Numa tarde de 2014, o fotógrafo Tuca Vieira pega um táxi. No banco de trás do automóvel, em um canto quase escondido, ele encontra um exemplar do Guia Quatro Rodas de São Paulo. Enquanto o carro percorre as ruas da cidade, o fotógrafo folheia as páginas da publicação. É exatamente neste momento de contemplação que Vieira tem a ideia que originou a mostra Atlas Fotográfico da Cidade de São Paulo, em cartaz agora na Casa da Imagem. A exposição apresenta uma série de fotos da capital, na qual cada imagem corresponde a uma das 203 páginas do guia.
Segundo o artista, o projeto surgiu de um impulso de conhecer melhor a própria metrópole na qual ele vive: “No fundo, a fotografia é um pretexto para a gente fazer umas coisas meio absurdas. Por exemplo, eu sempre quis conhecer o município de Ferraz de Vasconcelos e a fotografia foi a justificativa que usei para ir até lá. Eu inventei um projeto que me levaria a quase todos os lugares da cidade”, afirma.
As imagens presentes na exposição revelam as contradições de São Paulo, uma metrópole que cresceu exponencialmente nos últimos 50 anos. São prédios, carros, favelas, pichações, em um conjunto caótico que emerge das fotos. “O trabalho evidencia essa expansão absurda, desproporcional, marcada pelo improviso, a falta de planejamento, a violência, e a precariedade”, ressalta o artista. Das 203 imagens, apenas seis retratam bairros de elite, o que enfatiza a desigualdade social latente na capital. Nesta linha, há também um registro da forma como o homem se adapta à falta de recursos, ocupando o espaço conforme a necessidade e inventando novas formas de habitá-lo.
Mas como conseguir representar São Paulo em toda sua complexidade? Por onde começar? Para realizar a empreitada, Vieira optou por olhar para a metrópole a partir da extensão do seu território, baseando-se nas informações do Guia Quatro Rodas. Esse processo de mapeamento da cidade, segundo o fotógrafo, aproxima-se das missões dos naturalistas no século XIX, que percorriam lugares nunca adentrados num esforço da ciência de catalogar o desconhecido. Outra referência de Vieira é a obra de Militão Augusto de Azevedo (1837-1905), um dos primeiros a retratar São Paulo, antes de sua modernização no final do Império. A série de fotos de Militão é considerada um marco da fotografia da cidade e um dos primeiros mapeamentos da região.
Além do caráter científico do trabalho, há um diálogo com o universo ficcional, como ressalta o arquiteto Guilherme Wisnik: “Para que visitar ao vivo lugares que estão plenamente mapeados pelo Google e pelo georreferenciamento da cidade? Daí o aspecto algo quixotesco do projeto”, afirma. Ao percorrer esses inúmeros cantos da capital, Vieira cria um registro que também é pessoal, apresentando uma cidade dentre as inúmeras possíveis. “É engraçado porque eu sou de São Paulo, mas é como se eu fotografasse um local desconhecido, que não me pertence exatamente. Tem algo de explorador mesmo. Cada vez que eu pegava o carro, era como se eu fosse fazer uma pequena viagem a um território novo. A cidade é um ambiente muito rico para a ficção, muitos lugares me lembram os cenários descritos pelo escritor argentino Jorge Luís Borges. Na exposição, eu coloco a lista de nomes dos bairros retratados, mas esses termos são pura ficção, eles não estão lá para identificar o lugar, é para a gente ficar embaralhado mesmo, mostrando uma metrópole que parece provir da literatura fantástica”, ressalta Vieira.
Na mostra também está exposto o guia que o fotógrafo recebeu do taxista em 2014. “Quando o homem viu meu interesse pelo livro, ele perguntou se eu queria ficar com ele, já que ‘aquilo não servia mais pra nada’”, conta o artista. É justamente esse caráter de relíquia do guia que é ressaltado na exposição, que reflete as transformações bruscas do espaço e das formas de o homem se localizar nele. Não à toa, a mostra fica em cartaz em edifício situado ao lado do Pátio do Colégio, local de fundação dessa metrópole em eterna expansão registrada pelas lentes de Tuca Vieira.
Serviço – Atlas Fotográfico da Cidade de São Paulo
Até 16 de outubro de 2016
Casa da Imagem
Rua Roberto Simonsen, 136-B
(11)3241 1081
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