No Pará, há cerca de um museu para cada 173 mil habitantes. Segundo pesquisa do Ibram (Instituto Brasileiro de Museus), o Estado tem a segunda pior média nacional de museus por pessoa, perdendo apenas para o Maranhão. Este índice pode se agravar, com a remoção do Museu de Arte Contemporânea do espaço da Casa das Onze Janelas, anunciada em um decreto do governo estadual, no dia 17/6.
Segundo o comunicado, o museu será deslocado para outro espaço, para que a Casa das Onze Janelas abrigue o Polo Gastronômico da Amazônia. O Instituto ATÁ, pertencente ao chef de cozinha Alex Atala. é uma das instituições que iria concorrer à administração do polo gastronômico. A decisão oficial provocou respostas contrárias de diversos setores da sociedade civil. Organizou-se uma aula pública na qual pesquisadores e artistas alegaram que não há nenhuma garantia de que o museu será realocado. No último dia 30, Alex Atala comunicou que decidiu se afastar da iniciativa, por não compactuar com “um projeto que valoriza a cultura culinária do Pará desabrigando demais expressões de arte, como as que tinham como morada o Museu Casa das Onze Janelas”.
Construída no século XVIII, a Casa das Sete Janelas é um edifício colonial que serviu de residência ao senhor de engenho Domingos da Costa Bacelar. Adquirida pelo governo do Pará, abrigou até 1870 o Hospital Real e depois passou aos militares. Em 2001, o imóvel foi retomado pelo Estado, que o transformou em museu no ano seguinte. A instituição é um dos poucos espaços destinados à arte contemporânea na Amazônia. Em seu acervo há obras de artistas como Cildo Meireles e Emmanuel Nassar, além de um grande acervo de fotografia, com trabalhos de Miguel Rio Branco e Rosangela Rennó. Segundo o fotógrafo paraense Luiz Braga: “O museu tem limitações espaciais. Por ser um prédio tombado, não é possível receber instalações de grandes dimensões de artistas como Ernesto Neto e Tunga. Na verdade, Belém merece um espaço maior dedicado à arte contemporânea. Mas é óbvio que não faz sentido nenhum destituir uma instituição, para construir outra”, afirma.
A superintendente do Iphan no Pará, Maria Dorotéa de Lima, também se posiciona contra o projeto: “É uma decisão equivocada. Com tantos prédios abandonados no centro de Belém, por que escolher justamente esse edifício no qual o museu já funciona tão bem?”, indaga. Dorotéa afirma que a medida é um exemplo “da inabilidade do Poder Executivo em dialogar com a população e ser transparente”. Liderado por Simão Jatene, do PSDB, o governo nem chegou a notificar o Iphan da decisão. Os funcionários ficaram sabendo que o museu seria despejado pela imprensa. No entanto, o órgão precisa ficar atento às movimentações, pois, como o prédio é tombado, qualquer alteração em sua arquitetura precisa ser aprovada. “É inviável hoje que qualquer projeto de impacto social seja feito sem consulta à população. O governador deveria estar aberto a repensar essa medida e ouvir a sociedade”, afirma Dorotéa.
Para o fotógrafo paraense Rogério Assis, o despejamento do museu é apenas uma parte de um longo processo que visa afastar a população pobre do centro de Belém. “A proposta do Centro de Gastronomia faz parte de um projeto maior de gourmetização da capital, empreendido desde que o PSDB assumiu o governo estadual. A cidade começa a ser voltada apenas aos turistas e não ao povo que mora lá. Isso aconteceu com o tradicional Mercado Bolonha de Belém, que foi reformado, e agora está com os preços muito elevados. As pessoas não têm mais dinheiro para comprar no lugar que freqüentaram a vida inteira”, afirma.
O governo estadual ainda não se pronunciou diante das manifestações e da decisão de Alex Atala de deixar de concorrer ao projeto. Enquanto isso, setores da sociedade civil continuam organizados, pressionando para que o museu permaneça na Casa das Onze Janelas.
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