas do tempo e do espaço, cria novos ambientes – como o Arena, nos Giardini, onde Das Kapital vai estar em cartaz –, resgata eventos históricos, como a celebração da Biennale de 1974, um palanque contra a queda de Allende e a ascensão de Pinochet, no Chile, valoriza a arte como intérprete criativa e sempre sagaz da realidade, além de ser uma força política no seio da sociedade.
Okwui Enwezor torna-se a personificação de uma interpretação do quadro Angelus Novus – tela a óleo, pintada em 1920 pelo suíço Paul Klee –, celebrada pelo filósofo alemão Walter Benjamin: “[O anjo] tem os olhos escancarados, a boca dilatada e as asas abertas. Tem o rosto dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos ele enxerga apenas uma catástrofe única, que se acumula sem trégua, ruína sobre ruína e as dispersa sobre os nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o empurra irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas. Essa tempestade é o que chamamos de progresso”.

É ele, Okwui Enwezor, bardo e estudioso de fenômenos imigratórios e diásporas afins, o processo em si que recolhe os fragmentos históricos e os projeta na Biennale, como um complexo mosaico, uma sinapse de obras, em contato umas com as outras e formando uma rede investigativa sobre o atual “estado das coisas”. “O panorama mundial aparece novamente despedaçado e no caos, marcado por um violento tumulto, aterrorizado pela crise econômica, pela confusão viral de uma política secessionista e pela catástrofe humanitária que se consome nos mares, nos desertos, nas zonas de fronteira, enquanto imigrantes, refugiados e populações desesperadas tentam refúgio em terras mais ricas e tranquilas, aparentemente”, afirma o curador.

A Bienal deste ano tem forte presença de artistas da África, entre eles o grupo Invisible Borders, com o The Trans-African Project. O ganês El Anatsui recebeu o Leão de Ouro pelo conjunto da obra.

Entre os pavilhões nacionais, há cinco estreias – Granada, Ilhas Maurício, República das Seicheles, Moçambique e Mongólia –, além do retorno de Filipinas, Guatemala, Equador e, pela segunda edição consecutiva, Vaticano. Essas representações funcionam como uma embaixada da arte de seu país, com temas que tangenciam ou acertam em cheio aquele anunciado pela Bienal de Veneza.
A mostra de Veneza se transforma em um parlamento de formas. As disciplinas intermodais, como dança, teatro, cinema e arte, estão livres e sem amarras para a interação entre si e com o público, acostumado a vê-las em exercício em palcos distintos, separadamente. Um aglomerado criado para tentar entender o mundo inquieto. Os atores/artistas somam 136, de 53 países, dos quais 89 pisam pela primeira vez nesse arquipélago criativo de La Biennale, em seus Giardini, no Arsenale e no Pavilhão Central. Dos 400 trabalhos apresentados, 159 foram realizados para a exposição, de forma coletiva ou individual, em versão oral, escrita, esculpida, desenhada, cênica, fílmica. Não importa.

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