Pompidou busca obras de neoconcretistas brasileiros para seu acervo, diz Catherine David

A curadora Catherine David na abertura da Bienal de São Paulo. Foto: Luiza Sigulem
A curadora Catherine David na abertura da Bienal de São Paulo. Foto: Luiza Sigulem

Um dos mais importantes museus de arte moderna e contemporânea do mundo, o Museu Nacional de Arte Moderna da França, localizado no icônico Centro Georges Pompidou, está trabalhando para reforçar sua coleção de arte brasileira, especialmente com obras de artistas da geração de Helio Oiticica, Lygia Pape, Lygia Clark e Mira Schendel. Diretora adjunta da instituição parisiense, a curadora e historiadora de arte Catherine David esteve recentemente no Brasil, durante a semana de abertura da 32a Bienal Internacional de São Paulo, e conversou com exclusividade com a ARTE!Brasileiros. David elogiou a edição da Bienal, falou sobre “arte política” e sobre seu trabalho no Pompidou. Leia abaixo a entrevista.

Brasileiros – Apesar de o Musée National d’Art Moderne ser uma instituição dedicada à arte moderna, como o próprio nome diz, ela também tem uma atuação forte no campo da arte contemporânea. Como se dá esse trabalho? Quais as diretrizes do museu para acompanhar a produção contemporânea?
Catherine David – Acho que no Pompidou nós buscamos uma espécie de balanço. Apesar de termos uma coleção de arte moderna única, talvez a maior do mundo ao lado do MoMA (Nova York), temos um olhar também para a produção contemporânea, tanto na coleção quanto nas exposições temporárias. E fazemos isso mirando para um mundo globalizado, em que podemos nos interessar por artistas de qualquer lugar, seja da África do Sul, da Inglaterra ou do Brasil. Isso me parece mais fácil hoje, em um mundo conectado, do que era com as gerações históricas. Então nós estamos atentos para o globo como um todo…

Sem privilegiar a arte produzida em um ou outro lugar?
Claro que temos que lidar também com as competências e conhecimentos dos nossos curadores. Então naturalmente vamos ter uma relação privilegiada com certas zonas geoculturais, mais do que outras. Mas estamos abertos para todos os lugares. Meu trabalho é tentar sempre manter a qualidade do museu trazendo para ele as presenças das modernidades globais.

Nessa linha, como entra a arte latino-americana?
Apesar de que falar em arte latino-americana seja demasiado amplo, já que há muita diferença entre Argentina e México, por exemplo, no nosso trabalho estamos preocupados com toda essa região, e com as relações históricas da Europa com os outros lugares. Nosso foco agora é reforçar a coleção, e estou no Brasil também por isso. Eu gostaria muito de ter uma Tarsila do Amaral, por exemplo…

Essa vinda ao Brasil é focada na compra de obras? E o que de arte brasileira, mais especificamente, vocês estão buscando?
Acho que assim como outros museus internacionais, perdemos um pouco a oportunidade de construir um paradigma forte desta geração de Helio Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape e Mira Schendel. Então a minha perspectiva é agora ter a capacidade de construir isso, de selecionar obras consistentes para reforçar a coleção desta geração de artistas, que é tão relevante.

Você falou sobre essa mistura de arte contemporânea e arte mais histórica no trabalho do Pompidou. Falando agora da 32a Bienal de São Paulo, já que estamos nela, essa mistura é algo que me parece presente nesta edição também. Qual a sua impressão desta edição do evento?
Acho que tem uma seleção interessante de artistas brasileiros vindos de diferentes regiões geoculturais do País, com histórias muito diferentes. E também a articulação de uma coisa mais contemporânea com uma memória, com os trabalhos mais históricos. A presença do Wlademir Dias-Pino, do Bené Fonteles… acho muito interessante. E uma Bienal tem essa possibilidade de mostrar trabalhos importantes para um público vasto, o que é muito importante no Brasil.

Eu li uma entrevista em que você diz ser um pouco reticente à categorias como arte política, arte engajada… Nesta Bienal existe uma postura posição politica forte… Como você vê isso no contexto atual?
Na minha opinião, a partir do momento em que você aparece com “arte política” já tem um problema. Acho que o poder da arte é precisamente o discurso polifônico. Tenho mais interesse em obras com camadas variadas de materialidade e sentido, capazes de criar um espaço formal, cultural e textual complexos… E que na minha opinião podem virar obras mais políticas, no sentido profundo da palavra, do que obras panfletárias, didáticas. Mas, do que eu vi na Bienal, há um grande número de obras complexas, e uma atenção para a materialidade, historicidade, política dos corpos, seja no trabalho do Jonathas de Andrade, do Dalton Paula, do Wlademir… Essas obras tem uma ressonância política no sentido profundo da palavra. Isso para mim é interessante.

Na coletiva de imprensa na abertura da Bienal os artistas se manifestaram contra o governo de Michel Temer. O espaço de uma Bienal te parece propício para este tipo de manifestação?
Uma Bienal é um espaço público, de uso social. Então, a partir do momento que se tem respeito pelas obras, a manifestação é normal, legítima, até esperada.

Existe também um debate muito forte sobre questões ecológicas, ambientais…
Acho essas obras muito fortes. Mas não é lidar com ecologia do modo como se fala nos jornais, por exemplo, ou do modo que faz um cientista. Acho que o papel do artista é falar não só da ecologia como realidade, mas também como metáfora, para questões humanas, políticas.


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