O título dessa edição, “Arte como Resistência”, corre o risco de ser lido como pleonasmo. Fazer arte é resistir em toda e qualquer situação.
A arte resiste porque por meio dela podemos escapar ou nos confrontar. Ela sai inevitavelmente da normatividade, na fantasia ou no delírio do artista que envolve o olhar do outro, aquele que observa, interpreta e se vê interpretado.
De um jeito ou de outro, a criação de um artista acaba sempre questionando o que sabemos. Convictos de algo, deparamo-nos com ela. Em uma obra, pode estar em jogo desde a resistência intrínseca da forma, esse intrincado conjunto de forças que nos ata, até o entorno que a sustenta, o contexto em que ela nasce e sua própria razão de existir.
Esta edição acabou encontrando manifestações de artistas nacionais e internacionais, de instituições, curadores, cidadãos, pensadores e colecionadores cujas iniciativas expressaram resistência em um momento de cerceamento de liberdades, das conquistas sociais ou do pensamento. Está acontecendo neste exato instante nos EUA. De maneira inédita, o mundo viu, nos primeiros meses de 2017, a reação do circuito das artes contra ações arbitrárias do presidente Donald Trump. O texto de Mariana Tessitore nos descreve o momento preciso em que trabalhos e manifestações de artistas e instituições americanas convergiram para expressar a recusa contra as medidas xenofóbicas e machistas do republicano.
O britânico-indiano Anish Kapoor evocou o trabalho do alemão Joseph Beuys (1921-1986) em seu manifesto. Beuys não está sendo relembrado à toa. Ele defendeu o contato direto com o espectador e a participação ativa do artista em questões políticas determinantes.
Um grande museu americano, o MoMa, também registrou seu protesto, colocando em destaque obras de artistas do Iraque, do Irã e outros países de maioria islâmica. Também houve posicionamento de Christo, Barbara Kruger, Richard Serra e Richard Prince.
Essas são situações de atuação mais imediatas encampadas pela arte na política. Mas a resistência assume outras formas quando compreende a vertiginosa discussão sobre o limite entre loucura e razão. Lugares do Delírio, no Museu de Arte do Rio, articula a produção de pacientes psiquiátricos com a de artistas “sãos”, consagrados pelo mercado. Essa distinção fica borrada quando o campo de atuação comum é a arte. A frequente imagem de barcos na simbologia sobre a loucura nos reposiciona em nossa relação inconstante com o mundo, como se loucos fôssemos todos, à deriva e sujeitos aos diversos deslocamentos sobre a noção de bom senso.
Claro que o grafite paulistano, no momento seguinte ao conflito com o poder público, não poderia ficar de fora deste número. Só que nossa proposta não foi passar o caso a limpo. Preferimos um foco à margem: percorrer a periferia e o centro para entender como grafiteiros ocupam os diversos territórios, políticos e geográficos da cidade. Boa leitura!
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