Em 2009, o colecionador de arte Silvio Frota adquiriu o conhecido retrato da menina afegã Sharbat Gula, fotografada por Steve McCurry e publicada pela National Geographic em 1985. Frota refletiu sobre a razão de ter se sentido impactado por aquela foto e decidiu estudar a história da fotografia, participar de leilões, visitar mostras e se aproximar de fotógrafos.
Foi um pulo para começar a constituir uma coleção própria dedicada ao gênero, a mesma que agora a Fundação Paula e Silvio Frota traz a público em Fortaleza, com a inauguração do Museu da Fotografia, no bairro de Aldeota, em edifício reformado pelo arquiteto Marcus Novais.
São quatro andares para o conjunto de dois mil trabalhos reunidos a partir de um norte subjetivo e pessoal. “Só tenho o que gosto. Minha paixão se tornou a fotografia e não a foto em si.” O olhar de Frota tem como preferência obras e conjuntos que sintetizam episódios emblemáticos da história do Brasil. Raras vezes ele escolhe uma única foto de um autor, preferindo sempre as séries ou os portfólios. “Para mim, esta é a única maneira de conhecermos a visão do fotógrafo.”
Foi assim que profissionais brasileiros e estrangeiros, como Jean Manzon (1915-1990), José Medeiros (1921-1990), Chico Albuquerque (1917-2000), Martin Chambi (1891-1973), Irmãos Vargas (Carlos e Miguel, nascidos no século XIX) e Dorothea Lange (1895-1965), foram se encontrando na coleção, ao lado de outros nomes da fotografia de moda, do retrato, da vida social. Também estão presentes Thomaz Farkas (1924-2011), Evandro Teixeira (1935), Claudio Edinger (1952), Maureen Bissiliat (1931), Miguel Rio Branco (1946), Mario Cravo Neto (1947-2009), Gabriel Chaim (1982), Victor Dragonetti (1990) e André Liohn (1974).
Entre as imagens, encontramos, por exemplo, as fotos de Mario Cravo Neto, que entrevistei nos anos 1990. Na ocasião, ele definiu a fotografia como “uma cicatriz no corpo, às vezes intrigante porque plasma o momento da ação. Por vezes direta e intencional, às vezes acidental e ocasional. Por serem diversas em seus significados, são marcas que contam mentiras diferentes. A sua função é como a de toda grande arte – unir os homens e aproximá-los de uma ideia comum”.
A imagem da capa desta edição faz parte da série Voodu, realizada no final dos anos 1980. Nela, podemos perceber toda a força da forma simbólica de Cravo Neto. Imagens iconoclastas, misteriosas, que exigem calma e reflexão.
Adrenalina pura
Uma das características da coleção são as séries de fotojornalismo e, em especial, a seção que foca o período da ditadura militar. “É preciso contar uma história, é preciso contar a história do País, e o fotojornalismo é perfeito para isso”, comenta o colecionador. “Veja as fotos dos anos 1960 aos 1970: eram adrenalina pura. A nova geração produz uma fotografia muito mais construída. Poder acompanhar isso é muito bom.” Com esse mesmo raciocínio, Frota iniciou, mais recentemente, um novo recorte focado em conflitos políticos, com imagens registradas em outros países.
Disponibilizar sua coleção para ser vista por todos que têm interesse não é o bastante para ele. A preocupação pedagógica também o motiva e de alguma maneira guia a expansão de sua coleção. A intenção do colecionador, hoje, é promover cursos, palestras e trabalhar com crianças das comunidades em parceria com a Secretaria Municipal da Infância e Juventude. “Entendo a fotografia também como uma ferramenta de conhecimento. Nós vamos levar o museu para as crianças e vamos trazê-las para o museu. Elas vão fotografar e expor suas fotos aqui e também no bairro onde vivem”, comenta.
Para cuidar de toda essa engenharia, o museu vai contar com um conselho curador, que se reunirá duas vezes ao ano. Um trabalho de fôlego – e não exatamente de um curador, título que Frota refuta, mas sim de um homem, em suas próprias palavras, “apaixonado pela fotografia”.
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