Uma falsa liberdade

"Status Quo", 2015, André Komatsu, gaiola de tubo de aço galvanizado, abraçadeiras, arame e alambrado de aço - Foto: Patricia Rousseaux
“Status Quo”, 2015, André Komatsu, gaiola de tubo de aço galvanizado, abraçadeiras, arame e alambrado de aço – Foto: Patricia Rousseaux

André Komatsu, Berna Reale e Antonio Manuel foram os três artistas selecionados pelo curador Luiz Camillo Osorio ​e pelo curador assistente Cauê Alves para representar o País no Pavilhão do Brasil desta 56a Bienal de Veneza. Comissariado pelo atual Presidente da Bienal de São Paulo, Luis Terepins, com coordenação de Emilio Kalil, o espaço respondeu bem à desafiadora convocatória do curador Okwui Enwezor, cujo objetivo era mostrar as diferentes realidades contemporâneas, assim como repetições do passado, para operar reflexões para o futuro.  

Vídeo de Berna Reale, "Americano", 2013. a artista penetra no submundo das penitenciárias brasileiras. registro feito no interior do complexo penitenciário Santa Izabel do Pará. A performer amazonense defende os direitos fundamentais do homem com a chama da liberdade - Foto: Patricia Rousseaux
Vídeo de Berna Reale, “Americano”, 2013. a artista penetra no submundo das penitenciárias brasileiras. registro feito no interior do complexo penitenciário Santa Izabel do Pará. A performer amazonense defende os direitos fundamentais do homem com a chama da liberdade – Foto: Patricia Rousseaux

Em uma mostra política, com o título É Tanta Coisa Que Não Cabe Aqui, os três artistas construíram um lugar de aprisionamento como crítica a uma falsa liberdade em que transita o indivíduo contemporâneo. É como se o trio dissesse, num excelente diálogo arquitetado pela curadoria​, que para sermos livres precisamos estar trancafiados em um espaço cirurgicamente limpo, ​ficticiamente ​completo​, montado pela nossa imaginação, na estética do “condomínio”, numa alusão aos conceitos usados pelo psicanalista e professor livre-docente da USP Christian Dunker, em seu recém-lançado livro Mal-estar, Sofrimento e Sintoma – uma Psicopatologia do Brasil entre Muros.

A participação de Antonio Manuel no Pavilhão do Brasil inclui uma releitura da instalação "Ocupações/Descobrimentosä (1998), feita em tijolo, cimento e tinta, e ainda as obras Até que a Imagem desapareça (foto, bandeja e saco com água), Nave (quatro portas de madeira, TV, acrílico e vídeo) e Semi-Ótica (1975, filme 35 mm)  - Foto: Patricia Rousseaux
A participação de Antonio Manuel no Pavilhão do Brasil inclui uma releitura da instalação “Ocupações/Descobrimentosä (1998), feita em tijolo, cimento e tinta, e ainda as obras Até que a Imagem desapareça (foto, bandeja e saco com água), Nave (quatro portas de madeira, TV, acrílico e vídeo) e Semi-Ótica (1975, filme 35 mm) – Foto: Patricia Rousseaux

Não basta criarmos uma salvaguarda ideológica, social e política para esse confinamento, é necessário aprisionar o outro na discriminação, na pobreza, na violência física, social e cultural. Só assim ​​garantimos nossa própria e mesquinha sobrevivência. Um paraíso de felicidade eterna, sem conflito, límpido. Numa prisão invisível. E o inferno são os outros.

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Comentários

Uma resposta para “Uma falsa liberdade”

  1. Avatar de Regina Pinho de Almeida
    Regina Pinho de Almeida

    Muito bom olhar e a leitura do atual pavilhão brasileiro na 56. Bienal de Veneza. A curadoria bem amarrada toca um tema que nos é caro, a ilusão da falsa liberdade que vivemos.
    ” O aprisionamento como crítica a uma falsa liberdade em que transita o indivíduo contemporâneo…. para sermos livres precisamos estar trancafiados em um espaço cirurgicamente limpo, ​ficticiamente ​completo​, montado pela nossa imaginação, na estética do condomínio, numa alusão aos conceitos usados pelo psicanalista e professor livre-docente da USP Christian Dunker”.

    Sim, o Brasil se isola dele mesmo, se fecha no condomínio. Fechamo-nos entre muros e vidros de carro escuros que mantemos fechados, distantes do outro.
    Acontece de se passar no carro frente a favela, e não a ver. Entrar nela ou por ela, jamais. Velozmente passamos nas avenidas marginais e elas estão lá como se fosse outdoores, um cenário qualquer virtual, uma miragem.
    Como se passa ao andar junto a sacos de lixo abertos deixados na calçada. Como quando você cruza em seu caminho um mendigo, seu olhar no chão o busca, e você logo o refuta, seus olhos fogem para o lado. Você acelera o passo, seu coração bate mais forte, contrai se a respiração. Você não quer ver. Ainda q vê. Nada está lá. É uma mentira, Não há relação com sua vida. O passo aperta. “Aquilo” não existe, não é para existir, não é para ser apreendido pela razão como realidade. Existe o medo do outro. Como quando se passa por um jovem pobre provavelmente e só conseguimos ver nele um pivete, uma ameaça com sua proximidade.
    Poderíamos acrescentar ao tema as palavras do sociólogo Manuel Castells, que “desconstrói o mito do brasileiro simpático” ao dizer que “a imagem mítica do brasileiro simpático existe só no samba. Na relação entre as pessoas, sempre foi violento. A sociedade brasileira não é simpática, é uma sociedade que se mata.”
    E assim essa reportagem reconhece e traduz o grito que emana da curadoria desse pavilhão e nos faz chamar atenção ao que diz. Nos faz olhar de frente a nossa realidade desvelando nossa cegueira, fantasia da nossa ilusão de uma liberdade que de fato não existe, ao convidarmos a refletir sobre o nosso discurso, cético, cínico e cotidiano, que de alguma maneira nos permite conviver e manter as coisas como são:
    “Não basta criarmos uma salvaguarda ideológica, social e política para esse confinamento, é necessário aprisionar o outro na discriminação, na pobreza, na violência física, social e cultural. Só assim ​​garantimos nossa própria e mesquinha sobrevivência. Um paraíso de felicidade eterna, sem conflito, límpido. Numa prisão invisível. E o inferno são os outros.”

    Ao enxergarmos como realmente somos, seremos capazes de repensar nossos caminhos, evitar a inércia e lutar para que nossas mazelas encontrem solução. O inferno é aqui mesmo. E é isso que queremos? Haveriam outras maneiras de fazer, de caminhar, de encaminhar nosso futuro?

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